domingo, 4 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Acusei-me cansado, deprimido. Se ele era ali o mordomo, que me permitisse entrar, por gentileza, ainda que por instantes breves, a fim de que me fosse possível refazer as forças. Ato de bondade fraterna. Nada além de alguns minutos. Carecia de ambiente humano, amigo.
Operou-se, entretanto, a reviravolta.
Vi perdida a posição que granjeara.
Moreira arremessou-me olhar terrível, que funcionou sobre mim qual punhalada vibratória. Ajuntou frases irônicas e gritou que a casa tinha dono; que, diante dos “descascados”6, quem mandava ali era ele; que, para atravessar a porta, seria preciso removê-lo; que eu dispunha da rua larga para dormir; e finalizou, agressivo:
– Que tem você aqui? Dê o fora, que não vou com sua lata!
Vá se catar, vá se catar!...
Nenhuma outra alternativa senão descer escadas, desabaladamente, porque avançou em minha direção, arregaçando punhos decididos.
Regressei ao aconchego do mar, entrando em prece.
Reavendo a condição que me é peculiar, voltei ao mesmo ponto.
No interior da peça, o casal acomodara-se para o almoço, com as atenções de Dona Justa, em serviço.
Moreira, que não mais me assinalava a presença, instalara-se na cadeira de Cláudio e com Cláudio, de tal modo, que, certo, se alimentava tão claramente quanto ele, através de um dos numerosos processos em que se catalogam as ações da osmose fluídica.
6 Um dos pejorativos pelos quais a gíria dos planos inferiores designa os Espíritos desencarnados. (Nota do Autor espiritual.)

A conversa entre os cônjuges deslizava, banal, mas, consultando o cérebro de Nogueira, convencemo-nos para logo de que o tema do dia circulava, ativamente, no sistema de conjugação
mental que prevalecia entre ele e o acompanhante. Registrava-selhes o anseio por notícias que lhes facultassem conexões para o objetivo inconfessável, que começavam a entremostrar em espírito.
Agora, à mesa, a dupla exteriorizava os intentos escusos, nas formas-pensamentos em que as duas mentes enfermiças se revelavam.
Tudo se aclarava, de súbito. Digeriam o plano em silêncio.
Abordariam Marita, à feição de dois caçadores colhendo uma lebre. Antegozavam o assalto, articulavam-se-lhes os pensamentos em lances dissolutos. Determinavam-se a surpreendê-la, em casa de Crescina, como se apanha um fruto resguardado na árvore.
Perplexo, decifrei a trama inteira.
Cláudio ergueu a voz e, fingindo ignorar a viagem da filha, perguntou à mulher por Marina, de vez que, no fundo, queria notícias da outra.
Dona Márcia caiu, de imediato, na indução. Respondeu que ele, provavelmente, se havia esquecido de que a moça avisara, na véspera, que iria a Teresópolis, a serviço da imobiliária. O chefe,
impedido, indicara-a para representá-lo em algumas transações importantes. Voltaria, sem dúvida, na manhã seguinte. Quanto a Marita, horas antes telefonara de Copacabana, solicitando para que não a esperassem ao jantar. Talvez demorasse em serviço extra, na contabilidade da loja, até mais tarde.
O marido pigarreou, mudou de assunto, comentou alguns sucessos políticos e a refeição terminou sem maiores delongas.
No intuito de colaborar com eficiência, na preservação da harmonia geral, demandei a habitação de Crescina, onde não tive qualquer dificuldade para identificar o apartamento número quatro.
Recanto isolado para casal, completamente desligado da comprida construção de um pavimento só.
A vivenda, pela extensão enorme, aparentava profunda calma; entretanto, pela ruidosa conversação dos desencarnados menos felizes, que aí bulhavam, desocupados, era possível imaginar as agitações da noite.
Depois de atenciosas idas e vindas pelo terreno, examinando situações, vi a dona da casa tomar o fone. Aproximei-me. Crescina perguntava por Gilberto, no escritório dos Torres.
Atendida, combinou visitá-lo às duas, daí precisamente a meia hora.
O programa foi cumprido em todas as seqüências previstas.
De retorno, Crescina chamou para a loja e comunicou à jovem que o rapaz escrevera. Tudo certo. Leu o bilhete, em que lhe participava a resolução de estar firme, no lugar indicado, às oito.
Que ela aguardasse, confiasse.
A pobre menina exultou e as minhas inquietações doíam agigantadas.
Necessitava desdobrar medidas de proteção; entender-me com algum amigo encarnado, em ligação com o grupo; sugerir providências que evitassem a consumação do projeto; criar circunstâncias em que o socorro chegasse em nome do acaso, entretanto...
Debalde, girei da pensão alegre ao escritório, do escritório à loja, da loja ao banco, do banco ao apartamento no Flamengo...
Ninguém estendendo antenas espirituais, com possibilidades de auxílio, ninguém orando, ninguém refletindo... Em todos os lugares, pensamentos entouçados sobre raízes de sexo e finança, configurando cenas de prazeres e lucros, com receptividade frustrada para qualquer interesse de outro tipo. Até mesmo um dos chefes de Marita, do qual me acerquei, tentando insuflar-lhe a idéia de

CONTINUA AMANHÃ

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