sexta-feira, 19 de outubro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Alterando o tratamento paternal de que se valia, rugiu, brutalizado:
– Marita, fique sabendo que você agora não é mais criança! Você é apenas mulher, não passa de mulher, mulher...
A jovem soluçava. Reconhecendo-se descoberta nas mais íntimas nuanças da conduta impensada, não ousava erguer a fronte.
Neves, incapaz de remover o próprio assombro, abeirou-se de mim, rezingando:
– Você está vendo? Este homem será louco ou desbriado?
Temendo-lhe a impulsividade, fi-lo recordar as atitudes ponderosas e cristãs do irmão Félix, informando, discretamente, que me achava em oração, a exorar o auxílio da esfera superior, porquanto, ali, não dispúnhamos de maiores recursos para impedir um assalto passional de penosas conseqüências.
– Oração? – chasqueou o companheiro, positivamente desencantado – não creio que os anjos se ocupem de casos como este.
Aqui, meu amigo, e em outros lugares onde tenho visto muito bicho velho fantasiado de gente, só a polícia...
Efetivamente, os anjos pessoalmente não nos atenderam às rogativas silenciosas, enunciadas desde o início da cena desagradável; no entanto, o socorro apareceu.
Ouviu-se barulho de ferrolho em ação e alguém penetrou em casa, ruidosamente.
Sobreveio o choque providencial.
Cláudio, em sobressalto, desligou-se do hipnotizador, que se lhe postou de lado, um tanto desenxabido.
Marita cobrou energias, regressando ao leito, enquanto o chefe do lar se recompunha à pressa.
Espantados, notamos, porém, a surpreendente capacidade de fabulação da qual Nogueira dava mostras. Ele próprio, sem qual quer ingerência do obsessor, começou a tramar em pensamento a desculpa com que se justificaria.
Agindo quase que mecanicamente, libertou a porta que havia prendido, perspicaz, abriu janela próxima e, de imediato, esbelta senhora surgiu, indagando, apreensiva:
– Que é que há?
Tratava-se da esposa que voltara, de imprevisto.
Dona Márcia alegava susto, asseverando ter ouvido um vozeirão ao chegar. Cláudio, no entanto, repondo a máscara das conveniências, entornou pela boca a versão que inventara, ali, naquele momento, diante de nós.
Fixou a moça, de modo significativo, e tranqüilizou a senhora, dizendo-lhe, com a maior sem-cerimônia, que chegara a casa, momentos antes, encontrando o gás do fogão a volatilizar-se.
Fechara as saídas que a cozinheira deixara abertas e exortou a que se lhe chamasse a atenção, no dia seguinte. Dona Justa, a companheira do serviço doméstico, devia examinar os aparelhos da casa,
minuciosamente, antes de se retirar. Acentuou que, atemorizado, descerrara as janelas, arejando o ambiente. Quando envergava o pijama, aduziu com absoluta seriedade a lhe transparecer do semblante, ouvira gemidos agoniados. Correu ao aposento das meninas, surpreendendo Marita a gritar, inconsciente. Sonâmbula, sonâmbula como sempre... Acordara-a, atarantado, averiguando, porém, que tudo estava em ordem.
A jovem, mergulhada na penumbra, cobriu o rosto com o lenço para ocultar as lágrimas, abandonando-se à inércia, como se transferisse a cabeça de um sono para outro.
A recém-chegada riu-se, sem suspeitar, de leve, do vulcão que faceava, e, qual se desejasse compensar-lhe a indiferença, Cláudio, de volta ao salão, esboçou um aceno gentil, convidando Márcia a descansar.

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: