à esposa resumisse, quanto possível, o que tinha a dizer-lhe.
Queria ler, pensar, refazer-se.
A esposa fingiu não ver o olhar irônico que ele lhe endereçava e começou referindo-se ao cansaço de que se sentia possuída.
Possivelmente, ele próprio ignorasse; entretanto, submeterase a vários exames, por solicitação do ginecologista.
Queria ler, pensar, refazer-se.
A esposa fingiu não ver o olhar irônico que ele lhe endereçava e começou referindo-se ao cansaço de que se sentia possuída.
Possivelmente, ele próprio ignorasse; entretanto, submeterase a vários exames, por solicitação do ginecologista.
Desde muito, atravessava as noites em claro, sofria palpitações, sufocações, sensação estranha de peso, calores no peito.
O médico acreditava em menopausa precoce e receitara.
Ela, contudo, supunha-se depauperada, neurastênica.
Exauria-se nos problemas domésticos.
A arrumadeira despedira-se.
A arrumadeira despedira-se.
E, desde que se fora, via-se obrigada a passar roupa, encerar e, de certo modo, auxiliar no fogão para que Dona Justa não esmorecesse.
O conserto da geladeira custara um dinheirão. As contas, no fim do mês, haviam aumentado.
Marina trouxera duas gratificações que recebera em serviço extraordinário, mas, ainda assim, estava onerada.
Marina trouxera duas gratificações que recebera em serviço extraordinário, mas, ainda assim, estava onerada.
Tinha necessidade de quinze mil cruzeiros.
Nesse tópico da entrevista, o interlocutor fitou-a, sarcástico, e indagou:
– É só?
A interrogação, carregada de zombaria, pairou no ar da mesma forma que uma chicotada cortante.
Dona Márcia emudeceu, ao impacto da desconsideração inesperada.
O marido não dispensara sequer a mínima atenção aos padecimentos orgânicos de que se queixara. Desconhecia-lhe, de propósito, os achaques.
Nesse tópico da entrevista, o interlocutor fitou-a, sarcástico, e indagou:
– É só?
A interrogação, carregada de zombaria, pairou no ar da mesma forma que uma chicotada cortante.
Dona Márcia emudeceu, ao impacto da desconsideração inesperada.
O marido não dispensara sequer a mínima atenção aos padecimentos orgânicos de que se queixara. Desconhecia-lhe, de propósito, os achaques.
Enquanto relacionava os incômodos de que se via acometida, assustara-se ao divisar-lhe a dura expressão dos olhos frios.
Conhecia aquela atitude gelada de profundo desdém.
Ao passo que se lamentava, tinha a impressão de que ele, Cláudio, lhe perguntava em pensamento: “por que não acaba você de morrer?”
Ao passo que se lamentava, tinha a impressão de que ele, Cláudio, lhe perguntava em pensamento: “por que não acaba você de morrer?”
Em outras ocasiões, chegara a enunciar semelhante inquirição, com palavras redondas, claramente pronunciadas e repetidas.
Por que tanto ódio? indagava a si mesma.
Por que tanto ódio? indagava a si mesma.
Não contava receber uma ternura que os atritos incessantes haviam incinerado entre ambos; contudo, cria-se com direito a pequeno retalho de acatamento.
Se ele adoecia, de leve, conquanto não o amasse, vigiavalhe a cabeceira. Zurzia o clínico da família pelo telefone.
Se ele adoecia, de leve, conquanto não o amasse, vigiavalhe a cabeceira. Zurzia o clínico da família pelo telefone.
Todas as providências à hora.
Entretanto, ao referir-lhe o tratamento que reputava importante, a fim de evitar uma cirurgia comprometedora, recebia dois monossílabos secos que o marido lhe pespegava no rosto, como se a repelisse com dois calhaus.
Persistindo o silêncio que se alongava, Cláudio fez menção de retirar-se; contudo, a esposa frustrou-lhe o impulso, exclamando, agora irritadiça:
– Não saia. É preciso que você fique. Esta casa não é minha só. Acaso, não está vendo? Marina e Marita... Criam-se os filhos com desvelo, com carinho... Em crianças, são anjos; crescidos, são pesadelos. Tenho sofrido calada, mas agora... Isso não pode continuar sem que você se mexa. Entre uma e outra, não é possível a indiferença. Acolhi essa menina estranha em meus braços como se fosse minha própria filha. Suportei afrontas, esqueci minha saúde, meu tempo... Não me poupei, fiz o que pude... Nada lhe faltou, entretanto, hoje...
– Hoje, o quê? – revidou o esposo, admirado.
– Pois você não percebe a humilhação a que Marina se expõe? – acentuou a companheira, em lágrimas súbitas, qual se estivesse habituada a chorar, quando quisesse. – Você não enxerga as dificuldades de nossa filha?
Cláudio riu-se, como quem decidira zombetear.
– Márcia, deixe de cenas... Você fala em Marina, como se a nossa desmiolada estivesse na forca. Não entendo. Vejo-a feliz e desorientada, como nunca. Se me detiver em qualquer problema dela, será para admoestá-la, reprimi-la. Não fosse você com o desregramento de suas concessões e com os seus maus exemplos, haveria de corrigi-la, ainda que obrigado a interná-la no hospício...
– Que ouço, meu Deus? – gritou a senhora.
Estancara-se-lhe o pranto, alarmada que se achava, ao verificar o rumo improviso do entendimento.
– Você ouve a pura verdade – prosseguiu Cláudio, implacável. – Ainda anteontem, impelido por dever da profissão a comparecer num coquetel, oferecido a um dos chefes, numa casa de regalias noturnas, fui constrangido a pretextar uma enxaqueca e afastar-me. Sabe por quê? Nossa filha, que você pretende inculcar por santa, estava lá, positivamente nos braços de um cavalheiro maduro e bem-posto, que não a beijava paternalmente. Senti tanta vergonha, que pedi a um colega me representasse, e sai, à pressa,
antes que Marina me percebesse.
– Oh! a pobrezinha! ... – objetou Dona Márcia, faces em fogo, tremendamente revoltada.
Naquele instante, os dois tiravam, mecanicamente, os últimos disfarces. Postavam-se, em espírito, um à frente do outro, com rudeza indissimulável. Dois inimigos soberanos, aversão contra aversão.
E o diálogo azedo continuou:
– Pobrezinha, por quê?
A esposa mediu-o, de alto a baixo, com um olhar de zombaria, e passou a acusá-lo:
– Não quero discutir agora a sua presença de homem velho e casado, numa casa de tolerância, pois não acredito nessa história de homenagens a chefes, em horas avançadas da noite. Você foi
Persistindo o silêncio que se alongava, Cláudio fez menção de retirar-se; contudo, a esposa frustrou-lhe o impulso, exclamando, agora irritadiça:
– Não saia. É preciso que você fique. Esta casa não é minha só. Acaso, não está vendo? Marina e Marita... Criam-se os filhos com desvelo, com carinho... Em crianças, são anjos; crescidos, são pesadelos. Tenho sofrido calada, mas agora... Isso não pode continuar sem que você se mexa. Entre uma e outra, não é possível a indiferença. Acolhi essa menina estranha em meus braços como se fosse minha própria filha. Suportei afrontas, esqueci minha saúde, meu tempo... Não me poupei, fiz o que pude... Nada lhe faltou, entretanto, hoje...
– Hoje, o quê? – revidou o esposo, admirado.
– Pois você não percebe a humilhação a que Marina se expõe? – acentuou a companheira, em lágrimas súbitas, qual se estivesse habituada a chorar, quando quisesse. – Você não enxerga as dificuldades de nossa filha?
Cláudio riu-se, como quem decidira zombetear.
– Márcia, deixe de cenas... Você fala em Marina, como se a nossa desmiolada estivesse na forca. Não entendo. Vejo-a feliz e desorientada, como nunca. Se me detiver em qualquer problema dela, será para admoestá-la, reprimi-la. Não fosse você com o desregramento de suas concessões e com os seus maus exemplos, haveria de corrigi-la, ainda que obrigado a interná-la no hospício...
– Que ouço, meu Deus? – gritou a senhora.
Estancara-se-lhe o pranto, alarmada que se achava, ao verificar o rumo improviso do entendimento.
– Você ouve a pura verdade – prosseguiu Cláudio, implacável. – Ainda anteontem, impelido por dever da profissão a comparecer num coquetel, oferecido a um dos chefes, numa casa de regalias noturnas, fui constrangido a pretextar uma enxaqueca e afastar-me. Sabe por quê? Nossa filha, que você pretende inculcar por santa, estava lá, positivamente nos braços de um cavalheiro maduro e bem-posto, que não a beijava paternalmente. Senti tanta vergonha, que pedi a um colega me representasse, e sai, à pressa,
antes que Marina me percebesse.
– Oh! a pobrezinha! ... – objetou Dona Márcia, faces em fogo, tremendamente revoltada.
Naquele instante, os dois tiravam, mecanicamente, os últimos disfarces. Postavam-se, em espírito, um à frente do outro, com rudeza indissimulável. Dois inimigos soberanos, aversão contra aversão.
E o diálogo azedo continuou:
– Pobrezinha, por quê?
A esposa mediu-o, de alto a baixo, com um olhar de zombaria, e passou a acusá-lo:
– Não quero discutir agora a sua presença de homem velho e casado, numa casa de tolerância, pois não acredito nessa história de homenagens a chefes, em horas avançadas da noite. Você foi
CONTINUA AMANHÃ
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