quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

visando ao expurgo dos erros e aversões recíprocas que carregavam de remoto passado, era de todo indispensável que a reencarnante dormisse para o renascimento físico, sob a impressão de euforia perfeita.
Aceitando a lógica das explicações, fui avisado, dias transcorridos sobre a conversa, quanto à data escolhida para a excursão.
No instante aprazado, participou-me Félix não só o envio de dois companheiros, incumbidos da preparação de ambiente junto ao filho de Beatriz, como também cientificou-me de que se valia do ensejo em andamento, por sabê-lo em estudos, à noite, na intimidade de vários colegas, numa residência da Glória, com vistas a concurso próximo para a efetivação no cargo que exercia
no banco.
Efetivamente, partimos com Marita, calculando o tempo necessário para encontrá-lo fora de casa, prevendo-se o término das tarefas noturnas para depois de zero hora, segundo notificações recebidas.
Cumpriu-se o programa com diminutas diferenças de horário.
Estimulávamos os júbilos de Marita, que descia conosco sobre a Guanabara feérica. De longe, os contrastes de luz, entre o morro do Leme e o casario da Urca, mais além, a praia de Botafogo...
Mais alguns instantes, a Avenida Beira Mar, diante de nós...
Tocando o chão do Flamengo, a moça multiplicava interjeições de alegria, revendo a cidade que lhe senhoreava a ternura.
Parados, diante das águas remansosas, assimilando energias nutrientes da Natureza, fomos inteirados pelos batedores amigos de que Gilberto descera de carro particular em esquina adjacente.
Sem delonga, conduzimos a jovem ao ponto indicado, e, ao identificá-lo, embriagada de ventura, chamou, ansiosa: – Gilberto!... Gilberto!...

O interpelado não lhe registrou a voz com os tímpanos carnais; no entanto, assinalou-lhe a presença em forma de lembrança.
Recordou, de inopino, aquela que ainda supunha como sendo pupila de Cláudio e tomou direção oposta à que seguiria, parando, além, a fim de refletir e contemplar a bala prateada de lua... Sim, ali, naquelas areias, jurara-lhe amor eterno, planeara o futuro...
Meu Deus! – pensou – como a vida mudara!...
Enlaçado pela jovem desencarnada, desentranhava-lhe a imagem do pensamento, enxugando os olhos...
Félix, contudo, apartou-a brandamente e perguntou-lhe o que mais desejava.
– Viver com ele e para ele!...
A resposta alcançava-nos como um grito de esperança, rebuçado em soluços.
O instrutor, que não aguardava outra coisa, dirigindo-se a ela de modo paternal, ponderou a conveniência de tornarmos ao domicílio. Empenhar-se-ia por assegurar-lhe o regresso. Que se acalmasse. Retomaria a convivência e a dedicação de Gilberto.
Não aconselhava, porém, se lhe dilatasse o arrebatamento, nocivo a ambos, mesmo porque, muito em breve, estariam juntos.
A menina obedeceu, mas pousou sobre nós os olhos molhados, indagadores. Percebi-lhe no espírito os reflexos de Márcia e Marina; todavia, afastou-lhes a figura do pensamento e inquiriu se lhe era facultado rever Cláudio, acentuando que o pai lhe fora o derradeiro amigo, nas angústias do adeus...
O orientador anuiu, contente.
Mais quinhentos metros de espaço e atingimos o apartamento, acolhidos à entrada por Moreira, vígil. O enfermeiro reconheceu Marita, sob emoção forte, mas eclipsou-se a um aceno de Félix, que desejava poupá-la a divagações.

Atormentada, tremente, a moça, assistida por nós, penetrou no aposento paterno e, oh surpresa! Nogueira, em espírito, rente ao corpo que ressonava de manso, como que lhe aguardava a presença, pois estendeu-lhe os braços e gritou, misturando enlevo e regozijo, na exaltação que passou a comandar-lhe todas as forças:
– Minha filha!... minha filha!...
A jovem rememorou os quadros que imaginara no hospital, o suplício das horas lentas, as preces que lhe amenizavam as amarguras,
a invariável devoção daquele pai que se lhe redimira no conceito à custa de sofrimento, e ajoelhou-se, diante dele, procurando- lhe o regaço, como quando em criança.
Cláudio, perplexo, não nos via, concentrava-se totalmente na visão a exercer sobre ele inigualável fascínio. Afagou com a destra hesitante aqueles cabelos desnastrados que tanta vez alisara, na instituição dos acidentados, e relembrou Marita, nas atitudes da infância, quando vinha da escola, e indagou: – Filha do meu coração, por que choras?
A recém-chegada endereçou-lhe um gesto súplice e rogou: – Papai, não se aflija!... Estou feliz, mas quero Gilberto, quero voltar para a Terra!... Quero viver no Rio com o senhor, outra vez!...
Patenteando carinho imáculo, Nogueira conservou-a sob as mãos que tremiam de júbilo e, levantando o olhar para o teto, com a ânsia de quem se propunha romper o monte de alvenaria para dirigir-se a Jesus, diante do firmamento, clamou em lágrimas: – Senhor, esta é a filha querida que me ensinaste a amar com pureza!... Ela quer retornar ao mundo, para junto de nós!... Mestre, dá-lhe, com a tua infinita bondade, uma nova existência, um corpo novo!... Senhor, tu sabes que ela perdeu os sonhos de criança por minha causa... Se é possível, amado Jesus, permite agora que lhe dê minha vida! Senhor, deixa que eu ofereça à filha de minha alma tudo o que eu tenho! Oh! Jesus, Jesus!... Félix considerou que a emotividade excessiva poderia abatê-lo e recolheu Marita nos braços, recomendando que me atrasasse, no sentido de auxiliá-lo a reaver o envoltório físico enlanguescido.
Retirou-se o instrutor carregando a menina paternalmente, ao passo que Moreira e eu investíamos Cláudio sobre a máquina orgânica em movimento de impulsão. Depois de passe reconfortante, Nogueira acordou em choro convulso, guardando na memória todos os detalhes da ocorrência.
Daí a instantes, ouvimos passos na sala.
Gilberto entrava, de leve. O sogro intentou aprumar-se e
chamá-lo para narrar o acontecido; entretanto, assimilou-nos a exortação ao silêncio, para colaborar com o futuro...
Sim – concordou, qual se estivesse conversando consigo
mesmo –, a verdade da vida não deve brilhar para a maioria dos homens, senão por intermédio de sonhos vagos, para não confundir-lhes o raciocínio nascituro, assim como o Universo de Deus não pode fulgir para as criaturas da Terra, senão em forma de estrelas, semelhantes a pingos de luz nas trevas, de modo a lhes não arrasar a pequenez...
Entretanto, a certeza de que Marita retornaria ao mundo, reencarnada, iluminava-lhe o pensamento e aquecia-lhe o coração.

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: