terça-feira, 27 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO -LIVRO DE CHICO XAVIER


CONTINUAÇÃO

de que o chefe da família Nogueira não poderia afastar-se do hospital, insistiu com a interlocutora para que lhe acolhesse a visita. Marina andava abatida. Tencionava levá-la a Petrópolis.
Mudança de ares, renovação de paisagem. A menina tombara em prostração, à face dos sacrifícios que lhe exigira a esposa morta.
Pretendia homenagear-lhe a dedicação, com a permanência de alguns dias no clima serrano, mas, para isso, estimaria ouvir a família, fazer planos.
Dona Márcia, aspirando a expor respeitabilidade familiar, indagou se Gilberto iria também, como que temendo acumpliciar-se em alguma ligação indesejável e prematura entre os jovens. Nemésio, porém, apaixonado bastante pela moça, não era capaz de penetrar a sutileza da esposa de Cláudio, que assim se exprimia no intuito de fazer-se passar, diante dele, por severa guardiã das virtudes domésticas; e a senhora Nogueira, aguardando Gilberto para genro e ignorando a intimidade entre a filha e Torres, pai, não atinava, em toda a extensão, com aquele efusivo atestado de garantia moral que Nemésio, automaticamente, lhe oferecia, pedindo-lhe confiança.
Estivesse tranqüila. A moça seguiria exclusivamente com ele e uma governanta. Mais ninguém.
Dona Márcia louvou a medida, agradeceu.
Mesmo assim, a entrevista ficou marcada para o dia seguinte.
No momento aprazado, acompanhamos Nemésio ao Flamengo, como quem estuda ingrediente perigoso, antes de aditá-lo a processo curativo em andamento.
A recepcionadora não esqueceu particularidade alguma do bom-tom, à vista do luto em que os Torres haviam entrado.
Enfeites discretos na sala, hortênsias azuis, conjunto de peças em roxo para o café.

O negociante quedou agradavelmente surpreendido. Cumprimentando a anfitriã bem-apessoada num modelo de algodão transparente e suave, não sabia se a progenitora era uma segunda edição da filha ou se lhe cabia interpretar a filha por segunda edição dela.
Comodamente sentados, a palestra começou pela troca de sentimentos recíprocos. Pêsames pela morte de Dona Beatriz, pesar diante do acidente ocorrido em Copacabana. Moléstia de Marita, cansaço de Marina. Devotamento de Cláudio pela filha hospitalizada. Elogio a parentes. Apontamentos ao redor das aperturas da vida.
Dona Márcia, com requintes de apresentação, comentava todos os assuntos propostos, com aprumo de inteligência. Otimismo irradiante, finura de trato.
Nemésio, encantado, fumava e sorria, admirando-lhe a personalidade.
Conversa vai, conversa vem, a viagem a Petrópolis surgiu à tona e o diálogo mais vivo desenrolou-se entre aquela que o visitante esperava para sogra e aquele com quem a interlocutora não contava para genro.
– A senhora descanse – recomendava Torres, eufórico –, Marina seguirá em minha companhia, tudo em ordem. Creia que a mudança de ares é a terapêutica adequada. A pobrezinha merece repouso, excedeu-se em trabalho...
– Não tenho objeções – acentuou a genitora de Marina, estranhando o lume daqueles olhos percucientes que lhe investigavam as reações –; no entanto, o senhor sabe... Sou mãe. Além disso, tenho o marido ocupado com a outra filha que, apesar de adotiva, é para nós um pedaço do coração... Uma viagem, assim, à pressa...

– Oh! mas não se preocupe, de modo algum; afinal, não sou mais uma criança...
– Sim, mas o senhor compreende... Enquanto sua esposa estava de cama, a permanência de minha filha em sua casa era justa, mas agora... Sei que Marina não se encontra no convívio de estranhos, o senhor para nós não é somente o diretor da firma em que ela trabalha, o senhor para ela é também um amigo, um protetor, um pai...
– Muito mais do que isso!...
A senhora Nogueira estremeceu. Que projetava dizer o entrevistador com semelhante afirmação, diante das frases que articulara intencionalmente reticenciosas, aguardando que ele lhe fornecesse alguma esperança positiva no enlace próximo dos filhos?
Sem querer, tornou a refletir, de escantilhão, nas suspeitas de Cláudio. Os passeios e divertimentos do abastado comprador de imóveis com a menina, que ela admitira fossem apenas motivos de consolação para um velho sofrido, assumiriam o aspecto inconfessável que o marido lhes conferia? “Muito mais do que isso!...”
Aquelas palavras, no tempero de ternura com que eram ditas, varavam-lhe a cabeça. Acordavam-na para a realidade que nem de leve pressentira. Ainda assim, não se dispunha a acreditar. Impossível!
impossível que Marina...
Num átimo, empregou toda a sua curiosidade feminil no rico negociante, fisgando-o, de alto a baixo. Excessivamente humana para não examinar o jogo em que se encontrava sem conhecer exatamente a posição que lhe competia na defesa do próprio interesse, descobriu no viúvo, que supusera arcaico e patriarcal, atrativos marcantes, suscetíveis de impressionar favoravelmente qualquer moça desprevenida. Conhecia Gilberto em pessoa, classificando-o, aliás, como sendo um rapaz notável; entretanto, concluía, ali, que o velho ganharia do moço em qualquer torneio de sedução. Ela que se orgulhava de experiências avantajadas, em

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: