sexta-feira, 30 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER


CONTINUAÇÃO

Conquanto abalada, não somente ao consignar a decadência da pupila, mas igualmente ao testificar a inesperada sensibilização do marido, controlou-se o bastante para falar com desembaraço.
Doseou as verdades que ouvira do médico, respeitando o pesar do esposo, recapitulou a versão do acidente que ela mesma engenhara, para satisfazer aos amigos, e rogou desculpas pelo traumatismo com que Cláudio se apresentava. Confessava-se também machucada – observou, polidamente –; contudo, ao ver o marido subjugado pelo desgosto, não tivera outro recurso senão
reabilitar a resistência própria, a fim de que não escasseasse comando à situação.
O esposo, em lágrimas copiosas, compreendeu que ela mentia para impressionar e que enfileirava frases bem-postas, no intuito de dar a entender que não arredava pé do hospital; no entanto, não lhe rebateu as afirmativas.
Limitava-se a chorar em silêncio. Em lugar da indignação a que se rendia, em outros tempos, quando a via fingir, penalizavase agora. Imaginava-se na posição do viajor que houvesse espalhado farpas em todo o caminho, por onde seria fatalmente impelido a regressar...
Confirmando-lhe as impressões, Dona Márcia levantou-se e, contendo a repugnância que o cheiro desagradável do leito lhe causava, ajeitou os travesseiros da filha inanimada, derramou algumas palavras de carinho e, verificando que Nemésio se mantinha constrangido no ambiente que as exalações do processo
renal tresandava, conclamou ao regresso.
Não seria lícito reter o senhor Torres por mais tempo, alegou.
Quanto a ela, que Cláudio a esperasse. Voltaria mais tarde.
Despedidas e protestos de solidariedade surgiram à tona.
O irmão Félix, presente, seguira o encontro em todas as minúcias e ponderou que se eu volvera ao estabelecimento, em objeto de serviço, pela mesma razão me aconselhava o retorno ao lar de Nemésio, a fim de socorrer Marina, cujo problema obsessivo se agravava. Conviria, porém – acrescentou –, acompanhar ambos os visitantes, de maneira estudar-lhes as reações, com fins de auxílio.
Aboletei-me no carro para a volta.
Torres, dominando-se, escolheu caminho mais longo, em
marcha lenta.
A tortura de Nogueira suscitava-lhe falsas impressões. Cotejando-se com ele, qualificava-se por homem de rija têmpera que, dias antes, assistira à morte da própria companheira, sem quebrarse, ao passo que o genitor de Marina se derretia ao pé de uma filha adotiva, cuja situação, naquela hora, pedia a tranqüilidade do necrotério.
De vez em vez, deitava olhares furtivos para Dona Márcia,
supondo compreendê-la melhor. A mãezinha daquela que pretendia desposar, perfeitamente comparável à filha em beleza e inteligência, não seria feliz junto daquele cavalheiro chorão.
O comerciante esperto retomara as características próprias. A pouco e pouco, olvidou a menina acidentada e o bancário arrasado que classificava por maricão e passou a exaltar o encantamento do dia em curso, qual se aspirasse a despertar Dona Márcia para a
convicção de que se achava no auto, sob o patrocínio de um companheiro compreensivo e vigoroso, capaz de assegurar-lhe a euforia.
Indagou se ela freqüentava os passeios cariocas mais estimáveis.
Referiu-se aos almoços suculentos das Paineiras, aos piqueniques da Pedra do Conde, aos banhos em Copacabana, à vista inigualável no Pico da Tijuca nos dias ensolarados, onde o binóculo parecia trazer a restinga de Marambaia para dentro dos olhos...

Dona Márcia conhecia todos os sítios mencionados, quanto a palma das mãos; contudo, fez-se de ingênua. Sabia, de experiência própria, que os homens da casta de Nemésio preferem as mulheres frágeis e acanhadas, que se voltem para eles com a bisonhice das criaturas necessitadas de proteção. Declarou nada conhecer dos pontos guanabarinos mais freqüentados, além do Pão de Açúcar, que visitara numa excursão, aliás muito rápida,
junto das filhas ainda pequeninas. Afetando-se novata, em matéria de experiências romanescas, informou que se casara muito nova e que, desde então, a existência lhe fora um suplício entre escovões e panelas, com a obrigação de tolerar um marido resmelengo, segundo ele próprio, Nemésio, pudera verificar. Que lhe avaliasse o martírio de mulher acorrentada a um matrimônio infeliz pela mostra de Cláudio choramingas, a recebê-los sem uma palavra de cordialidade e de apreço.
Torres gostou das definições. Riu-se. Falou em psicoses. Reportou-se a neurologistas distintos.
Dona Márcia debuxou um sorriso malicioso, fitou-o demoradamente e disse que era muito tarde para tratamentos, que havia muito tempo vivia separada do esposo, embora continuassem sob o mesmo teto.
Acostumara-se a sofrer, declarava suspirando.
Nemésio entendeu a insistência daqueles olhares e experimentou recôndita satisfação ao averiguar-se requestado.
A presença da futura sogra não lhe desagradava. Não fosse Marina – pensou –, e não hesitaria atraí-la a convívio mais íntimo.
A manhã toda, na companhia daquela mulher que reputava formosa e inteligente, constituíra-lhe um tônico. Esquecera-se, distraírase.
Mesmo assim, não julgou conveniente precipitar-se. Puxou o relógio e, verificando que faltavam apenas cinco minutos para meio-dia, convidou-a para o almoço. Conhecia excelente restaurante no Catete.
CONTINUA AMANHÃ

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