sábado, 8 de dezembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

próprio pai, que Gilberto se modificou, perante aquela brandura inesperada. Supunha ouvir um outro Nogueira, mais velho, mais amigo... Emocionado, agradeceu e chegou a pedir-lhe não o abandonasse.
   Verificava-se agora sozinho. O genitor era bom, generoso, mas homem de negócios. Cabeça cheia. Sentia necessidade de alguém que o inspirasse, que lhe estendesse as mãos. Estimaria encontrá-lo, ouvi-lo mais vezes.
       Percebeu que Cláudio lhe falava em tom de lágrimas, agradecendo-lhe o apreço. Aquilo como que lhe insuflava confiança nova naquele homem com quem se entendera, dias antes, mas de modo imperfeito.
    Nogueira, submisso, consultou acerca de Márcia. Provavelmente que, em se afastando para Petrópolis, a esposa lhe teria deixado o telefone. Gilberto confirmou. Dona Márcia, ao viajar, solicitara-lhe atenção para Marina. Se a menina piorasse, que fizesse o obséquio de chamá-la, incontinenti. E ao expressar-lhe semelhante recomendação, declarara que lhe passava a incumbência e não ao marido, por sabê-lo ocupado no hospital.   
      De posse das informações, Cláudio agradeceu de novo e repôs o fone no gancho. Em seguida, confiou-se à meditação. Pelo tom da conversa, o rapaz se alterara de todo. Em tudo o que expusera, media as frases. Cerimonioso, desencantado. E que teria desejado dizer com aquelas duas palavras certas coisas? Ele, Nogueira, sentia-se renovado; entretanto, a experiência do pretérito
constituía-lhe o fundo da grande transformação. Não ignorava que a filha se arriscava a dualidade perigosa, na aventura afetiva.
    Convencia-se de que algo de muito grave teria ocorrido. Era bastante maduro para não desconfiar de que pai ou filho houvesse apanhado algum flagrante desagradável. Deduzia que a jovem baqueara, caindo em abatimento, como quem achara nisso a deserção de si mesma. Pensou nela e compadeceu-se. Afinal, não se fizera crente para censurar. Aspirava a compreender, servir. Sabia agora que a obsessão provocava tragédias. E ele mesmo, que nunca auxiliara a filha, na edificação da vida íntima, não podia queixar-se. Cismou, cismou e, depois das dez, chamou a esposa.
        Dona Márcia respondeu.
       Interpelada, comunicou estar descansando, junto de pessoas amigas. Ciente da morte de Marita, confessou-se aliviada. Não a desejava sobrevivendo ao desastre, deformada como a vira. Alinhou comentários desairosos, fez chiste.
     Pela inflexão com que se manifestava, o esposo reconheceu-a num dos dias mais infelizes. Sarcasmo em cada sílaba. Irritação à mostra.
        Cláudio apequenou-se, rogou desculpas. Não queria interromper-lhe a excursão. Não conseguia, porém, sossegar-se quanto à filha doente. Se possível, ensinasse a ele o melhor caminho de visitá-la com urgência. Solicitava-lhe o nome dos médicos amigos.
         Esperava colher-lhes a opinião.
         A palavra dele deslizava tão mansamente no fio que a interlocutora mudou de jeito. Amaciou-se. Informou que precisava completar informações com amigas, que ele, Cláudio, aguardasse um minutinho.
         Transcorridos instantes breves, voltou participando que viria ao Rio, na manhã seguinte, a fim de conversarem. Guardava “certos assuntos” para tratar com ele, mas preferia falar-lhe de boca a boca. Que ele a esperasse no Flamengo. Chegaria cedo, de automóvel, apenas com o objetivo de vê-lo e retornar ao hotel serrano em que repousava.
Efetivamente, no dia imediato, antes das nove da manhã, logo após entender-se com Dona Justa, em matéria caseira, viu-se o bancário defrontado pela esposa.
    Dona Márcia parecia regressar de outro país. Adereçada, sorridente.
         Os cabelos em penteado excêntrico realçavam-lhe a graça, remoçando-a inteiramente. Harmonizava-se a maquilagem com o róseo do vestido novo. O porte se lhe erguia nos sapatos de salto alto, com a esbelteza da cegonha jovem, quando caminha descuidada em campo livre. Exibia cores, desfilava perfumes.
          Contudo, a flor humana em que se metamorfoseara não escondia para nós as larvas que a carcomiam. Jazia Dona Márcia assessorada por pequena corte de vampirizadores desencarnados que lhe alteravam a cabeça.
        Mesmo à nossa frente, que nos acostumáramos a identificá-la por matrona difícil, mas ajustada ao lugar que as conveniências lhe indicavam, surgia quase irreconhecível.
           Metalizara-se-lhe a voz, o olhar fizera-se mais frio.
De entrada, cumprimentou o marido e Dona Justa com ademanes de protetora complacente.
         Assustou-se Nogueira. Não compreendia. Padeciam em casa a provação de uma filha morta e outra enferma... Por outro lado, Márcia, pelo fio, anunciara-se esfalfada. De que maneira se amoldava a uma excursão, assim festiva? Instintivamente, recordou Gilberto preocupado com “certas coisas” e a própria esposa prometendo-lhe “certos assuntos” e, apreensivo, perguntava-se que sucessos ocultos se lhe vedavam ao coração...
       A recém-chegada sentou-se, cruzando as pernas com desenvoltura juvenil, e, sem mais aquela, reportou-se à pressa que trazia.
          Nogueira indagou por Marina.
          Dona Márcia, evidentemente interessada em outros problemas, sintetizou, quanto pôde, a história da enfermidade, indicou o psiquiatra que respondia pelo caso, aludiu ao conforto de que a filha se rodeava na casa de saúde e exalçou a generosidade do senhor Torres, que não calculava sacrifícios para que lhe sobejasse assistência. Comentou largamente a nobreza do viúvo de Dona

CONTINUA AMANHÃ

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