sexta-feira, 2 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO -LIVRO DE CHICO XAVIER


CONTINUAÇÃO

Verificava, assombrado, a máscara de paternal ternura com que Nogueira recobrira o semblante.
No íntimo, acalentava a repulsão, dura, violenta. Dissimulava, habilmente, os ímpetos de amarrotar o filho de Beatriz que, satisfeito e acalmado, lhe agasalhava as afirmações.
Reprimindo-se, prosseguiu astucioso.
Salientou que, decerto, a menina bisonha, ao albergar-lhe os testemunhos de apreço, escorregara na paixão, que lhe devastava, agora, a juventude em psicose e doença. Preocupava-se, afligia-se.
Encontraria recursos para sanar as dificuldades, mas, para isso, constrangia-se a solicitar-lhe concurso, a fim de que Marita sofresse menos.
Contaria com ele e, ao registrar-lhe as primeiras palavras de assentimento, baixou o tom de voz, anunciando-lhe em caráter confidencial que a filha adotiva lhe escrevera um recado. Sabia disso. Compondo o quadro estudado de interesse paternal, indagou se ele havia recebido. Ante a resposta negativa, explicou que a moça lhe endereçara um papelucho, no qual lhe rogava um encontro para a noite. Sem que lhe suspeitasse do zelo, conseguira ler o petitório, tanto assim que poderia repeti-lo. E recitou de cor o pequeno texto, sílaba a sílaba, dando a impressão de proceder assim para exteriorizar com mais segurança o próprio enternecimento.
Depois de caracterizar o papel, rogava ao rapaz dois favores: responder afirmativamente, por escrito, que estaria no local indicado, atendendo ao horário certo, e abster-se de comparecer no momento preciso.
Fantasiou que a menina andava desorientada, enferma. Temia um choque. Não dispunha de outro remédio senão pedir-lhe aquele tipo de cooperação. Isso porque, naquele mesmo dia, estava providenciando a aquisição dos documentos necessários, para que ela fosse à Argentina, em companhia de Márcia, numa viagem de refazimento e recreio. Não seria prudente estragar-lhe o ânimo, naquela hora, com uma negação formal. Naturalmente que o interlocutor era dono de si. Agisse como melhor lhe parecesse.
Ele, porém, nos sentimentos de pai que o moviam, receava conseqüências.
Nada custaria satisfazer-se àquela particularidade que considerava providencial. Se Gilberto aprovasse a idéia, ele próprio, Cláudio, se incumbiria de buscá-la, no endereço marcado, não só com a noticia positiva da viagem, no bolso, de modo a proporcionar-lhe renovadora alegria, ao mesmo tempo que poderia apresentar a ela as desculpas dele, quanto à ausência. Compreensível que, com a autoridade afetuosa de pai amigo, se responsabilizasse pelas escusas do moço, de vez que usaria o tato imprescindível.
Por fim, consultava-o como justificá-lo, no instante oportuno, se devia alegar a razão do bolo como sendo negócios, serviços, empeços domésticos ou inesperado afastamento do Rio.
O filho dos Torres ouviu tudo, encantado.
A proposta pareceu-lhe uma peça vazada em profundo bom senso. Além disso, respirava feliz. Verificava haver encontrado alguém que o levaria, passo a passo, a libertar-se de um compromisso que lhe pesava demasiado na consciência.
Chegado a esse ponto, desinibiu-se. Perdera os derradeiros resquícios da desconfiança com que iniciara a conversação. E, ao desembaraçar-se, afixou a máscara fisionômica que julgou cabível à defesa das próprias conveniências, asseverando que dedicara a Marita uma boa amizade, de irmão para irmão, nada mais. Destacou que, efetivamente, notara nela determinadas alterações que o haviam desgostado e, já que se sentia inequivocamente atraído para Marina, afastara-se, cauteloso, na expectativa de que tempo e distância funcionassem.

Cláudio escutava, boquiaberto, admirando-lhe a delicada frieza das justificações e indagando a si mesmo qual deles dois seria maior na arte de fingir.
Francamente encorajado, Gilberto declarou que lhe compreendia as apreensões, quanto lhe aceitava conselhos e bons ofícios.
Escreveria, obrigando-se a comparecer, mas não arredaria pé de casa, mesmo porque Marina fora a Teresópolis, pela manhã, a serviço da companhia, e talvez só regressasse no dia seguinte. O senhor Nogueira, qual o chamava, em buscando a menina, às oito, estaria autorizado a comunicar-lhe, da parte dele, o agravamento da saúde materna. Não seria falso, ajuntou, porquanto a genitora extinguia-se, lentamente.
Cláudio, obtendo o que desejava, refletia no rosto a satisfação que, somada ao voluptuoso prazer do obsessor que o assessorava, parecia interesse afetivo, devotamento. Finalizando, asseverou-se notificado quanto à viagem da filha, e reportou-se, em termos carinhosos, à situação de Dona Beatriz, que ele e Márcia visitariam.
Destacou as acerbidades dos impedimentos em família, durante as moléstias longas, apelou para o otimismo necessário e, ateu confesso, chegou até mesmo a exalçar a confiança que se deve ter em Deus, no decorrer de tais circunstâncias.
Montada a obrigação que os jungia, separaram-se com abraço efusivo, enquanto, de nossa parte, rumamos do Lido para o Flamengo, penosamente intrigados, conjeturando sobre o que estaria por suceder.

CONTINUA AMANHÃ

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