espírito, com a versão caridosa de que necessitava para reconstituir o caminho.
Em lágrimas de alegria, osculou-lhe as mãos e agradeceu-lhe em palavras quentes de carinho filial. Entendia, sim – comentou –, que o pai, não obstante bondoso, teria obedecido a sugestões de despeito, a fim de apartá-lo da escolhida. Procuraria Marina, prometia olvidar o passado, de modo a não ferir a dignidade maternal com que ela, Dona Márcia, lhe patenteara a nobreza de sentimentos, torturada qual se achava entre a paixão de companheira e o devotamento de mãe. Informou que, na tarde daquele dia, estivera com Marina. Notara-lhe a sinceridade e a tristeza.
Fora rude com ela, espezinhara-lhe o coração, mas voaria naquela mesma hora para o Flamengo e fariam as pazes. Quanto ao futuro, não tinha motivos para incompatibilizar-se com Cláudio; entretanto, já que o desquite se fazia iminente, envidaria todos os esforços para que o genitor e Dona Márcia se consorciassem num país onde o divórcio merecesse aprovação legal.
Da entrevista ao telefone e do telefone a novo encontro com Marina, foi para Gilberto questão de minutos.
Perante os jovens reunidos, Nogueira enlevou-se, regozijando-se em preces de reconhecimento.
Moreira e eu expedimos informações para o irmão Félix, que veio, na noite do dia seguinte, compartilhar-nos as orações de alegria.
Depois de abraçar Cláudio e os dois namorados que demandavam Copacabana, à busca do convívio de Salomão, o benfeitor rumou para a Lapa, em nossa companhia.
Márcia, recostada num divã, fumava cismando, na expectativada chegada de Nemésio para jantarem na Cinelândia, com um filme subseqüente, mas Félix, magnânimo como sempre, acercou-se dela, ignorando as baforadas, e beijou-lhe a fronte, mostrando lágrimas...
Não dispúnhamos de estatura espiritual para auscultar-lhe os pensamentos sublimes. Observamos apenas que ele a contemplou, enlevado, como quem lhe agradecia a inesperada abnegação, e murmurou, ao despedir-se: – Louvado seja Deus!
Do dia imediato em diante, azedou-se o intercâmbio entre pai e filho. Nemésio, intrigado; Gilberto, arredio. E, decorridas algumas semanas, ao inteirar-se de que o rapaz e a menina Nogueira passeavam de relações reatadas, o negociante viajou para o sul, em companhia de Márcia, no intuito de situar o filho junto de antigos camaradas de juventude, residentes em Porto Alegre. Por
lá se deteve o par, semanas e semanas, trazendo, na volta, expressivo programa de serviço e de estudo que Gilberto, convidado pelo genitor a entendimento, recusou, cortês, desistindo das vantagens
que lhe eram oferecidas.
Presenciando-lhes o diálogo em ambiente fechado, consignamos a respeitosa ternura com que o jovem se dirigiu ao genitor, implorando-lhe auxílio. Tivesse a bondade de não transferi-lo, que o deixasse no Rio. Rogava desculpas se o magoava, mas reconhecia-se em maioridade e aspirava ao casamento com Marina, de quem se reaproximara. Desde cedo, acostumara-se a trabalhar com o pai, a colaborar com ele, na imobiliária. Aguardava-lhe, por isso, a proteção.
Nemésio ouvia, ressentido, revoltado. Marina reconquistada pelo filho significava para ele bancarrota moral insuportável.
Nunca a amara tanto, quanto naquela hora em que se lhe esvaiam as esperanças. Entrevia-se calcado, vencido. A pouco e pouco se desinteressara de Márcia, conquanto a conservasse. Marina significava-lhe mocidade, euforia, entusiasmo, improvisação. Justamente quando ruminava desígnios de recuperar-lhe o carinho, adiantava-se o filho, frustrando-lhe os projetos.
Certificando-se de que Gilberto concluíra, vibrou rude golpe na mesa com uma régua pesada e, enceguecido pela cólera que o envolvia por juba de fogo, esbravejou: – Nunca!... Você nunca se casará com essa...
E multiplicou pejorativos e desaforos que o moço agüentou, estonteado e ferido. Mesmo assim, depois da tirada de injúrias, retorquindo aos apelos e intimações de última instância, assegurou que saberia tolerar todas as conseqüências, mas não renunciaria ao compromisso que assumira consigo próprio.
O genitor, possesso, entregou-se às vias de fato, esmurrandolhe o rosto.
Gilberto rodou nos calcanhares e tombou no piso, para reerguer-se e cair de novo sob pancadaria grossa, até que Nemésio, semelhando fera solta, infligiu-lhe tremendo chute, vociferando: – Rua, miserável!... Rua, rua!... Suma daqui! Não me apareça mais!...
Acompanhamos o menino atônito, que alcançou a via pública tentando estancar com o lenço um filete de sangue a escorrer-lhe num dos cantos da boca.
Daí a quarenta minutos, um ônibus despejava-nos no Flamengo.
Os Nogueiras terminavam o almoço e, antes de rumar para o banco, Cláudio recolheu, junto da filha, o relatório doloroso.
