quinta-feira, 11 de abril de 2013

SOMBRAS DO PASSADO - LIVRO DE H. FREITAS

CONTINUAÇÃO



Carol, a cada dia, apresentava sintomas de desgastes físicos e emocionais. Estava no sexto mês de gestação. A barriga bem saliente, o que fazia o seu protetor exigir mais dinheiro, pois, segundo ele, naquele estado as pessoas ficavam mais sensibilizadas e davam esmolas maiores. Alegava, também, que logo ela iria dar luz e ele ficaria sem renda durante o seu resguardo.
     Os dias passavam sem novidades, a não ser as de sempre, ou seja, o casamento de Ronaldo e Cida que parecia estar bem próximo do final e as previsões, diante dos acontecimentos, seria um final bem trágico, o que deixava D. Beatriz desesperada, pois, os fatos não recomendavam uma solução satisfatória para o enredo daquele drama familiar.
     A equipe do Centro Espírita Nossa Casa, encarregada do assunto “Família Dona Beatriz”, apesar dos avanços com os obsessores, estava temerosa, tendo como base as duas últimas semanas, por não ter havido qualquer contato com Baltazar e sua turma. Hoje, sábado, seria a última oportunidade da semana para obterem algum avanço que deixasse boas perspectivas, para que pudessem iniciar a próxima semana com mais esperança e, também, tivessem um fim de semana mais tranquilo.
     Carol continua a sua peregrinação pelas ruas centrais da cidade, em busca de mais dinheiro para satisfazer as exigências do seu suposto protetor, que estava mais exigente e rigoroso. Quando a arrecadação não o satisfazia, ele deixava a pobre menina sem o jantar, que consistia em um copo de café com leite e um pão de cinquenta gramas.
     Naquele sábado, D. Beatriz não saiu de casa, na esperança de receber um telefonema de Carol ou notícia de seu paradeiro. Na noite anterior, sonhara com a neta. Não lembrava do sonho, mas, uma voz, de dentro do seu eu, dizia que receberia notícias de sua querida neta. Ficou ao lado do telefone.
     Carol foi acordada pelo Velho da Rua, antes das quatro horas da madrugada. Na noite anterior não jantou, porque trouxera pouco dinheiro. O seu protetor a obrigou ir para rua, esmolar, bem cedo, para recuperar o dia anterior. Tomou um copo de café e saiu. Sozinha, ainda escuro no semáforo, pensou e resolveu que mais tarde telefonaria para sua avó e dava um fim naquele sofrimento. Sabia que iria enfrentar a fúria de seus pais, mas, em comparação ao que esteva passando, seria bem melhor, até porque, teria a sua avó para defendê-la. O que ela não sabia era que o seu protetor, desconfiado que estivesse ficando com parte do dinheiro arrecadado para dar para alguém, resolveu que naquele dia, por ser sábado e o movimento fraco, não poderia dividir a arrecadação. Foi vigiá-la.
     Trocou de roupa, colocou um chapéu e ficou a espreita.
     O dia amanheceu com o céu cinzento e muito frio. O movimento de carros era pequeno. Carol mal agasalhada sentia muito frio. Por volta das dez horas, foi ao Bar da esquina, tomar um café bem quente e aproveitaria para telefonar para sua avó. O Velho da Rua a viu dirigir-se ao Bar e a seguiu, sem ser notado. Carol pediu uma média e ao acabar foi ao Telefone.
     Discou para sua avó, ouviu a Janete dizer, alô, alô e sentiu um tapa no rosto e o telefone ser arrancado  de sua mão. Era o Velho da Rua que estava a sua frente. O ato foi tão rápido que as poucas pessoas que se encontravam no recinto não notaram, ou não quiseram tomar conhecimento do drama e o sofrimento daquela menina moradora da rua, grávida e sendo espancada e maltratada por, também, um morador da rua.
     O sofrimento de Carol não terminara ali. Foi levada aos empurrões para o beco fétido onde era a sua morada, juntamente com outros mendigos. Lá chegando, o seu algoz reiniciou as ameaças.
     - Já lhe falei que o seu mundo é este da rua e que estava proibida de falar com qualquer pessoa do nosso meio, muito menos do outro mundo, inclusive por telefone. Estava telefonando para o seu parceiro vir pegar o meu dinheiro? Era só o que faltava dar o meu dinheiro para os amantes. Ou está pagando para transar com você? Com esta barriga só mesmo pagando. Quando você tiver esse filho, ai sim, será mais fácil arrumar alguém para transar e eu tomarei conta deste negócio. Vamos faturar bem e você não precisará pedir esmolas. O negócio será outro, bem mais lucrativo e prazeroso. Até lá terá que fazer o que eu quiser e mandar. Está, terminantemente, proibida de falar com alguém sem o meu consentimento. Esqueça que existe telefone. Já me viu usar Telefone? Quando caímos na rua, os nossos parentes e amigos morreram. Para quem estava telefonando?
     Estava tão desesperada, com fome e frio que ao ver o telefone me deu vontade de discar um número qualquer e pedir ajuda. Comida, roupa para mim e meu filho que vai nascer, sei lá, foi puro desespero. Estava com muita fome e frio.
     - Não acredito neste papo furado, mas para não me aborrecer mais, vou fazer que acredito. Porém, quero deixar bem claro, isto nunca mais deve repetir se não, você vai se arrepender de ter nascido. Vou arrancar esse bastardo de sua barriga à pancada. E tem outra coisa, se quiser comer, volte para o seu ponto e a noite traga bastante dinheiro, para cobrir o dia de hoje e de ontem.
     Carol, chorando, foi para o semáforo sabendo que estava sendo vigiada.
     Na casa de D. Beatriz, o telefone de Carol trouxe mais preocupação e dúvidas.
     - Janete quem ligou?
     - Não sei, atendi e não falaram. Dava para ouvir vozes e choro, mas logo desligaram.

CONTINUAÇÃO

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