quinta-feira, 1 de novembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

enquanto o “outro” se demorava a enlaçá-lo, estampando no rosto larga expressão de astúcia.
A empreiteira de regalias noturnas cortou a pausa longa, repetindo que não lhe era lícito esquivar-se; entretanto, acrescentou, ladina, que ele, Cláudio, era cliente de sua casa e, por isso, colocava-o ao corrente dos fatos, não só por dever de lealdade aos
fregueses, como também para evitar aborrecimentos, suscetíveis de atrair os olhos da polícia que nunca interferira nas acomodações e negócios que lhe diziam respeito.
Para isso, inteirava-o de tudo e pedia conselhos.
Nogueira reprimiu a cólera e vimo-lo interessado em concentrar-se mentalmente, esquadrinhando a cabeça, à cata de idéias.
Ignorando, embora, que se acostumara a absorver-se nas sugestões de uma inteligência estranha à dele, buscava-lhe, sequioso, os estímulos, supondo naturalmente que batia às portas da imaginação para desencravar os pensamentos.
Obsessor e obsidiado passaram a trocar impressões, de cérebro a cérebro. Alguns momentos de ajuste silencioso e mecânico, que um observador terrestre interpretaria como sendo vertiginosa fabulação, e os dois entraram em acordo implícito.
Alcançamos semelhante conclusão, pela rama, ao vê-los repentinamente asserenados, já que não me sentia capaz de verificar-lhes planos e intentos, forçado que me reconhecia a dividir atenções, entre eles e a recém-vinda, cujos informes e apontamentos não me cabia perder.
Cláudio esboçou um sorriso amarelo. Em seguida, agradeceu a gentileza de que se tornava objeto, passando a extravasar as alegações fantasiosas que começara a elaborar. Disse à amiga, surpresa, que Marita realmente assumiria, talvez em dias breves,
compromisso de matrimônio com o rapaz e que, não obstante considerasse a entrevista mencionada pura irreflexão de jovens, concordava em que madame Crescina levasse o bilhete, alcovitando a conferência afetiva.
Logicamente, acrescentou a mascarar-se de bom-humor, que os meninos teriam entrado em arrufo e aspiravam à reconciliação.
Sim, não iria pessoalmente criar qualquer obstáculo. Preferia aconselhar a filha, no dia seguinte.
Entretanto, aduziu após refletir um minuto em consonância com o amigo invisível, gratificá-la-ia por um obséquio, de vez que tendo paternal interesse em que se efetuasse o encontro dos jovens,
aos quais se permitia chamar “quase noivos”, solicitava-lhe fosse o bilhete entregue somente às duas da tarde, horário em que Gilberto estaria no escritório com toda a certeza.
Dona Crescina prometeu satisfazê-lo, recolhendo a gorjeta e anunciando que telefonaria para a moça, depois do ajuste, a sorrirem-se ambos no aperto de mãos.
Restituído a si próprio, Nogueira, sempre enlaçado pelo obsessor, não se deu tempo a maiores reflexões.
Aproximou-se do telefone e vacilou um instante. Pensou consigo que essa era a primeira vez que se dirigiria ao rapaz que detestava.
A hesitação, porém, não passou de segundos.
Discou, resoluto, para Gilberto.
Atendido, prontamente, formulou a consulta, untando a voz de cortesia. Se possível, desejava vê-lo e ouvi-lo, solicitar-lhe um favor com vantagens mútuas, mas rogava-lhe a gentileza da discrição.
Entendimento pessoal para aquele instante.
O rapaz gaguejou do outro lado, denotando viva emoção, e aquiesceu sem muitas palavras.
Ambos consultaram o relógio. Onze em ponto. Ele, Cláudio, seguiria de táxi para o almoço, em casa, no Flamengo, e esperá-lo-ia no Lido. Não se preocupasse o interlocutor.
Conheciam-se bastante, embora sem contactos pessoais. Além disso, abordá-lo seria fácil para ele. Conhecia-lhe o carro.
Efetivamente, escoados que foram alguns minutos, achávamo-nos os quatro, Cláudio, Gilberto, o assessor espiritual de Nogueira e eu, no lugar indicado.
O jovem, muito pálido, assemelhava-se ao aluno culpado que comparece diante do professor, mas o sorriso largo e calculado com que era recebido colocou-o à vontade, mais apressadamente que supunha.
Caminharam, lado a lado, permutando banalidades sobre o tempo, até que se instalaram num recanto de bar, à frente de um guaraná que tocaram, de leve.
Cláudio, aparando as cinzas do cigarro, de momento a momento, esforçava-se, quanto possível, por parecer natural.
Invariavelmente ligado ao vampirizador que o não perdia, começou dizendo ao filho de Nemésio que lhe entendia a situação com clareza; que o sabia, de certo modo, inclinado para Marina, a filha legítima, e que, na condição de genitor, conquanto se visse na obrigação de preservar-lhe a felicidade, não devia bisbilhotar, à margem de assuntos privativos deles dois; entretanto, acentuava, dramático, criara Marita, igualmente por filha; amava-a, enternecidamente, e anelava para ela o bem-estar que sonhava para a outra.
Gilberto, inexperiente, escutava embasbacado, comovido.
O antigo bancário, aparentando elevada condescendência, asseverou que, em verdade, somente atribuiria ao destino a coincidência que vinha de observar, porquanto se achava convencido de que ambas as meninas queriam o moço, talvez com análogo afeto.

CONTINUA AMANHÃ

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