O trio machucado entendia perfeitamente a gravidade da situação. Nogueira, porém, ofereceu-se para ajudar. Diligenciaria obter para Gilberto um emprego no estabelecimento de crédito em que trabalhava. Considerava o dirigente por amigo. Solicitar-lhe-ia
Em lágrimas de alegria, osculou-lhe as mãos e agradeceu-lhe em palavras quentes de carinho filial. Entendia, sim – comentou –, que o pai, não obstante bondoso, teria obedecido a sugestões de despeito, a fim de apartá-lo da escolhida. Procuraria Marina, prometia olvidar o passado, de modo a não ferir a dignidade maternal com que ela, Dona Márcia, lhe patenteara a nobreza de sentimentos, torturada qual se achava entre a paixão de companheira e o devotamento de mãe. Informou que, na tarde daquele dia, estivera com Marina. Notara-lhe a sinceridade e a tristeza.
Fora rude com ela, espezinhara-lhe o coração, mas voaria naquela mesma hora para o Flamengo e fariam as pazes. Quanto ao futuro, não tinha motivos para incompatibilizar-se com Cláudio; entretanto, já que o desquite se fazia iminente, envidaria todos os esforços para que o genitor e Dona Márcia se consorciassem num país onde o divórcio merecesse aprovação legal.
Da entrevista ao telefone e do telefone a novo encontro com Marina, foi para Gilberto questão de minutos.
Perante os jovens reunidos, Nogueira enlevou-se, regozijando-se em preces de reconhecimento.
Moreira e eu expedimos informações para o irmão Félix, que veio, na noite do dia seguinte, compartilhar-nos as orações de alegria.
Depois de abraçar Cláudio e os dois namorados que demandavam Copacabana, à busca do convívio de Salomão, o benfeitor rumou para a Lapa, em nossa companhia.
Márcia, recostada num divã, fumava cismando, na expectativada chegada de Nemésio para jantarem na Cinelândia, com um filme subseqüente, mas Félix, magnânimo como sempre, acercou-se dela, ignorando as baforadas, e beijou-lhe a fronte, mostrando lágrimas...
Não dispúnhamos de estatura espiritual para auscultar-lhe os pensamentos sublimes. Observamos apenas que ele a contemplou, enlevado, como quem lhe agradecia a inesperada abnegação, e murmurou, ao despedir-se: – Louvado seja Deus!
Do dia imediato em diante, azedou-se o intercâmbio entre pai e filho. Nemésio, intrigado; Gilberto, arredio. E, decorridas algumas semanas, ao inteirar-se de que o rapaz e a menina Nogueira passeavam de relações reatadas, o negociante viajou para o sul, em companhia de Márcia, no intuito de situar o filho junto de antigos camaradas de juventude, residentes em Porto Alegre. Por
lá se deteve o par, semanas e semanas, trazendo, na volta, expressivo programa de serviço e de estudo que Gilberto, convidado pelo genitor a entendimento, recusou, cortês, desistindo das vantagens
que lhe eram oferecidas.
Presenciando-lhes o diálogo em ambiente fechado, consignamos a respeitosa ternura com que o jovem se dirigiu ao genitor, implorando-lhe auxílio. Tivesse a bondade de não transferi-lo, que o deixasse no Rio. Rogava desculpas se o magoava, mas reconhecia-se em maioridade e aspirava ao casamento com Marina, de quem se reaproximara. Desde cedo, acostumara-se a trabalhar com o pai, a colaborar com ele, na imobiliária. Aguardava-lhe, por isso, a proteção.
Nemésio ouvia, ressentido, revoltado. Marina reconquistada pelo filho significava para ele bancarrota moral insuportável.
Nunca a amara tanto, quanto naquela hora em que se lhe esvaiam as esperanças. Entrevia-se calcado, vencido. A pouco e pouco se desinteressara de Márcia, conquanto a conservasse. Marina significava-lhe mocidade, euforia, entusiasmo, improvisação. Justamente quando ruminava desígnios de recuperar-lhe o carinho, adiantava-se o filho, frustrando-lhe os projetos.
Certificando-se de que Gilberto concluíra, vibrou rude golpe na mesa com uma régua pesada e, enceguecido pela cólera que o envolvia por juba de fogo, esbravejou: – Nunca!... Você nunca se casará com essa...
E multiplicou pejorativos e desaforos que o moço agüentou, estonteado e ferido. Mesmo assim, depois da tirada de injúrias, retorquindo aos apelos e intimações de última instância, assegurou que saberia tolerar todas as conseqüências, mas não renunciaria ao compromisso que assumira consigo próprio.
O genitor, possesso, entregou-se às vias de fato, esmurrandolhe o rosto.
Gilberto rodou nos calcanhares e tombou no piso, para reerguer-se e cair de novo sob pancadaria grossa, até que Nemésio, semelhando fera solta, infligiu-lhe tremendo chute, vociferando: – Rua, miserável!... Rua, rua!... Suma daqui! Não me apareça mais!...
Acompanhamos o menino atônito, que alcançou a via pública tentando estancar com o lenço um filete de sangue a escorrer-lhe num dos cantos da boca.
Daí a quarenta minutos, um ônibus despejava-nos no Flamengo.
Os Nogueiras terminavam o almoço e, antes de rumar para o banco, Cláudio recolheu, junto da filha, o relatório doloroso.
O trio machucado entendia perfeitamente a gravidade da situação. Nogueira, porém, ofereceu-se para ajudar. Diligenciaria obter para Gilberto um emprego no estabelecimento de crédito em que trabalhava. Considerava o dirigente por amigo. Solicitar-lhe-ia
CONTINUA AMANHÃ
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