CAPÍTULO 11
Na casa de saúde, Marina exigia cuidado, vigilância. Entre os bastidores da luta, empenhávamo-nos nisso, Moreira e nós, e, por fora, Cláudio e Salomão entrelaçavam energias, garantindo cooperação.
O apoio espiritual, conjugado à Medicina, funcionava com segurança.
Mesmo assim, complicavam-se os problemas em derredor.
Nemésio e Márcia, após cinco semanas no clima da serra, retornaram ao Rio, algo modificados pela aventura. Ela interessada em ligação definitiva; ele, hesitante. Instado a patrocinar-lhe o desquite, recuara, de pronto. Tinha medo. Não receava, porém, as gralhas do mundo social. Temia a si próprio. Aquele mês de folga, nos braços da mulher que não esperava, insuflara-lhe inquietação.
Não que Márcia perdesse para ele os encantos com que o seduzira.
Assustava-se consigo mesmo, junto dela. Nas excursões, chamava-lhe “Marina”. Acordava, alta noite, supondo-se com a jovem que aceitara por noiva, sonhava reencontrá-la, qual se estivessem os dois na meninice, e, sonâmbulo, costumava formular confissões de amor, como nos tempos em que Beatriz se derreava no leito.
Por várias vezes, fomos arrancá-lo dessas crises, movimentando recursos magnéticos, anotando-lhe as sensações de alívio, ao verificar que Márcia, experiente e maternal, sabia tolerá-lo, compreendê-lo...
A esposa de Cláudio, a seu turno, não obstante se propusesse cativá-lo, reconhecia o obstáculo. Percebia claramente que Nemésio trazia a menina fixada à lembrança. O negociante amava-lhe a filha, pertencia-lhe pela alma, embora não lhe recusasse apreço e ternura. De começo, quis estrilar. Em seguida, calculou, como de hábito, e concluiu que não se achava pessoalmente num caso de amor e sim numa transação, cujas vantagens não se dispunha a perder. No fundo, pouco lhe importava que ele adorasse a moça.
Aspirava a prendê-lo, ganhar-lhe a fortuna e a confiança. Para isso engenhava todos os modos de se fazer necessária. Ordens atendidas, refeições prediletas, gotas estimulantes na hora certa, chinelas a mão...
Solicitado por ela a optar pelo casamento em país que aprovasse o divórcio, Nemésio prometia satisfazê-la; entretanto, de volta ao Rio, preferiu mantê-la em casa de Selma, a companheira que residia na Lapa, mencionando Gilberto. Importante não se reunissem de vez, até que lhe conseguisse a mudança. Organizava interesses comerciais em cidade do sul, para removê-lo. Que Márcia aguardasse, e Márcia esperava, apesar de se acharem ambos em conjunção incessante. Passeios, jantares, diversões, noitadas...
Gilberto, no entanto, parecia a si mesmo desacoroçoado, abatido.
Criança sem guia, navegante sem bússola. Sem o menor
incentivo ao trabalho e sem âncoras de ideal que lhe governassem os sentimentos, esbanjava o dinheiro paterno. Farra e uísque.
Muita vez, embriagado, falava em suicídio, referindo-se a Marina, distante. Sentia-se derrotado, infeliz. Aqui e ali, ouvia apontamentos desairosos em torno do pai e de Dona Márcia, através de amigos, mas trazia ainda uns restos de nobreza para rechaçar aquilo que considerava invencionice e maledicência. Sabia o genitor descansando e não ignorava que Dona Márcia demandara igualmente o repouso. E, para defendê-los, esbravejava frenético, quase sempre bêbado e atuado por alcoólatras desencarnados, que o manobravam facilmente como se maneja uma taça.
Todavia, no centro das derrocadas, o Espírito Félix reconstruía...
Após dois meses de tratamento, Marina regressou ao Flamengo, resguardada pelo carinho paterno.
Em horas breves, inteirou-se quanto à nova situação.
Perdera a assistência maternal e não desconhecia os empeços com que devia contar, a fim de reerguer-se na profissão. Informara-se, por intermédio de enfermos recuperados, que se tornava habitualmente muito difícil a obtenção de emprego para egressos de hospício.
A princípio, alimentava complexos, sofria.
Contudo, encontrara um pai cuja grandeza de coração até ali ignorara e uma fé que lhe reabilitava a esperança.
Cláudio cercou-a de meiguice e bondade. Repletava-se o apartamento de mimos e flores, e os textos espíritas, lidos por vezes com lágrimas, lhe infundiam a consoladora certeza nas verdades e nas promessas do Cristo, que passara a aceitar por mestre da alma. Acolheu a amizade de Salomão, qual se lhe fosse filha, e inscreveu-se entre aqueles que constituíam agora para Cláudio a família espiritual. Interessou-se por singelo serviço beneficente, mantido em favor de pequeninos desamparados, junto de senhoras consagradas ao socorro de irmãs infelizes. E quando o genitor convidou-a para que se afeiçoassem ao culto semanal do Evangelho no lar, recolheu, entusiasmada, a sugestão, rogando a Nogueira instalassem Dona Justa, viúva e sozinha, em definitivo, junto deles em casa. A antiga servidora, contente, foi guindada à condição de governanta, com a segurança de parenta feliz.
A vivenda ressumava tranqüilidade, não obstante, Moreira e nós outros prosseguíamos atentos na defensiva.
Conversações e leituras, tarefas e planos surgiam por flores auspiciosas que Félix, de quando em quando, vinha ver, encantado, partilhando-nos júbilos e orações.
O apoio espiritual, conjugado à Medicina, funcionava com segurança.
Mesmo assim, complicavam-se os problemas em derredor.
Nemésio e Márcia, após cinco semanas no clima da serra, retornaram ao Rio, algo modificados pela aventura. Ela interessada em ligação definitiva; ele, hesitante. Instado a patrocinar-lhe o desquite, recuara, de pronto. Tinha medo. Não receava, porém, as gralhas do mundo social. Temia a si próprio. Aquele mês de folga, nos braços da mulher que não esperava, insuflara-lhe inquietação.
Não que Márcia perdesse para ele os encantos com que o seduzira.
Assustava-se consigo mesmo, junto dela. Nas excursões, chamava-lhe “Marina”. Acordava, alta noite, supondo-se com a jovem que aceitara por noiva, sonhava reencontrá-la, qual se estivessem os dois na meninice, e, sonâmbulo, costumava formular confissões de amor, como nos tempos em que Beatriz se derreava no leito.
Por várias vezes, fomos arrancá-lo dessas crises, movimentando recursos magnéticos, anotando-lhe as sensações de alívio, ao verificar que Márcia, experiente e maternal, sabia tolerá-lo, compreendê-lo...
A esposa de Cláudio, a seu turno, não obstante se propusesse cativá-lo, reconhecia o obstáculo. Percebia claramente que Nemésio trazia a menina fixada à lembrança. O negociante amava-lhe a filha, pertencia-lhe pela alma, embora não lhe recusasse apreço e ternura. De começo, quis estrilar. Em seguida, calculou, como de hábito, e concluiu que não se achava pessoalmente num caso de amor e sim numa transação, cujas vantagens não se dispunha a perder. No fundo, pouco lhe importava que ele adorasse a moça.
Aspirava a prendê-lo, ganhar-lhe a fortuna e a confiança. Para isso engenhava todos os modos de se fazer necessária. Ordens atendidas, refeições prediletas, gotas estimulantes na hora certa, chinelas a mão...
Solicitado por ela a optar pelo casamento em país que aprovasse o divórcio, Nemésio prometia satisfazê-la; entretanto, de volta ao Rio, preferiu mantê-la em casa de Selma, a companheira que residia na Lapa, mencionando Gilberto. Importante não se reunissem de vez, até que lhe conseguisse a mudança. Organizava interesses comerciais em cidade do sul, para removê-lo. Que Márcia aguardasse, e Márcia esperava, apesar de se acharem ambos em conjunção incessante. Passeios, jantares, diversões, noitadas...
Gilberto, no entanto, parecia a si mesmo desacoroçoado, abatido.
Criança sem guia, navegante sem bússola. Sem o menor
incentivo ao trabalho e sem âncoras de ideal que lhe governassem os sentimentos, esbanjava o dinheiro paterno. Farra e uísque.
Muita vez, embriagado, falava em suicídio, referindo-se a Marina, distante. Sentia-se derrotado, infeliz. Aqui e ali, ouvia apontamentos desairosos em torno do pai e de Dona Márcia, através de amigos, mas trazia ainda uns restos de nobreza para rechaçar aquilo que considerava invencionice e maledicência. Sabia o genitor descansando e não ignorava que Dona Márcia demandara igualmente o repouso. E, para defendê-los, esbravejava frenético, quase sempre bêbado e atuado por alcoólatras desencarnados, que o manobravam facilmente como se maneja uma taça.
Todavia, no centro das derrocadas, o Espírito Félix reconstruía...
Após dois meses de tratamento, Marina regressou ao Flamengo, resguardada pelo carinho paterno.
Em horas breves, inteirou-se quanto à nova situação.
Perdera a assistência maternal e não desconhecia os empeços com que devia contar, a fim de reerguer-se na profissão. Informara-se, por intermédio de enfermos recuperados, que se tornava habitualmente muito difícil a obtenção de emprego para egressos de hospício.
A princípio, alimentava complexos, sofria.
Contudo, encontrara um pai cuja grandeza de coração até ali ignorara e uma fé que lhe reabilitava a esperança.
Cláudio cercou-a de meiguice e bondade. Repletava-se o apartamento de mimos e flores, e os textos espíritas, lidos por vezes com lágrimas, lhe infundiam a consoladora certeza nas verdades e nas promessas do Cristo, que passara a aceitar por mestre da alma. Acolheu a amizade de Salomão, qual se lhe fosse filha, e inscreveu-se entre aqueles que constituíam agora para Cláudio a família espiritual. Interessou-se por singelo serviço beneficente, mantido em favor de pequeninos desamparados, junto de senhoras consagradas ao socorro de irmãs infelizes. E quando o genitor convidou-a para que se afeiçoassem ao culto semanal do Evangelho no lar, recolheu, entusiasmada, a sugestão, rogando a Nogueira instalassem Dona Justa, viúva e sozinha, em definitivo, junto deles em casa. A antiga servidora, contente, foi guindada à condição de governanta, com a segurança de parenta feliz.
A vivenda ressumava tranqüilidade, não obstante, Moreira e nós outros prosseguíamos atentos na defensiva.
Conversações e leituras, tarefas e planos surgiam por flores auspiciosas que Félix, de quando em quando, vinha ver, encantado, partilhando-nos júbilos e orações.
CONTINUA AMANHÃ
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