terça-feira, 25 de dezembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Afrouxou-se-lhe o braço antes reteso e, escutando os sarcasmos de Nemésio que se retirava, truculento, constrangido por pessoas que clamavam em alta voz pela intervenção da rádiopatrulha, o marido de Dona Márcia, encostado à parede, sob os olhares de simpatia de todo o auditório, não se acanhava de libertar o pranto amargo e espesso a pingar-lhe do queixo escanhoado.
O gerente assomou à cena, quando o autor das bofetadas ganhava o meio-fio, e indagou pela causa do tumulto.
Um funcionário emocionado apontou para o colega ofendido, falou no espancamento e aduziu: – Decerto, não reagiu porque ele hoje é religioso, é espírita...
O chefe comoveu-se. Desejando desfazer o clima geral de indignação, inquiriu, à porta: – Quem é esse brutamontes de jaula?
Velhinha que esperava atendimento, de caderneta à mão, informou: – Conheço. É Nemésio Torres, proprietário de lotes e mais lotes... – Tubarão! – comentou o recém-chegado com inflexão de menosprezo –, onde pensa que estamos?
E relanceando o olhar pelos clientes embasbacados, protestou: – Gente, nós estamos no Rio!... no Rio!... Como é que vocês soltam um criminoso desses? um caso assim, é polícia, corda, cavalaria, cadeia...
Esbarrou, porém, com Cláudio imóvel e, recompondo-se, abraçou-o para acabar conduzindo-o a saleta distante. Aí, ouviu do subordinado a história da filha e do rapaz que lhe fora apresentado na véspera. Entre revoltado e condoído, autorizou o ingresso do moço no serviço, acrescentando que lhe faria os possíveis vencimentos até que lhe vissem a situação devidamente legalizada.
Na reta final para o casamento, Gilberto conseguiu empregar-se, estimado de todos.
Nemésio, contudo, acabrunhado e desgostoso, convidou Márcia para uma excursão de seis meses em países da Europa. Atravessariam Portugal e Espanha, França e Itália, com alguma demora na Suíça. Declarava-se infelicitado pelo destino, desde a morte de Beatriz. Caipora. Malogrado. Anelava mudança, refazimento.
A senhora Nogueira, que cortara os telefonemas para a família, desde Petrópolis, deu-se pressa em comunicar o acontecimento à filha, através de um cartão. Confessava-se esperançosa, encantada.
Seguiria juntamente daquele a quem não trepidava em
designar por “futuro esposo” e prometia enviar notícias de cada cidade que visitassem.
Marina recolheu a mensagem com discrição, sem que o pai e o noivo soubessem de semelhantes férias, a não ser indiretamente pela boca de amigos.
A ausência do par traçou, para o trio, bendito parêntese, recheado de alegria e sossego, de ponta a ponta.
O apartamento do Flamengo convertera-se em colméia de paz e luz. E enquanto Moreira resguardava Marina com fidelidade incondicional, retomei estudos e experiências, junto de Félix, embora acompanhando com afetuoso interesse os amigos do Rio, a se prepararem, contentes, para o enlace feliz.
A união esponsalícia de Gilberto e Marina realizou-se precisamente no último dia do ano que se seguiu à desencarnação de Marita. Solenidade marcada por flores e orações, abraços e promessas.
A ventura do novo casal atingiu-nos, igualmente, no “Almas Irmãs”, onde pequena equipe de companheiros se reuniu em prece pela segurança dos nubentes que se entregavam a novas responsabilidades e novas lutas.
Destaquei, no entanto, com desagrado, a ausência da filha de Aracélia. A própria Beatriz compartilhara os júbilos votivos, conquanto desconhecesse completamente o que sucedia, com referência ao esposo.
Félix, porém, ao registrar-me a estranheza, quanto àquilo que eu imaginava como sendo preterição, elucidou que a menina, prestes a regressar para as lides terrenas, demandava cautelas especiais. E prosseguiu aclarando que obtivera permissão para que o processo regenerador do conjunto Nogueira-Torres fosse remodelado. Marita não lograra desposar Gilberto, por influência da irmã; contudo, voltaria a viver entre os dois, na condição de filha, para que a fração de tempo, concedida ao grupo para a existência em comum, no plano físico, viesse a ser aproveitada nos recursos possíveis, sempre valiosos, por mínimos que fossem. Indiscutivelmente, não se tratava de reencarnação organizada a rigor e nem compulsória, por motivos judiciais. Medida, entretanto, de caráter premente que ela seria impelida a aceitar, em favor de si mesma. Para esse fim, ela reveria o Rio, oportunamente, junto de nós, pela primeira vez, depois de quase onze meses de internação em parque de repouso, onde vivera apenas de saudade e recordação, para efeito indutivo. Abraçaria tão-só os que quisesse, atenderia exclusivamente a própria vontade, para que se lhe avantajasse o impulso de voltar. Compreendendo-se que Gilberto lhe constituiria o tema central das compensações emotivas, sublinhava Félix que todos os nossos cuidados, na ocasião, se concentrariam nele. Seria necessário que Marita o surpreendesse a sós, ignorando-lhe o matrimônio, porquanto os ressentimentos hauridos da convivência com a irmã ainda lhe doíam na memória, quais chagas entreabertas. E, entendendo-se que ambas se reencontrariam, mais tarde, por mãe e filha, em conflito vibratório,

CONTINUA AMANHÃ

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