domingo, 18 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Capítulo 3

Nogueira, reinstalado no aposento, ensimesmou-se, refletindo, refletindo...
Lá fora, a noite de chumbo e, com ele, o silêncio, apenas entremeado pela respiração sibilante da filha...
Se fosse unicamente Salomão o interventor inesperado! – pensava, cismarento –, e talvez não se permitiria maior detenção no assunto. Aquele vendedor de remédios que lhe confidenciara os sucessos da noite, inspirando-lhe, aliás, gratidão e simpatia, parecera-lhe excelente pessoa; entretanto, na simplicidade bonachona com que se apresentava, poderia não passar do crente de boa-fé, lamentavelmente embiocado na superstição... Agostinho,
no entanto, agitava-lhe o espírito. Comerciante abastado e instruído, não se deixaria enrolar em tapeações. Conhecia-lhe a agudeza de raciocínio, a honestidade. Além disso, possuiria ocupações mais vantajosas em que aplicar atenção e tempo.
Que doutrina aquela, capaz de induzir um cavalheiro dinheiroso, a entrar em prece, num quarto de hospital, chorando de compaixão por arrasada menina, à beira da sepultura? Que princípios impeliam, assim, um homem educado e rico a esquecer-se, no socorro aos infelizes, a ponto de tocar-lhes as matérias fecais, imbuído daquele amor, que somente os pais conhecem nas entranhas do coração?
Fitou Marita que dormia, calma, e recordou os dois homens abnegados que lhe haviam trazido alívio, sem nada perguntar...
Ele que jamais se aproximara de ensinamentos religiosos, habitualmente tratados por ele com manifesta desconsideração, acolhiase agora a vasta série de porquês.
Abafado, agoniava-se com a sede de algo... Sem o apoio fluídico de Moreira, que dedicava todas as energias à moça em decúbito, lembrou o cigarro, mas dizia de si para consigo que não era mais o cigarro o objeto que desejava.
Aspirava a sair, correr ao encontro de Agostinho e Salomão, a fim de perguntar-lhes pela fé em Deus. Anelava inteirar-se de como conseguiam entesourar tanta crença. Ambos haviam suavizado a opressão que lhe supliciava a filha... Naquele instante, indagava a si mesmo se não era igualmente digno de piedade.
Marita repousava no sono das vítimas, que a justiça resguarda na paz inviolável da consciência, enquanto que ele se atormentava na
vigília dos réus!... Reconhecia-se enfermo da alma, náufrago que afundava no redemoinho do desespero... Queria agarrar-se a alguém, a alguma coisa. Singela raiz de confiança mantê-lo-ia à margem da queda total!... A solidão asfixiava-o. Tinha fome de companhia.
Sugeri-lhe a leitura. Que ele abrisse o volume com que fora brindado. O livro conversaria em silêncio, ser-lhe-ia companheiro.
Não se comprometesse a digerir-lhe, de vez, todas as instruções.
Consultasse trechos, aqui e ali. Respigasse idéias, selecionasse conceitos.
Assimilou-me a indução e tomou a brochura, compulsando-a.
Ainda assim, tentou reagir. Acusava-se incapaz, inquieto. Não retinha a menor parcela de serenidade para ler com aplicação ao assunto.
Insisti, porém.
Os dedos nervosos tatearam o índice. Relanceou o olhar, através das legendas. No capítulo 11º, esbarrou com um item sob o título: “Caridade para com os criminosos”. Aquelas sílabas invadiram-lhe o cérebro atribulado quais gazuas de fogo. Sentia-se descoberto por tribunal invisível. Sim! – monologou, desconsolado – é imprescindível examinar-se. Na própria conceituação,
qualificava-se por malfeitor, foragido da grade. Durante o dia inteiro fora visto e acatado, ali, sob aquele teto, como sendo pai carinhoso, mas sabia-se estuprador, filicida... Carregava a dor irremediável de haver impelido a filha querida à loucura e à morte!...
Que condenações enfileiraria aquele volume contra ele?
Merecia escutar a própria sentença, junto daquela que lhe caíra sob o golpe aniquilador...
Procurou a folha indicada e oh! surpresa!... O livro não lhe amaldiçoava a presença. Leu e releu, chorando, aquelas frases que ressumavam brandura e entendimento. Identificou-se à frente de um apelo à fraternidade e à compaixão, que não pintava os delinqüentes por seres infernais, ausentes da órbita do Amor Divino. A pequena mensagem concitava à tolerância e terminava rogando preces, a benefício dos que sucumbem na voragem do mal.
As lágrimas borbotaram-lhe mais profusamente dos olhos!...
Aquelas palavras chamavam-no a razão. Percebia que o mundo e a vida deviam estar banhados de profunda misericórdia. Classificava-se por matador e achava-se ali, reconsiderando o próprio caminho, com suficiente lucidez para analisar-se e pensar... Aquele primeiro contacto com as verdades do espírito fendia-lhe, de alto a baixo, a cidadela do ateísmo. Com a sofreguidão do sedento que atravessa longo deserto, mortificado de sede, atirou-se aos textos, de cujos caracteres idéias esclarecedoras e balsâmicas vertiam, sublimes, lembrando torrentes de água pura. Esquadrinhou vários temas... Adquiriu conhecimentos rápidos acerca da reencarnação e da pluralidade dos mundos, meditou nas maravilhas da caridade e nos prodígios da fé, através das chamas imortais do Cristianismo que ali renasciam para ele, reaquecendo-lhe o coração!...
Quando olhou o relógio, os ponteiros marcavam duas da madrugada.
Varara quatro horas, mergulhado no livro, sem perceber. Sentia- se outro. O cérebro clareara-se, crivado de pensamentos renovadores que lhe suscitavam ardentes inquirições. Aquela era uma

CONTINUA AMANHÃ

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