Carol, a
cada dia, apresentava sintomas de desgastes físicos e emocionais. Estava no
sexto mês de gestação. A barriga bem saliente, o que fazia o seu protetor
exigir mais dinheiro, pois, segundo ele, naquele estado as pessoas ficavam mais
sensibilizadas e davam esmolas maiores. Alegava, também, que logo ela iria dar
luz e ele ficaria sem renda durante o seu resguardo.
Os dias passavam sem novidades, a não ser
as de sempre, ou seja, o casamento de Ronaldo e Cida que parecia estar bem
próximo do final e as previsões, diante dos acontecimentos, seria um final bem
trágico, o que deixava D. Beatriz desesperada, pois, os fatos não recomendavam
uma solução satisfatória para o enredo daquele drama familiar.
A equipe do Centro Espírita Nossa Casa, encarregada
do assunto “Família Dona Beatriz”, apesar dos avanços com os obsessores, estava
temerosa, tendo como base as duas últimas semanas, por não ter havido qualquer
contato com Baltazar e sua turma. Hoje, sábado, seria a última oportunidade da semana
para obterem algum avanço que deixasse boas perspectivas, para que pudessem
iniciar a próxima semana com mais esperança e, também, tivessem um fim de
semana mais tranquilo.
Carol continua a sua peregrinação pelas ruas
centrais da cidade, em busca de mais dinheiro para satisfazer as exigências do
seu suposto protetor, que estava mais exigente e rigoroso. Quando a arrecadação
não o satisfazia, ele deixava a pobre menina sem o jantar, que consistia em um
copo de café com leite e um pão de cinquenta gramas.
Naquele sábado, D. Beatriz não saiu de
casa, na esperança de receber um telefonema de Carol ou notícia de seu
paradeiro. Na noite anterior, sonhara com a neta. Não lembrava do sonho, mas,
uma voz, de dentro do seu eu, dizia que receberia notícias de sua querida neta.
Ficou ao lado do telefone.
Carol foi acordada pelo Velho da Rua,
antes das quatro horas da madrugada. Na noite anterior não jantou, porque
trouxera pouco dinheiro. O seu protetor a obrigou ir para rua, esmolar, bem
cedo, para recuperar o dia anterior. Tomou um copo de café e saiu. Sozinha,
ainda escuro no semáforo, pensou e resolveu que mais tarde telefonaria para sua
avó e dava um fim naquele sofrimento. Sabia que iria enfrentar a fúria de seus
pais, mas, em comparação ao que esteva passando, seria bem melhor, até porque,
teria a sua avó para defendê-la. O que ela não sabia era que o seu protetor,
desconfiado que estivesse ficando com parte do dinheiro arrecadado para dar
para alguém, resolveu que naquele dia, por ser sábado e o movimento fraco, não
poderia dividir a arrecadação. Foi vigiá-la.
Trocou de roupa, colocou um chapéu e ficou
a espreita.
O dia amanheceu com o céu cinzento e muito
frio. O movimento de carros era pequeno. Carol mal agasalhada sentia muito
frio. Por volta das dez horas, foi ao Bar da esquina, tomar um café bem quente
e aproveitaria para telefonar para sua avó. O Velho da Rua a viu dirigir-se ao
Bar e a seguiu, sem ser notado. Carol pediu uma média e ao acabar foi ao Telefone.
Discou para sua avó, ouviu a Janete dizer,
alô, alô e sentiu um tapa no rosto e o telefone ser arrancado de sua mão. Era o Velho da Rua que estava a
sua frente. O ato foi tão rápido que as poucas pessoas que se encontravam no
recinto não notaram, ou não quiseram tomar conhecimento do drama e o sofrimento
daquela menina moradora da rua, grávida e sendo espancada e maltratada por,
também, um morador da rua.
O sofrimento de Carol não terminara ali.
Foi levada aos empurrões para o beco fétido onde era a sua morada, juntamente
com outros mendigos. Lá chegando, o seu algoz reiniciou as ameaças.
- Já lhe falei que o seu mundo é este da
rua e que estava proibida de falar com qualquer pessoa do nosso meio, muito
menos do outro mundo, inclusive por telefone. Estava telefonando para o seu
parceiro vir pegar o meu dinheiro? Era só o que faltava dar o meu dinheiro para
os amantes. Ou está pagando para transar com você? Com esta barriga só mesmo
pagando. Quando você tiver esse filho, ai sim, será mais fácil arrumar alguém
para transar e eu tomarei conta deste negócio. Vamos faturar bem e você não precisará
pedir esmolas. O negócio será outro, bem mais lucrativo e prazeroso. Até lá
terá que fazer o que eu quiser e mandar. Está, terminantemente, proibida de
falar com alguém sem o meu consentimento. Esqueça que existe telefone. Já me
viu usar Telefone? Quando caímos na rua, os nossos parentes e amigos morreram.
Para quem estava telefonando?
Estava tão desesperada, com fome e frio
que ao ver o telefone me deu vontade de discar um número qualquer e pedir
ajuda. Comida, roupa para mim e meu filho que vai nascer, sei lá, foi puro
desespero. Estava com muita fome e frio.
- Não acredito neste papo furado, mas para
não me aborrecer mais, vou fazer que acredito. Porém, quero deixar bem claro,
isto nunca mais deve repetir se não, você vai se arrepender de ter nascido. Vou
arrancar esse bastardo de sua barriga à pancada. E tem outra coisa, se quiser
comer, volte para o seu ponto e a noite traga bastante dinheiro, para cobrir o
dia de hoje e de ontem.
Carol, chorando, foi para o semáforo sabendo
que estava sendo vigiada.
Na casa de D. Beatriz, o telefone de Carol
trouxe mais preocupação e dúvidas.
- Janete quem ligou?
- Não sei, atendi e não falaram. Dava para
ouvir vozes e choro, mas logo desligaram.
CONTINUAÇÃO
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