domingo, 7 de outubro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Capítulo 7

Entramos em aposento contíguo, onde encontramos jovem franzina, em dorida atitude. 
Sentada num dos leitos que se estiravam no quarto gracioso e limpo, refletia, torturada, permitindonos entrever-lhe o drama oculto.
O irmão Félix apresentou-a.
Tratava-se de Marita, que os donos da casa haviam perfilhado ao nascer, vinte anos antes.
Bastou uma vista de olhos para que me condoesse ao contemplá-la.
Rosa humana, embora exalasse a fragrância da juventude, aquela moça, quase menina, de mãos enclavinhadas sob o queixo, matutando, parecia carregar o peso estafante de tribulações cronicificadas e dolorosas.
Figurava-se-lhe a cabeleira ondeada lindo toucado de veludo castanho sobre a cabeça. 
O rosto esculpido em linhas raras, os olhos escuros contrastando com a brancura da tez, as mãos pequenas e as unhas róseas complementavam belo manequim de carne, apresentando por dentro uma criança assustada e ferida.
Tristeza maquilada. 
Aflição no disfarce de flor.
Obedecendo a instruções de Félix, abordei-a, enternecido, rogando-lhe, mentalmente, algo esclarecesse, em torno de si própria.
Desde o contacto com Nemésio, o benfeitor ensaiava-me, provavelmente sem querer, em novo gênero de anamnese: consultar o enfermo espiritual em pensamento, evidenciando a terna compreensão que um pai deve aos filhos, a fim de pesquisar conclusões para o trabalho assistencial.
Compelido a operar individualmente, recompus emoções.
Recobrei os sentimentos paternais que me haviam animado entre os homens e cravei o olhar indagador naquela criaturinha cismarenta, imaginando-a por filha de minha alma.
Solicitei-lhe, sem palavras, confiasse em nós, desoprimindose.
Relacionasse, por gentileza, as suas impressões mais recuadas no tempo. 
Desenovelasse o passado.
Reconstituísse na lembrança tudo o que soubesse de si, nada escondesse.
Propúnhamo-nos auxiliá-la.
Não conseguiríamos, porém, agir ao acaso.
Era imprescindível que ela se nos revelasse, arrancando à câmara da memória as cenas arquivadas desde a infância, expondo-as na tela mental para que as analisássemos, imparcialmente, de maneira a conduzir as atividades socorristas que intentaríamos
desenvolver.
Marita assimilou-nos o apelo, de imediato.
Incapaz de explicar a si mesma a razão pela qual se via instintivamente constrangida a rememorar o pretérito, situou o impulso mental no ponto em que obtinha o fio inicial das suas recordações.
Os quadros da meninice se lhe estamparam na aura, movimentados como num filme.
Vimo-la pequenina, hesitante, nos passos primeiros.
E, enquanto desfilavam os painéis ingênuos do que lhe havia acontecido, logo após o soerguimento do berço, ela alinhavava elucidações inarticuladas, respondendo-nos às perguntas.
Sim – relembrava, supondo falar consigo –, não era filha dos Nogueiras.
Dona Márcia, a esposa de Cláudio, adotara-a.
Nascera de jovem suicida. 
Aracélia, a mãezinha que não conhecera, fora tomada a serviço do casal, por ocasião do matrimônio daqueles que o destino lhe impusera na condição de pais. 
Quando se entendera por gente grande, a genitora de Marina lhe dera a saber, através de informações pessoais, a breve história da mulher simples
e pobre que a trouxera ao mundo. Recém-chegada do interior,

CONTINUA AMANHÃ

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