segunda-feira, 19 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

doutrina que lhe permitia sentir e indagar livremente, qual filho no regaço de mãe... Em verdade, conjeturava, se Deus não existisse, se não houvesse uma vida, além da Terra, por que se entregava, daquele modo, a tão funda compunção? Se tudo na existência acabaria em animalidade e lodo, que razões lhe ditariam o suplício moral, diante da filha, que lhe inspirava contraditórios sentimentos?
Amava tanto aquela menina desventurada!... Por que não
lograra sustentar-se, na posição de pai, infenso aos impulsos do sexo? Que forças o haviam arrastado até à condição do verdugo em que se aviltara? A idéia da reencarnação relampejou-lhe na cabeça. Ele e ela remanesciam de experiências anteriores... Indubitavelmente, algemada a dominadoras alucinações afetivas, teriam vivido no passado, padecido e chorado juntos!... Aquela devoção por Marita era para ele comparável ao iceberg que mostra reduzido fragmento, ocultando o peso enorme na vastidão das águas... Naquele momento, algo lhe dizia, na acústica do espírito,
que ele, Cláudio, a trouxera, de novo, para o mundo, através da paternidade, a fim de orientá-la com limpeza e abnegação!... A sabedoria da vida restituíra-lhe o carinho, no sorriso filial, por algum tempo, para que retificasse os erros do tirano amoroso que deveria ter sido em épocas passadas e as paixões cujos rescaldos lhe calcinavam agora o coração... As realidades do destino se lhe alteavam do pensamento, belas e difusas, como o brilho dos raios de luz ao fundirem a névoa...
Ainda assim, não se desculpava. Reconhecia ter agravado os próprios débitos.
Entrevendo as realidades da vida Além-Túmulo, apelava para os amigos que vira partir!... Que se apiedassem dele e de Marita! que suplicassem a Deus para trocar-lhe a existência pela dela...
Ele que se classificava pai criminoso expiaria, no mundo espiritual, as próprias faltas, para, em seguida, renascer na Terra, mutilado, ressarcindo os débitos contraídos. Que ele se afligisse, expungindo as nódoas da alma; entretanto, que a filha vivesse e fosse feliz!... E, se lhe cabia continuar, ainda, no mundo, transportando no peito a angústia daquela hora, que a deixassem mesmo assim, abatida e muda, em seus braços! Teria forças para carregá-la. Serlhe-ia apoio, refúgio!... Que ela ficasse! que se lhe desse oportunidade de transfigurar, junto dela, todos os caprichos de homem rude em manifestações de amor puro... Aconchegá-la-ia, de algum
modo, ao coração. Obteria uma cadeira de rodas, conduzi-la-ia a qualquer parte. Acolheria sem reclamar quaisquer obstáculos; entretanto, implorava à Providência Divina poupasse Marita ao gládio da morte para que não faltasse a ele o ensejo de reajuste e reparação!...
Abracei-o, sugerindo-lhe esperança. Que não esmorecesse.
Confiasse. Quem estaria na Terra, sem problemas? Quantos, naquela mesma hora, em outros lugares, se achariam em lutas semelhantes? Aquele volume, que lhe sacudia o pensamento, se mantinha, ali, qual sinal de trânsito, na estrada do destino. Valia interpretar o remorso por marca vermelha, suscitando parada.
Conviria frear o carro dos próprios desejos e pensar, pensar!...
Todos atingimos um dia de reconciliação com a própria consciência; que não desertasse da luz que lhe acendiam na marcha. Compreendesse que a lei de Deus não se afirma em condenação, mas sim em justiça e que a justiça de Deus nunca se expressa sem piedade. Que ele meditasse, concluindo que se nós outros, os homens imperfeitos, já conseguíamos adicionar compaixão à justiça, por que motivo Deus, que é o Amor Infinito, haveria de exercê-la, implacável? Ali, transpúnhamos a escuridão da noite...
A alvorada não tardaria e, com ela, o sol diurno que chegava sempre novo!... Que levantássemos todos os sentimentos para a renovação que começava!...
Moreira, que me avistava enlaçado a ele, endereçou-me ansioso olhar, como a inquirir pelas idéias que eu lhe insuflava. Antes, porém, que me viesse substituir, cioso do lugar de conselheiro que me permitia ocupar, apelei para Cláudio, inclinando-o a iniciar, ali mesmo, a obra reparadora.
O bancário não vacilou.
Fundamente enternecido, levantou-se, caminhou na direção da cama e ajoelhou-se à cabeceira.
Confessava a si próprio que, pela primeira vez, depois de
muito tempo, fitava o semblante da filha, sem que a mais leve tisna de fascinação sexual lhe alterasse os sentimentos.
Tremeu-lhe o coração, atormentado.
Acariciou-a com uma espécie de ternura que jamais experimentara, deixou que as próprias lágrimas lhe orvalhassem o rosto e suplicou, em surdina:
– Perdão, minha filha!... Perdão para seu pai!...
A rogativa desfaleceu na garganta que os soluços embargavam...
Marita evidentemente não respondeu; no entanto, o afago paternal instilou-lhe energia diferente e tanto Moreira quanto eu próprio registramos, espantados, o gemido que ela desferiu, denotando sinais de retorno a si mesma.
Cláudio, esperançado, desligou-se. O carinho impregnara-se
nele de súbito respeito. Intimamente comparou aquele afeto imaculado que lhe nascia ao lírio alvo que desponta num charco.
Outros gemidos repetiram-se imprecisos, dolorosos...
O genitor escutava-os, ralado de angústia. Daria o que tivesse para traduzir aqueles vagidos de criança inconsciente... Conjeturou, porém, que eles exprimiam padecimentos físicos inenarráveis e agoniou-se em choro convulsivo. O ex-vampirizador, transfigurado em servo diligente, ergueu-se, presto, e veio abraçá-lo, no intuito de propiciar-lhe reconforto, mas notei que os dois amigos

CONTINUA AMANHÃ

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