Entretanto, a senhora Nogueira não era pessoa que renunciasse a peso e medida, em matéria de questões sociais e domésticas.
Reagiu para logo, crendo-se piegas. Não queria afundar-se em sentimentalismo, confessou, na suposição de que falava consigo mesma. Era necessário sopesar prós e contras.
Do pesar ao cálculo, mediaram apenas alguns instantes.
Efetivamente, lastimava Marita e enojava-se de Cláudio, monologou, todavia, era mãe. Nada de alhear-se ao destino da filha. Marina aprumava-se. Os Torres eram ricos, talvez riquíssimos.
Ambas as moças disputavam Gilberto. Afinal, a morte de Marita surgia por solução. Assim que pudesse chamar o esposo a brios, combinariam plano certo. Levantariam a hipótese de acidente, inventariam versão plausível. Ela própria afirmaria que concedera à jovem permissão para pernoitar em casa de parente enfermo, recomendando-lhe o regresso tão cedo quanto fosse possível para a obtenção de notícia urgente.
Indispensável maquinar situações, engenhar detalhes. Os chefes da loja, amigos de Marita, se interessariam pelos fatos. A imprensa tomaria atenção. Cabia-lhe preparar-se a fim de facear repórteres e fotógrafos. Pensou no modelo azul com que se apurava na representação a funerais e vasculhou a memória para saber onde colocara, distraída, os óculos escuros.
Quando a manhã se adiantasse, despertaria o esposo, com vista ao ajuste. Conversariam seriamente. Até lá, fantasiaria a história convinhável ao público, em função da felicidade e do futuro de Marina. Se a outra estava morta, para que preocupar-se? Importava-lhe agora a filha, somente a filha... E, depois que a filha se casasse... nada de Cláudio. Não se sentia inútil, mas andava cansada de dar no batente, suportando inibições e contrariedades por um esposo que, desde muito, se lhe fizera detestável. Não se escravizaria. Recebera um convite de Selma, companheira de infância, para negócio que considerava lucrativo, na Lapa. Na frente um café, acompanhado de aperitivos e guloseimas e, nos fundos, quartos de aluguel...
Reconhecendo que Dona Márcia se imobilizava, mentalmente, em digressões esconsas, tornamos à presença de Félix para a obtenção de roteiros precisos.
Acomodada num leito de emergência, Marita figurava-se em coma.
Félix, assistido agora por dois médicos desencarnados, em serviço na grande instituição socorrista, se mantinha sereno, apesar da tristeza que lhe velava o semblante.
Acolheu-me, paciente. Ouviu-me.
De posse das informações de que me fizera mensageiro, recomendou-me esperá-lo alguns minutos. Sairíamos, à cata de reforço.
Enquanto isso, auscultei a jovem acidentada, que jazia inconsciente, em terrível depressão. Escassas reações dos centros nervosos, anoxemia, sensíveis alterações dos capilares, lesões no peritônio. Os esfíncteres descontrolados davam passagem a líquidos e excrementos que empastavam a veste.
Félix mobilizou as providências cabíveis e rogou aos colegas desencarnados nos substituíssem por instantes.
Demandamos a residência de Cláudio.
A caminho, notei que o benfeitor, em silêncio, adensava a própria forma, transfigurando-se na apresentação. A ocorrência, que eu conseguia apenas depois de paciente elaboração mental, obtinha-a Félix com esforço ligeiro. Rápidos momentos e imprimiu ao corpo espiritual novo ritmo vibratório.
O instrutor assumira as características de um homem vulgar.
Por que a transformação?
Reagiu para logo, crendo-se piegas. Não queria afundar-se em sentimentalismo, confessou, na suposição de que falava consigo mesma. Era necessário sopesar prós e contras.
Do pesar ao cálculo, mediaram apenas alguns instantes.
Efetivamente, lastimava Marita e enojava-se de Cláudio, monologou, todavia, era mãe. Nada de alhear-se ao destino da filha. Marina aprumava-se. Os Torres eram ricos, talvez riquíssimos.
Ambas as moças disputavam Gilberto. Afinal, a morte de Marita surgia por solução. Assim que pudesse chamar o esposo a brios, combinariam plano certo. Levantariam a hipótese de acidente, inventariam versão plausível. Ela própria afirmaria que concedera à jovem permissão para pernoitar em casa de parente enfermo, recomendando-lhe o regresso tão cedo quanto fosse possível para a obtenção de notícia urgente.
Indispensável maquinar situações, engenhar detalhes. Os chefes da loja, amigos de Marita, se interessariam pelos fatos. A imprensa tomaria atenção. Cabia-lhe preparar-se a fim de facear repórteres e fotógrafos. Pensou no modelo azul com que se apurava na representação a funerais e vasculhou a memória para saber onde colocara, distraída, os óculos escuros.
