O EVANGELHO
SEGUNDO O ESPIRITISMO
CAPÍTULO 16
NÃO SE PODE
SERVIR A DEUS E A MAMON
Salvação
dos ricos
Resguardar-se
da avareza • Jesus na casa de Zaqueu
Parábola
do mau rico • Parábola dos talentos
Utilidade
providencial da riqueza. Provas da riqueza e da miséria
Desigualdade
das riquezas
Instruções dos Espíritos:
A verdadeira propriedade
Emprego
da riqueza • Desprendimento dos bens terrenos
Transmissão
da riqueza
DESPRENDIMENTO
DOS BENS TERRENOS
Lacordaire - Constantina, Argel, 1863.
deixar a seus filhos a maior quantidade de bens possíveis,
e evitar deixá-los na miséria. Isto é bastante justo e paternal, convenhamos, e
não se pode censurá-lo por isso, mas será este o objetivo que o orienta?
Não é isso frequentemente uma desculpa para com sua
consciência, para justificar aos próprios olhos e aos olhos do mundo o apego
pessoal aos bens terrenos? Admitindo-se que o amor paternal seja seu único
propósito, será motivo para esquecer-se de seus irmãos perante Deus? Se ele
mesmo já tem o supérfluo, deixará seus filhos na miséria só porque terão um
pouco menos desse supérfluo? Não estará dando-lhes uma lição de egoísmo a
endurecer-lhes os corações?
Não será sufocar neles o amor ao próximo? Pais e mães
cometeis um grande erro se acreditais que, desse modo, aumentais a afeição de
vossos filhos por vós; ao ensinar-lhes a ser egoístas para com os outros,
ensinais a sê-lo para convosco.
Quando um homem trabalhou bastante, e com o suor do seu
rosto acumulou bens, ouvireis dizer frequentemente que, quando o dinheiro é ganho,
sabemos dar-lhe valor. É a mais pura verdade. Pois bem! Que este homem que
confessa conhecer todo valor do dinheiro faça a caridade segundo suas
possibilidades, e terá maior mérito do que aquele que, nascido na fartura,
ignora as rudes fadigas do trabalho. Mas, se esse homem que se recorda de suas
lutas, seus esforços, tornar-se egoísta, impiedoso para com os pobres, será bem
mais culpado do que aquele outro; pois, quanto mais cada um conhece por si
mesmo as dores ocultas da miséria, tanto mais deve se empenhar em ajudar aos
outros.
Infelizmente, o homem de posses sempre carrega consigo outro
sentimento tão forte quanto o apego à riqueza: o orgulho. É comum ver-se o
novo-rico atormentar o infeliz que implora sua ajuda, com a história de seus
trabalhos e suas habilidades, ao invés de ajudá-lo, e por fim dizer-lhe: “faça
como eu fiz”. Em sua opinião, a bondade de Deus não influiu em nada na sua riqueza;
o mérito cabe somente a ele; seu orgulho põe-lhe uma venda nos olhos e um
tampão nos ouvidos.
Apesar de toda sua inteligência e toda sua capacidade, não
compreende que Deus pode derrubá-lo com uma só palavra.
Desperdiçar a riqueza não é desprendimento dos bens
terrenos: é descaso e indiferença. O homem, como depositário desses bens, não
tem direito de esbanjá-los ou usá-los só em seu proveito.
O gasto irresponsável não é generosidade. É, muitas vezes,
uma forma de egoísmo. Aquele que esbanja ouro para satisfazer uma fantasia talvez
não dê um centavo para prestar auxílio. O desapego aos bens terrenos consiste
em apreciar a riqueza no seu justo valor, saber usufruir dela em benefício de todos
e não somente para si, em não sacrificar por sua causa os interesses da vida
futura e, se Deus a retirar, perdê-la sem reclamar. Se, por infortúnios imprevistos,
vos tornardes como Jó*, dizei como ele: Senhor,
vós me destes, vós me tirastes;
que seja feita a vossa vontade. Eis o verdadeiro desprendimento.
Sede, antes de tudo, submissos; tende fé n’Aquele que,
assim como vos deu e tirou, pode devolver-vos; resisti com coragem ao abatimento,
ao desespero que paralisa vossas forças; não vos esqueçais nunca de que, quando
Deus vos prova por uma aflição, sempre coloca uma consolação ao lado de uma
rude prova. Pensai também que há bens infinitamente mais preciosos do que os da
Terra, e esse pensamento vos ajudará a desapegar destes últimos. Quanto menos valor
se dá a uma coisa, menos sensível se fica à sua perda. O homem que se apega aos
bens da Terra é como uma criança que apenas vê o momento presente; aquele que
não é apegado é como o adulto, que vê coisas mais importantes, pois compreende
essas palavras proféticas do Salvador: Meu
reino não é deste mundo.
O Senhor não ordena a ninguém desfazer-se do que possua
para se reduzir a mendigo voluntário, porque, então, se tornaria uma carga para
a sociedade. Agir desse modo seria compreender mal o desprendimento aos bens
terrenos; é um egoísmo de outro modo. Seria fugir à responsabilidade que a
riqueza faz pesar sobre aquele que a possui. Deus a dá a quem Lhe parece ser
bom para administrá-la em benefício de todos; o rico tem, portanto, uma missão
que pode tornar-se bela e proveitosa para si mesmo. Rejeitar a riqueza, quando
é dada por Deus, é renunciar ao benefício do bem que se pode fazer administrando-a
com sabedoria. Saber passar sem ela quando não a temos, saber empregá-la
utilmente quando a recebemos, saber sacrificá-la quando for necessário é agir
de acordo com a vontade do Senhor. Que diga, pois, aquele que recebe o que o
mundo chama de uma boa fortuna: meu Deus, vós me enviastes um novo encargo;
dai-me a força para desempenhá-lo conforme vossa santa vontade.
Eis, meus amigos, o que vos queria ensinar quanto ao
desprendimento dos bens terrenos; posso resumir dizendo: contentai-vos com pouco.
Se fordes pobres, não invejeis aos ricos, pois a riqueza não é necessária para
a felicidade. Sois ricos, não vos esqueçais de que vossos bens vos foram
confiados, e que deveis justificar o seu emprego, como uma prestação de contas
de um empréstimo. Não sejais depositários infiéis, fazendo com que eles sirvam
apenas para a satisfação de vosso orgulho e sensualidade; não vos acrediteis
com o direito de dispor para vós unicamente o que recebestes, não como doação,
mas somente como um empréstimo. Se não sabeis restituir, não tendes o direito
de pedir, e lembrai-vos de que aquele que dá aos pobres salda a dívida que
contrai para com Deus.
* N. E. - Jó: patriarca judeu escreveu o Livro de Jó, que
encerra grande sabedoria sobre a renúncia e a confiança em Deus (Velho
Testamento).
CONTINUA
AMANHA
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