102
O cristão e o mundo
“Primeiro a erva, depois a espiga e, por último, o grão
cheio na espiga.” – Jesus. (Marcos, 4:28.)
Ninguém julgue fácil a aquisição de um título referente à
elevação espiritual. O Mestre recorreu sabiamente aos símbolos vivos da
Natureza, favorecendo-nos a compreensão.
A erva está longe da espiga, como a espiga permanece distanciada
dos grãos maduros.
Nesse capítulo, o mais forte adversário da alma que deseja
seguir o Salvador, é o próprio mundo.
Quando o homem comum descansa nas vulgaridades e inutilidades
da existência terrestre, ninguém lhe examina os passos. Suas atitudes não
interessam a quem quer que seja. Todavia, em lhe surgindo no coração a erva
tenra da fé retificadora, sua vida passa a constituir objeto de curiosidade
para a multidão. Milhares de olhos, que o não viram quando desviado na
ignorância e na indiferença, seguem-lhe, agora, os gestos mínimos com acentuada
vigilância. O pobre aspirante ao título de discípulo do Senhor ainda não passa
de folhagem promissora e já lhe reclamam espigas das obras celestes;
conserva-se ainda longe da primeira penugem das asas espirituais e já se lhe
exigem vôos supremos sobre as misérias humanas.
Muitos aprendizes desanimam e voltam para o lodo, onde os
companheiros não os vejam.
Esquece-se o mundo de que essas almas ansiosas ainda se acham
nas primeiras esperanças e, por isso mesmo, em disputas mais ásperas por
rebentar o casulo das paixões inferiores na aspiração de subir; dentro da velha
ignorância, que lhe é característica, a multidão só entende o homem na
animalidade em que se compraz ou, então, se o companheiro pretende elevar-se,
lhe exige, de pronto, credenciais positivas do céu, olvidando que ninguém pode
trair o tempo ou enganar o espírito de seqüência da Natureza. Resta ao cristão
cultivar seus propósitos sublimes e ouvir o Mestre: Primeiro a erva, depois a
espiga e, por último, o grão cheio na espiga.
103
Estima do mundo
“Se chamaram Belzebu ao pai de família, quanto mais aos
seus domésticos?” – Jesus. (Mateus, 10:25.)
Muitos discípulos do Evangelho existem, ciosos de suas predileções
e pontos de vista, no campo individual.
Falsas concepções ensombram-lhes o olhar.
Quase sempre se inquietam pelo reconhecimento público das
virtudes que lhes exornam o caráter, guardam o secreto propósito de obter a
admiração de todos e sentem-se prejudicados se as autoridades transitórias do
mundo não lhes conferem apreço.
Agem esquecidos de que o Reino de Deus não vem com aparência
exterior; não percebem que, por enquanto, somente os vultos destacados, nas
vanguardas financeiras ou políticas, arvoram-se em detentores de prerrogativas
terrestres, senhores quase absolutos das homenagens pessoais e dos necrológios
brilhantes.
Os filhos do Reino Divino sobressaem raramente e, de modo
geral, enchem o mundo de benefícios sem que o homem os veja, à feição do que
ocorre com o próprio Pai.
Se Jesus foi chamado feiticeiro, crucificado como malfeitor e
arrebatado de sua amorosa missão para o madeiro afrontoso, que não devem
esperar seus aprendizes sinceros, quando verdadeiramente devotados à sua causa?
O discípulo não pode ignorar que a permanência na Terra
decorre da necessidade de trabalho proveitoso e não do uso de vantagens
efêmeras que, em muitos casos, lhe anulariam a capacidade de servir. Se a força
humana torturou o Cristo, não deixará de torturá-lo também. É ilógico disputar
a estima de um mundo que, mais tarde, será compelido a regenerar-se para obter
a redenção.
104
A espada simbólica
“Não cuideis que vim trazer a paz à Terra; não vim
trazer a paz, mas a espada.” – Jesus. (Mateus, 10:34.)
Inúmeros leitores do Evangelho perturbam-se ante essas afirmativas
do Mestre Divino, porquanto o conceito de paz, entre os homens, desde muitos
séculos foi visceralmente viciado. Na expressão comum, ter paz significa haver
atingido garantias exteriores, dentro das quais possa o corpo vegetar sem
cuidados, rodeando-se o homem de servidores, apodrecendo na ociosidade e
ausentando-se dos movimentos da vida.
Jesus não poderia endossar tranqüilidade desse jaez e, em
contraposição ao falso princípio estabelecido no mundo, trouxe consigo a luta
regeneradora, a espada simbólica do conhecimento interior pela revelação divina,
a fim de que o homem inicie a batalha do aperfeiçoamento em si mesmo. O Mestre
veio instalar o combate da redenção sobre a Terra. Desde o seu ensinamento
primeiro, foi formada a frente da batalha sem sangue, destinada à iluminação do
caminho humano. E Ele mesmo foi o primeiro a inaugurar o testemunho pelos
sacrifícios supremos.
Há quase vinte séculos vive a Terra sob esses impulsos renovadores,
e ai daqueles que dormem, estranhos ao processo santificante!
Buscar a mentirosa paz da ociosidade é desviar-se da luz, fugindo
à vida e precipitando a morte. No entanto, Jesus é também chamado o Príncipe da
Paz.
Sim, na verdade o Cristo trouxe ao mundo a espada renovadora
da guerra contra o mal, constituindo em si mesmo a divina fonte de repouso aos
corações que se unem ao seu amor; esses, nas mais perigosas situações da Terra,
encontram, nEle, a serenidade inalterável. É que Jesus começou o combate de
salvação para a Humanidade, representando, ao mesmo tempo, o sustentáculo da
paz sublime para todos os homens bons e sinceros.
CONTINÚA AMANHÃ
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