presença e, em vão, tentou pedir explicação para o cheiro nauseante que a cercava.
Transcorridas duas horas de angústia recôndita, que Moreira assinalava com acuidade e precisão, a moça como que se aquietou, mentalmente, e perscrutando-lhe, por minha vez, o campo íntimo, notei que se fixava lamentavelmente em Marina.
O companheiro desencarnado que, até então, se fazia suporte psíquico de Cláudio e que necessitava de base moral para garantir o próprio reequilíbrio, encontrou pasto robusto a nova desorientação.
Descobri o perigo, sem poder conjurá-lo.
Percebendo-se demitido da complacência do amigo que se lhe transformara em joguete, procurava-lhe na filha motivos outros em que se lhe facultasse permanecer atrelado à demência.
De nossa parte, não era possível pressionar a menina acidentada, no sentido de lhe sustar as lamentações. Qualquer dispêndio de energias, além das estritamente necessárias ao seu sustento, poderia precipitar-lhe a desencarnação.
Insciente das complicações que gerava com semelhante procedimento, a filha de Aracélia reconstituiu na imaginação as
aperturas da existência. Acusava a irmã por todos os infortúnios.
Exibia-lhe a figura na tela da memória como sendo a inimiga imperdoável... Marina a furtar-lhe as carícias maternas, Marina a surripiar-lhe as oportunidades, Marina a roubar-lhe as afeições.
Marina a subtrair-lhe o eleito dos sonhos juvenis...
Não valeram ponderações que lhe endereçávamos, inquietos.
A influência de Moreira, que lhe amimalhava as incriminações, surgia naturalmente muito mais vigorosa para ela, que diligenciava encontrar simpatia e adesão.
Aquela desventurada menina desconhecia os poderes do pensamento.
Não sabia que, fora da indulgência e da brandura, invocava desagravo e, assim procedendo, não apenas enredava a família em duras provações, mas igualmente punha a perder o valioso trabalho de recuperação daquele amigo necessitado de afeição e de luz.
O ex-assessor de Cláudio, ao absorver-lhe as confidências mudas, em que relacionava os pesares mais íntimos, dos quais não tivera ele conhecimento, retomava, a pouco e pouco, a brutalidade que, anteriormente, lhe marcava a expressão.
Esvaeciam-se-lhe as melhoras de espírito.
A pretexto de auxiliar a protegida, reavivava os instintos de vingador.
O olhar que se adoçara de compaixão, readquiriu a lividez dos alienados. Sumiram-se todos os indícios de retorno à sensatez e à humanidade que patenteava, desde o momento em que renteara com a moça abatida.
Inútil seria qualquer tentame para reconduzi-lo à serenidade.
Embebendo-se nos queixumes daquela que classificava como sendo para ele a mulher querida, restaurava em si mesmo a selvageria da fera sequiosa de sangue. Respondendo-nos às petições de calma e tolerância, clamava que não, que não... Ninguém o faria renunciar à guerra pela tranqüilidade daquela que amava; alegava desconhecer, até então, o martírio que a irmã lhe aplicara durante a vida inteira e insistiria no desforço...
Ao vê-lo abandonar o serviço a que voluntariamente se impusera, incapaz de refletir nas conseqüências da própria deserção, compreendi que o ex-obsessor convertido em amigo fora assaltado por crise de loucura e inclinei-me a considerar se o irmão Félix não errara solicitando a permanência de Marita no corpo desarticulado, tal a extensão dos males que o ex-vampirizador seria capaz de estender, a partir daquela hora; no entanto, reprimi-me...
Não! eu não detinha o direito de julgar o companheiro destrambelhado que se afastava de nós, enquanto o sol da manhã se aprumava no céu. O irmão Félix sabia o que fizera e, com certeza, em outro tempo, não me desequilibrara e nem desacertara em ponto menor...
Competia-me simplesmente trabalhar, socorrer.
Transferi nossos encargos às atenções de Arnulfo e Telmo e demandei a residência dos Torres, o único lugar para onde Moreira, a nosso ver, decerto rumaria.
Entrei...
Na casa silente, cochichava-se a medo. Lágrimas no semblante dos servidores humildes.
Dona Beatriz, em coma, esperava a morte.
Neves e outros afeiçoados do mundo espiritual rodeavam o leito. Dedicada enfermeira observava a senhora prestes a mergulhar no grande repouso, diante de Nemésio, Gilberto e Marina, que se acomodavam a pequena distância.
Aturdido, porém, verifiquei que Moreira não se achava ainda aí. A surpresa, entretanto, se desfez para logo, de vez que, transcorridos alguns momentos, o ex-acompanhante de Cláudio, seguido por quatro camaradas truculentos e carrancudos, penetrou, desrespeitosamente, o recinto... E, sem a menor comiseração pela agonizante, acercou-se da filha de Dona Márcia e gritou, encolerizado:
– Assassina!... Assassina!...