Quando a manhã se adiantasse, despertaria o esposo, com vista ao ajuste. Conversariam seriamente. Até lá, fantasiaria a história convinhável ao público, em função da felicidade e do futuro de Marina. Se a outra estava morta, para que preocupar-se? Importava-lhe agora a filha, somente a filha... E, depois que a filha se casasse... nada de Cláudio. Não se sentia inútil, mas andava cansada de dar no batente, suportando inibições e contrariedades por um esposo que, desde muito, se lhe fizera detestável. Não se escravizaria. Recebera um convite de Selma, companheira de infância, para negócio que considerava lucrativo, na Lapa. Na frente um café, acompanhado de aperitivos e guloseimas e, nos fundos, quartos de aluguel...
Reconhecendo que Dona Márcia se imobilizava, mentalmente, em digressões esconsas, tornamos à presença de Félix para a obtenção de roteiros precisos.
Acomodada num leito de emergência, Marita figurava-se em coma.
Félix, assistido agora por dois médicos desencarnados, em serviço na grande instituição socorrista, se mantinha sereno, apesar da tristeza que lhe velava o semblante.
Acolheu-me, paciente. Ouviu-me.
De posse das informações de que me fizera mensageiro, recomendou-me esperá-lo alguns minutos. Sairíamos, à cata de reforço.
Enquanto isso, auscultei a jovem acidentada, que jazia inconsciente, em terrível depressão. Escassas reações dos centros nervosos, anoxemia, sensíveis alterações dos capilares, lesões no peritônio. Os esfíncteres descontrolados davam passagem a líquidos e excrementos que empastavam a veste.
Félix mobilizou as providências cabíveis e rogou aos colegas desencarnados nos substituíssem por instantes.
Demandamos a residência de Cláudio.
A caminho, notei que o benfeitor, em silêncio, adensava a própria forma, transfigurando-se na apresentação. A ocorrência, que eu conseguia apenas depois de paciente elaboração mental, obtinha-a Félix com esforço ligeiro. Rápidos momentos e imprimiu ao corpo espiritual novo ritmo vibratório.
O instrutor assumira as características de um homem vulgar.
Por que a transformação?
– André – respondeu, assimilando-me os pensamentos –, ninguém pode fazer tudo senão Deus. Você é também médico e não ignora que, em certas ocasiões, é imperioso pedir remédio ao pilriteiro. Na Terra, às vezes, para socorrer um santo é necessário dosar um veneno. Marita, em súbita decadência física, precisa agora dos préstimos de alguém que a ame infinitamente. Chegou a
hora de esmolar para ela o socorro dos que a feriram amando...
A voz do amigo carregava-se de pesar; contudo, não nos era possível comentar a filosofia que enunciava, de vez que atingíramos o prédio em que se dependurava o ninho dos Nogueiras,banhado pelo sol recém-vindo.
Subimos.
Qual aconteceu comigo na véspera, o instrutor bateu à porta semicerrada.
Após reiterados chamamentos, Moreira veio atender, como qualquer ser humano estremunhado.
Não me via, porquanto de tempo não dispusera eu para a metamorfose necessária, mas, renteando com Félix, desenrolou comprida fieira de insultos, que o benfeitor recebeu com humildade.
Quando terminou, algo desenxabido pela ausência de qualquer resposta que lhe alimentasse a ira gratuita, Félix comunicou-lhe o acidente. Sabia-o interessado na proteção da moça, rogava-lhe amparo. Diante da incredulidade com que era acolhido, solicitou-lhe fizesse a gentileza de verificar se a menina amanhecera no lar.
Moreira correu ao interior e voltou, coçando a cabeça. Sim, atenderia ao apelo, mas não despertaria o dono da casa enquanto não averiguasse a realidade.
Carrancudo, ladeou o instrutor, sem dizer palavra, do Flamengo ao estabelecimento de socorro público, mas, topando a moça, entregue à miserabilidade orgânica, o peito se lhe explodiu
hora de esmolar para ela o socorro dos que a feriram amando...
A voz do amigo carregava-se de pesar; contudo, não nos era possível comentar a filosofia que enunciava, de vez que atingíramos o prédio em que se dependurava o ninho dos Nogueiras,banhado pelo sol recém-vindo.
Subimos.
Qual aconteceu comigo na véspera, o instrutor bateu à porta semicerrada.
Após reiterados chamamentos, Moreira veio atender, como qualquer ser humano estremunhado.
Não me via, porquanto de tempo não dispusera eu para a metamorfose necessária, mas, renteando com Félix, desenrolou comprida fieira de insultos, que o benfeitor recebeu com humildade.
Quando terminou, algo desenxabido pela ausência de qualquer resposta que lhe alimentasse a ira gratuita, Félix comunicou-lhe o acidente. Sabia-o interessado na proteção da moça, rogava-lhe amparo. Diante da incredulidade com que era acolhido, solicitou-lhe fizesse a gentileza de verificar se a menina amanhecera no lar.
Moreira correu ao interior e voltou, coçando a cabeça. Sim, atenderia ao apelo, mas não despertaria o dono da casa enquanto não averiguasse a realidade.
Carrancudo, ladeou o instrutor, sem dizer palavra, do Flamengo ao estabelecimento de socorro público, mas, topando a moça, entregue à miserabilidade orgânica, o peito se lhe explodiu
CONTINUA AMANHÃ
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