sexta-feira, 23 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Que se manifestasse, que expusesse o seu ponto de vista, quanto àquele suicídio comovedor.
Marina, embora debilitada, conjeturou-se tangida pelos próprios pensamentos a lhe buscarem atenção para a irmã acidentada e, presumindo monologar, deixou que os pensamentos lhe pululassem do cérebro, sem o travão da autocrítica.
Compadecia-se da irmã – parafusava, calculista –, no entanto, confessava-se agradecida ao destino por se ver livre dela. Indiscutivelmente, não teria tido coragem de impeli-la à morte; todavia, se ela própria deliberara desaparecer, cedendo-lhe posição, sentiase aliviada. Gilberto inteirara-a de um telefonema que recebera na
noite da antevéspera. Confiara-lhe as impressões. Nada de trote.
Pelo jeito, deduziram que Marita lhe imitara a voz, efetuando sondagem... Convencida de que o rapaz não a desejava, preferira morrer. Gilberto fora claro. Pelos tópicos da conversação pelo fio, dos quais lhe transmitira os mínimos pormenores, Marita investigara- lhe os sentimentos, no intuito de arrancar-lhe uma declaração indireta. Desiludida, optara pela renúncia. Em razão de tudo isso,não lhe cabia perder-se em divagações. Se o jovem Torres a amava, no mesmo grau de carinho com que se lhe entregara, e se a outra resolvera sumir, nenhum motivo para ralar-se. O próprio
Gilberto, semanas antes, perguntara-lhe, de estranha maneira, pelas esquisitices da irmã. Julgava-a desequilibrada, neurótica, ao que se lhe referira à paternidade anônima. O filho de Nemésio acreditava em sífilis na cabeça, asseverando que Marita não servia para casar.
Após ligeira pausa no pensamento, como quem apaga uma luz e a reacende, alterando o cenário, a jovem do Flamengo seguiu pensando, memorizando...
Telefonara para casa, durante a noite, e a mãezinha informara que Manta ainda não havia morrido; contudo, o médico esclarecera a ela, Dona Márcia, em ligação confidencial, que a Ciência não dispunha de meios para recuperá-la e que o óbito era questão para daí a alguns dias. O facultativo solicitara-lhe atenções especiais para Cláudio, esmagado de angústia. Recomendara-lhe nada dizer ao marido, quanto à opinião aberta que expunha, parecer que formulava apenas para com ela, ao reconhecê-la mais calma, diante do sofrimento. Que ela, na condição de mãe, se premunisse contra emoções muito fortes, a fim de sustentar a família, no transe que sobreviria, a qualquer momento.
Aquelas elucidações, no silêncio, feriram Moreira nas últimas fibras.
As notícias médicas, assim desdobradas, portavam para ele os efeitos de um tiro.
Não se resignava à idéia de perder Marita, no plano físico. Ela, inconscientemente, despendia recursos fluídicos que se casavam com os dele, fornecendo-lhe sensações de euforia, robustez.
Retirava dela os estimulantes mentais que lhe vigorizavam a masculinidade, tanto quanto se valia habitualmente de Cláudio, para viver sobre a Terra como qualquer ser humano.
Entre a frustração e a inconformidade, designou Marina com um nome chulo e justificou-se, diante de mim, quanto à determinação de puni-la. Infantilizado, colérico, bradou que nós ambos víamos, juntos, o regozijo com que cismava no infortúnio da outra; que eu não lhe podia negar a frieza de sentimentos; que a minha palavra apoiasse a dele, em momento oportuno; que eu lhe
servisse de testemunha. Marina, porém, continuava meditando, aclarando, qual se aditasse, espontaneamente, impressões marginais ao tema que Moreira lhe propusera.
Amava a Gilberto, sim. Apenas a ele. Descobriria recursos para desvencilhar-se de Torres, pai. Quanto mais corria o tempo, com maior segurança afiançava a si mesma pertencer ao rapaz.

Anelava desposá-lo, ser-lhe a mulher em casa e mãe de seus filhos...
No entanto, quando o esboço do lar futuro se lhe configurou na imaginação, o meu interlocutor arremeteu-se contra ela e bramiu: – Nunca!... Você nunca será feliz!... Você matou sua irmã...
Assassina! assassina!...
Agredida sem que me fosse permitido protegê-la, porquanto a minha interferência isolada se fazia desaconselhável, a benefício dela mesma, a jovem experimentou-se invadida de estranho malestar.
Aquelas incriminações percutiam-lhe fundo, qual se alguém lhe varasse o pensamento.
Ofegou em desassossego.
Começou a refletir, acerca de Marita, sob novos aspectos, estabelecendo confrontos. Debalde esgrimia idéias, tentando impugnar o remorso que se lhe infiltrava na consciência. Julgava contraditar-se. Gemia em desconforto. Ignorava-se em luta com uma Inteligência que se lhe mantinha invisível, a pedir-lhe contas do proceder. À medida, porém, que o adversário martelava as censuras, às quais aderia por saber-se culpada, passou a perder posição. Enevoava-se-lhe o raciocínio, mobilizou todas as energias para não desmaiar, temia a loucura...
O contendor desafiara a fortaleza, proclamando-lhe as brechas.
A fortaleza resistiria, incólume, se fosse inteiriça; entretanto, as brechas existiam e, por elas, o inimigo lançava petardos de maldição e sarcasmo, gerando a demência e invocando a morte.
Em vão, diligenciei no silêncio, articulando agentes mentais de auxílio para que a vítima se libertasse; contudo, a menina, bastante hábil para movimentar-se, entre os homens, sem comprometer-se na superfície das circunstâncias, jazia desarmada de

CONTINUA AMANHÃ

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