segunda-feira, 22 de outubro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

sempre imoral, indigno, mentiroso, mas, por amor à família, esqueço tudo isso, para que você conheça toda a situação...
Refletindo na conveniência de sensibilizá-lo para os efeitos a que se propunha, Dona Márcia baixou calculadamente a escala de rispidez, abrandando a inflexão da voz que se tornara por demais agressiva.
– Cláudio, atenda – continuou quase melíflua –, Marina, obediente, nunca me ocultou a verdade. Não proceda com malícia; desde a piora da esposa do senhor Nemésio, vem repartindo, caridosamente, o tempo, entre as obrigações do emprego e o lar do chefe, onde a infeliz senhora vem morrendo, pouco a pouco...
Impossível que você não lhe admire a abnegação, porque, de modo algum, precisaria interessar-se pela vida íntima da família Torres, a ponto de velar junto deles, por várias noites consecutivas, por simples espírito de sacrifício... Não sei se você chega a vê-la, quando volta de manhã, mostrando fundas olheiras e faces pisadas.
Na mente inventiva do interlocutor, entretanto, operava-se complicada reviravolta. Assinalando as palavras injuriosas de Dona Márcia, sentira ímpetos de esbofeteá-la. A indignação ruborizara-o; todavia, conteve-se. Não que desistisse de revidar chasqueando, mas permanecia convicto de que Marita escutava. Aspirava a conquistá-la a qualquer preço. Mormente agora que se declarara, não estava inclinado a recuar. Prosseguiria. Dona Márcia, enganada, aceitara a versão do pesadelo e acreditava que a moça dormisse, de vez que lhe recebera a presença no quarto sem dizer palavra.
Ele, porém, sabia-se ouvido, examinado. Não adotaria qualquer procedimento incompatível com a galanteria que começara a desenvolver. Se esbravejasse, agravaria a distância. Deliberou agüentar remoques e insultos, fossem quais fossem, estudando como orientar-se na conversa para tirar o melhor partido.

Além disso, o amigo desencarnado, ao lado dele, acalentavalhe a rijeza de alma, insuflando-lhe idéias. A fabulação de um complementava-se no outro. Concluíam, juntos, que se fazia mais razoável para eles examinar minudências e falar com intenção.
Manejariam Márcia para alcançar Marita. A interlocutora serlhes-ia instrumento. Usa-la-iam por trampolim, rumo ao alvo.
Todas essas considerações relampeavam no espírito de Cláudio, enquanto a senhora se empenhava justificar-se, na defesa da filha. Dominado pelos novos pensamentos, não sorriu, mas suavizou a expressão, como quem se resigna aos ditames da paciência.
Algo desarmada por aquela impassibilidade que se lhe figurava benevolência, Dona Márcia continuou:
– Acontece que o senhor Torres se encontra francamente desarvorado, diante da tragédia que a fortuna dele não pode conjurar.
Dinheiro farto e coração abatido, negócios prosperando e morte à vista. Nossa menina compadeceu-se. Tanto amparou a doente que acabou descobrindo os sofrimentos do homem que se aproxima, conscientemente, da viuvez... É por isso que vem buscando revigorá-lo, como pode...
– Mas, assim como estão fazendo? Afogando-se em bebidas e prazeres noturnos, em que os dois se assemelham a duas crianças destemperadas? Não os vi rezando pela tranqüilidade da enferma...
– Deixe de ironias. Você, com toda a certeza, numa situação igual, não se consolaria com lágrimas, procuraria distrações. Não há inconveniente algum em que o senhor Torres, numa hora dessas, se dirija para um ambiente alegre, a fim de ganhar forças, e não vejo maldade em que trate Marina por filha dele próprio, afagando-a por boneca mimada que sempre foi. Muito justo, muito claro. Dona Beatriz e o esposo conseguiram somente um filho, não tiveram, como nós, a ternura de uma filhinha no lar e nem adotaram alguma pequenina estranha a eles. Marina dá conta a mim, que sou mãe, de tudo o que se passa. Você sabe que ela é profundamente sensível e carinhosa. Tem muita pena do chefe e tenta reconfortá-lo...
– Reconfortá-lo? – gracejou Cláudio, retomando a galhofa.
– Não adiantam sarcasmos – rogou Dona Márcia, afetando desapontamento. – Nossa filha vem agindo corretamente. Tanto assim que a nossa conversa deve esclarecer grave assunto.
E, alterando o tom de voz, que se fez mais persuasivo e mais doce:
– Você não ignora que Marita se enamorou, há meses, de Gilberto, o filho dos Torres. Vendo, de minha parte, os dois, em ligação constante, acreditei piamente que o jovem nutrisse por ela uma inclinação segura.
Misturando reserva e malícia, passou a historiar-lhe as entrevistas, os passeios, os telefonemas, os bilhetes... Salientou que se afligira ao apanhá-los, a sós, numa excursão domingueira, em plena floresta da Tijuca, dias atrás. Admitia que seria preciso examinar-lhes o caso. Aborrecera-se ao descobri-los, assim, positivamente isolados, sob as árvores. Mulher e mãe, inquietava-se ao pensar na filha adotiva...
Cláudio, nessa altura, marcava-lhe os avisos, de olhos em fogo e coração aos saltos.
Então Márcia também sabia... Aquele jeito arisco da esposa nas confidências não o enganava. Indubitavelmente, ela senhoreava minúcias que preferia esconder. Não chegava Paquetá. A mataria, igualmente, fora teatro dos colóquios e beijos que detestava.
Não esperava aquele noticiário miúdo na própria casa. Não supunha a mulher, assim, consciente da situação de que se conjeturava exclusivo conhecedor... Naquele minuto, olvidava a menina que se lhe desenvolvera nos braços, anulava-se na condição do pai, chamado a zelar-lhe o nome. Irrompia nele o animal ferido, o

CONTINUA AMANHÃ

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