“SOMBRAS DO PASSADO”
Haroldo Freitas
Ficara órfã aos quatros anos, quando um
acidente de automóvel tirou a vida de seus pais. Ela e os irmãos foram criados
por uma irmã de seu pai. Foram educados muito bem, inclusive, os dois irmãos,
Edson e Abelardo formaram-se em advogado e
dentista, respectivamente. A
educação doméstica, desde o dia que passaram para a responsabilidade da tia,
foi muito rígida. Tinham os direitos que toda criança e adolescente devem ter,
também tinham obrigações e deveres, ou seja, os seus direitos tinham limites.
Cida casou aos dezoito anos. Um casamento que tinha tudo para dar certo. Os
noivos eram jovens, bonitos, com boa formação moral e intelectual e tinham
total apoio de suas famílias, que eram conhecidas e amigas há muito tempo.
No inicio, apesar das dificuldades naturais
de todos recém-casados, foi um período maravilhoso. Ronaldo voltava do serviço
antes das dezenove horas encontrando Cida a sua espera, arrumada e cada dia
mais bonita e apaixonada. O jantar, preparado pela empregada, era com os pratos
preferidos dele. Nada tinha a reclamar, somente a agradecer a DEUS por ter
casado com uma mulher maravilhosa.
Logo, Cida ficou grávida de Rodrigo,
que nasceu antes de completarem dois anos de casados.
A gravidez de Cida e o nascimento
do filho uniram, ainda, mais o casal. Dificilmente passavam um final de semana
em casa. Quando não iam para a casa de D. Beatriz ou para a casa dos irmãos de
Cida, iam para a casa de praia, pertencente a D. Beatriz. Durante a semana,
pelo menos uma noite, iam ao cinema ou teatro e aproveitavam para jantar fora.
Sempre juntos, parecendo um casal de namorados.
Com o passar dos anos e a ascensão de
Ronaldo na Empresa, que o obrigava a ficar trabalhando até tarde da noite, bem
como as frequentes viagens, inclusive para Miami, o relacionamento foi
esfriando. Rodrigo estava com cinco anos e Cida achou que estava na hora de ter
outro filho, até porque, antes de casarem, tinham planejado ter dois filhos e,
também, pensava que um novo filho faria Ronaldo ser igual, como fora quando o
Rodrigo nasceu. Porém, com o nascimento de Carol as coisas pioraram. Cida
passou a exigir mais atenção para ela e os filhos, principalmente para o bebê.
Ronaldo para evitar as cobranças de Cida
e, por conseguinte as brigas diárias passou a viajar mais e prolongar as
estadas fora da cidade, principalmente nos finais de semana. As viagens eram
programadas, quase sempre, com partida às sextas feiras e com retorno às
terças.
Este clima desagradável se mantinha desde
a gravidez de Carol até aos dias atuais. Conforme Carol crescia, o
relacionamento do casal piorava, estando, atualmente, em níveis insuportáveis.
Quase não se falavam e quando acontecia era para brigarem e o assunto era o
comportamento de Carol.
Ronaldo pensara até em separação, mas
amava a esposa e era fiel. Nunca tivera uma aventura fora de casa, por mais
simples que fosse. Oportunidades não faltavam, principalmente durante as
viagens. Na solidão dos quartos de hotéis, ficava pensando o que e porque
daquela situação. O seu casamento estava, praticamente, acabado. No princípio,
com as dificuldades que passaram eram felizes. Agora, com sua vida profissional
estabilizada, boa posição social, econômica e financeira, a felicidade acabara.
Não conseguia mais passar um fim de semana
em casa com a família, preferia ficar solitário, nos quartos de hotéis, para
evitar ouvir cobranças e discutir com Cida e Carol. Já pedira conselhos à D.
Beatriz, mas ao invés de conselhos, recebia convite para participar de uma
sessão espírita, no Centro que sua mãe frequentava. Ela dizia que os problemas
que estavam aparecendo em sua casa eram motivados por dívidas contraídas em
encarnações passadas.
