quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Seis dias sobre o acidente que levara Nogueira à desencarnação.
Amanhecia, quando pisamos nas areias do Flamengo, reconduzindo-o ao lar.
Certificamo-nos de que o amigo se reiniciava confiante. De propósito, atravessamos com ele a pista de asfalto, no sítio em que tombara; no entanto, não fez o mínimo apontamento, com relação ao desastre. Apoiando-se em Percília, junto de mim, penetrou em casa, acolhido por Moreira que nos precedera, cauteloso. Demandou o aposento em que se instalara, observando que os filhos conservavam-no intacto. Sentou-se no leito a refletir.
O despertador anunciou as seis horas, quando Marina se ergueu.
Isolou-se no banheiro por instantes, preparou-se e, antes de se entender com Dona Justa, sobre o lanche matinal do marido, penetrou no recinto em que nos achávamos e, em pensamento, dirigiu-se a Jesus, rogando-lhe abençoasse o genitor desencarnado, onde estivesse. Enlevados, ouvimo-la, palavra a palavra, no clima dos pensamentos harmônicos em que nos entrelaçávamos, conquanto a jovem senhora exorasse o amparo do Senhor em silêncio.
Levantou-se Cláudio, abeirou-se dela. Ao tocá-la, fremente de júbilo, percebeu que a filha trazia no corpo e na alma a doce presença de Marita nascitura... Deu um passo à retaguarda, parecendo-nos receoso. Temia conspurcar a excelsitude do quadro sublime que o defrontava. Figurou-se-lhe Marina uma planta luminosa, modelada na carne, encerrando uma flor quase a desabrochar.
A idéia de Cláudio relampeou na oração. Suplicava a Deus não lhe permitisse alçar caprichos acima de obrigações... Em seguida, reaproximou-se dela, abraçou-a brandamente e apelou: – Minha filha!... Minha filha!... que é feito de Nemésio? Procuremos Nemésio! É preciso ampará-lo!... Ampará-lo!...

A moça, expectante, não assinalou a advertência com os sentidos físicos, mas, sem que pudesse explicar a si mesma a razão disso, rememorou a solicitação paterna de última hora... Nemésio, sim... – concluiu mentalmente. Ela e o esposo tinham recebido notícias ao telefone, principalmente da parte de Olímpia. O médico da família procurara Gilberto no banco. As informações eram alarmantes; entretanto, hesitavam... Ela, sobretudo, angustiava-se ao imaginar-se no reencontro. Comentava-se, porém, que o sogro jazia enfermo, em estado grave... Rearticulou, na memória, a rogativa de Cláudio, ao partir, e decidiu-se em espírito. Olvidaria o passado e ajudaria o doente no que lhe fosse possível. Inclinaria Gilberto à reconciliação. Não adiariam por mais tempo a visita.
Os compromissos caseiros, no entanto, povoavam-lhe a mente e afastou-se, conservando, todavia, na forma de intenção consolidada, o pedido que Nogueira lhe insuflara.
Ao café, sugeriu ao esposo as primeiras medidas atinentes ao caso. Cláudio que observava, atento, entrou, direto, em serviço.
Alimentou as disposições favoráveis do casal. Que não recuassem.
Atendessem. Nemésio era também pai. Marina propunha,
Gilberto ponderava. Por fim, o marido concordou. Telefonaria do banco, sondando o médico. Se a doença fosse mesmo grave, embora os constrangimentos da companheira, na gravidez avançada, tomariam táxi à noite, para vê-lo.
Deixando Percília, Cláudio e Moreira entregues à atividade, busquei a vivenda dos Torres, no encalço de Nemésio, que eu não mais vira, desde o trágico instante do carro em disparada.
Entrei.
Silêncio vazio nas peças principais.
Espantado, procurei-lhe o quarto, o quarto espaçoso em que lhe conhecera a esposa doente. Junto dele, hemiplégico e afásico no leito, apenas Amaro, o fiel amigo espiritual que velara por Dona Beatriz.
Mobilizei compreensão e resistência para não sensibilizar-me em demasia, prejudicando, ao invés de auxiliar.
Perplexo, ouvi do enfermeiro o resumo da tragédia em que se envolvera aquele homem, dantes tão bajulado e tão rico.
Cedendo à paixão que lhe empolgava os sentidos e excitado pelos obsessores que o abandonaram tão logo lhe viram o corpo arruinado e inútil, Torres pai se decidira a exterminar Marina e suicidar-se em seguida. Ao praticar o crime, porém, verificou que atropelara Nogueira e não a filha, entrando em desespero e esse desespero lhe cresceu tanto no espírito que o corpo doente não resistira. Sobreviera o derrame. Ele, Amaro, avisado por amigos, fora encontrá-lo semiparalítico e sem fala, no automóvel, parado longe do local em que se desenrolara o delito. Parecia prestes a desencarnar, mas Félix aparecera de improviso e requisitara o apoio de todos os órgãos espirituais de assistência, situados nas imediações, acumulando fatores de intervenção em favor dele.
Orara, suplicando aos Poderes Divinos não lhe permitissem a saída do plano físico sem aproveitar o benefício da enfermidade no veículo carnal, que se desarranjara sem probabilidades de conserto. O diretor do “Almas Irmãs” advogara para ele as vantagens da dor, que reputava santas, e o processo desencarnatório tinha sido imediatamente sustado. Quem era ele, Amaro, para
censurar as decisões do irmão Félix – alegava o amigo, confidencioso –; no entanto, indagava a si mesmo se valia continuar um homem ativo e inteligente, qual Nemésio, atado a um corpo desajustado assim... Desde a intercessão de Félix, o velho Torres era aquilo que eu via, um farrapo de gente, largado à cama A casa fora devassada pelos credores e empregados desonestos haviam fugido carregando copioso fruto de saque. Baixelas, pratarias, cristais, porcelanas, roupas, telas, pequenos tesouros dos ascendentes

CONTINUA AMANHÃ

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