Transcorridas duas horas de angústia recôndita, que Moreira assinalava com acuidade e precisão, a moça como que se aquietou, mentalmente, e perscrutando-lhe, por minha vez, o campo íntimo, notei que se fixava lamentavelmente em Marina.
O companheiro desencarnado que, até então, se fazia suporte psíquico de Cláudio e que necessitava de base moral para garantir o próprio reequilíbrio, encontrou pasto robusto a nova desorientação.
Descobri o perigo, sem poder conjurá-lo.
Percebendo-se demitido da complacência do amigo que se lhe transformara em joguete, procurava-lhe na filha motivos outros em que se lhe facultasse permanecer atrelado à demência.
De nossa parte, não era possível pressionar a menina acidentada, no sentido de lhe sustar as lamentações. Qualquer dispêndio de energias, além das estritamente necessárias ao seu sustento, poderia precipitar-lhe a desencarnação.
Insciente das complicações que gerava com semelhante procedimento, a filha de Aracélia reconstituiu na imaginação as
aperturas da existência. Acusava a irmã por todos os infortúnios.
Exibia-lhe a figura na tela da memória como sendo a inimiga imperdoável... Marina a furtar-lhe as carícias maternas, Marina a surripiar-lhe as oportunidades, Marina a roubar-lhe as afeições.
Marina a subtrair-lhe o eleito dos sonhos juvenis...
Não valeram ponderações que lhe endereçávamos, inquietos.
A influência de Moreira, que lhe amimalhava as incriminações, surgia naturalmente muito mais vigorosa para ela, que diligenciava encontrar simpatia e adesão.
Aquela desventurada menina desconhecia os poderes do pensamento.
Não sabia que, fora da indulgência e da brandura, invocava desagravo e, assim procedendo, não apenas enredava a família em duras provações, mas igualmente punha a perder o valioso trabalho de recuperação daquele amigo necessitado de afeição e de luz.
O ex-assessor de Cláudio, ao absorver-lhe as confidências mudas, em que relacionava os pesares mais íntimos, dos quais não tivera ele conhecimento, retomava, a pouco e pouco, a brutalidade que, anteriormente, lhe marcava a expressão.
Esvaeciam-se-lhe as melhoras de espírito.
A pretexto de auxiliar a protegida, reavivava os instintos de vingador.
O olhar que se adoçara de compaixão, readquiriu a lividez dos alienados. Sumiram-se todos os indícios de retorno à sensatez e à humanidade que patenteava, desde o momento em que renteara com a moça abatida.
Inútil seria qualquer tentame para reconduzi-lo à serenidade.
Embebendo-se nos queixumes daquela que classificava como sendo para ele a mulher querida, restaurava em si mesmo a selvageria da fera sequiosa de sangue. Respondendo-nos às petições de calma e tolerância, clamava que não, que não... Ninguém o faria renunciar à guerra pela tranqüilidade daquela que amava; alegava desconhecer, até então, o martírio que a irmã lhe aplicara durante a vida inteira e insistiria no desforço...
Ao vê-lo abandonar o serviço a que voluntariamente se impusera, incapaz de refletir nas conseqüências da própria deserção, compreendi que o ex-obsessor convertido em amigo fora assaltado por crise de loucura e inclinei-me a considerar se o irmão Félix não errara solicitando a permanência de Marita no corpo desarticulado, tal a extensão dos males que o ex-vampirizador seria capaz de estender, a partir daquela hora; no entanto, reprimi-me...
Não! eu não detinha o direito de julgar o companheiro destrambelhado que se afastava de nós, enquanto o sol da manhã se aprumava no céu. O irmão Félix sabia o que fizera e, com certeza, em outro tempo, não me desequilibrara e nem desacertara em ponto menor...
Competia-me simplesmente trabalhar, socorrer.
Transferi nossos encargos às atenções de Arnulfo e Telmo e demandei a residência dos Torres, o único lugar para onde Moreira, a nosso ver, decerto rumaria.
Entrei...
Na casa silente, cochichava-se a medo. Lágrimas no semblante dos servidores humildes.
Dona Beatriz, em coma, esperava a morte.
Neves e outros afeiçoados do mundo espiritual rodeavam o leito. Dedicada enfermeira observava a senhora prestes a mergulhar no grande repouso, diante de Nemésio, Gilberto e Marina, que se acomodavam a pequena distância.
Aturdido, porém, verifiquei que Moreira não se achava ainda aí. A surpresa, entretanto, se desfez para logo, de vez que, transcorridos alguns momentos, o ex-acompanhante de Cláudio, seguido por quatro camaradas truculentos e carrancudos, penetrou, desrespeitosamente, o recinto... E, sem a menor comiseração pela agonizante, acercou-se da filha de Dona Márcia e gritou, encolerizado:
– Assassina!... Assassina!...
CONTINUA AMANHÃ
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