D. Beatriz, assim como toda família,
sempre fora católica de não perder a missa aos domingos. Após a morte do
marido, a convite de uma amiga, passou a frequentar o Centro Espírita Nossa
Casa, onde encontrou todas as respostas para as suas dúvidas sobre a vida antes
e depois da morte do corpo físico. Depois de alguns anos de estudos e
desenvolvimento da mediunidade, tornara-se uma das colaboradoras do Centro.
Além dos trabalhos de organização e assistência social aos mais necessitados,
fazia palestras e trabalhava como médium incorporadora, nas seções mediúnicas.
Nunca forçara o filho e sua família a seguirem a Doutrina Espírita, pois, sabia
que, como ela, um dia eles a descobririam.
Infelizmente, na sua maioria, essa
descoberta é feita na ocasião de dores e desesperos. Achava que a hora tinha
chegado para seu filho. Se as coisas continuassem como estavam, o final, que
estava próximo, seria a separação e o esfacelamento da família.
Ronaldo continuava católico e sempre que
podia ia à missa aos domingos. Não acreditava no Espiritismo, principalmente,
em reencarnação.
Era contra a atitude de sua mãe, ao trocar
o Catolicismo pela Doutrina Espírita e, todas as vezes que conversavam sobre o
assunto, procurava convencê-la a voltar para a Igreja Católica.
D. Beatriz fora aconselhada, pelos
mentores espirituais, a fazê-lo participar de uma reunião mediúnica, pois, a
sua casa estava cheia de Espíritos Obsessores, cuja finalidade era fazer a
separação do casal e destruição de toda a família.
Vendo que era muito difícil, ou melhor,
impossível fazê-lo mudar de ideia, resolveu falar abertamente com Cida e
convidá-la a participar de uma sessão mediúnica. Talvez, com a participação de
Cida nas sessões, pudesse levar o Ronaldo e Carol para o Centro.
No sábado, pela manhã, D. Beatriz foi a
casa do filho.
- Bom dia Cida. O Ronaldo está em casa?
- Bom dia D. Beatriz. Há muito tempo o seu
filho não passa os finais de semana em casa. Arruma uma viagem na sexta feira e
só volta na segunda ou terça feira, aliás, já falei com a senhora sobre isso.
- Já falou sim. Porém, vim falar com você
e, é bom que ele não esteja.
- Aconteceu alguma coisa? Vamos para a
sala.
- Vamos. Os meninos estão dormindo?
- O Rodrigo está, mas a Carol saiu cedo,
dizendo que ia estudar na casa de uma amiga. Agora, conte-me o que tão
importante a fez vir visitar-me em uma manhã de sábado?
- Você
sabe que sou Espírita e há muito tempo venho tentando levar o Ronaldo para
participar de uma reunião, porém, sem sucesso. Ultimamente, quando começo a
falar ele se aborrece e chega ao ponto de dizer, caso eu voltasse ao assunto
ele deixaria de ir em casa.
- Isso prova como está difícil dialogar
com o seu filho. Quando o assunto não é do seu interesse, ele encerra a
conversa, ameaçando sair de casa.
- Você não acha que está havendo alguma
coisa estranha interferindo em suas atitudes? Ele sempre foi um bom filho, um
bom esposo e um excelente pai. Não é possível que, de uma hora para outra, uma
pessoa possa se transformar dessa maneira, a não ser ocasionado por uma força
superior.
- D. Beatriz acho que ele arrumou outra
mulher e, para não ser o vilão da história, está fazendo tudo para eu abandonar
a casa. Mas, isso ele não vai conseguir, até porque, ainda o amo muito e não
abandonarei a minha casa e os meus filhos.
- Não acho que o problema seja outra
mulher. Quando ele vai lá em casa e fala sobre vocês, diz que não sabe o que
está acontecendo, pois, apesar de amá-la muito, o relacionamento entre vocês,
desde o nascimento de Carol, piora dia a dia. Diz, ainda, que esperava ver, com
o crescimento da Carol, tudo voltasse ao normal, mas, quando mais ela cresce
mais a vida de vocês torna-se um inferno.
Continua amanhã
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