fere com isso. No começo, o corte sangrava, mas coração calejado não sente. Habituei-me a detestá-la. Dar-lhe o dinheiro que exige, para que suma depressa, é hoje o que me consola... Por outro lado, Marina, cujo afeto poderia proporcionar-me algum reconforto, faz empenho de humilhar-me com a própria devassidão! Sou um homem falido. Dias surgem, nos quais me reconheço o palhaço mais desditoso da Terra...
Nesse ponto, sob o governo do obsessor, a voz de Cláudio entravara-se na garganta.
Alterara-se de todo, comovido na aparência.
Com isso, amolgara-se a jovem, sinceramente compadecida, e, concluindo que atingira o alvo a que se propunha, acrescentou, exaltado:
– Só você, somente você me prende ao lar infeliz. Ainda agora, o Banco me propôs excelente comissão em Mato Grosso; entretanto, pensei em você e desisti... Por você, filha, tolero os insultos de Márcia, as ingratidões de Marina, os dissabores da profissão, os aborrecimentos cotidianos. Conseguirá você compreender-me?
A moça suspirou, diligenciando expulsar de si as vibrações de sensualidade com que a “dupla” lhe envolvia a cabeça, e falou, calma:
– Sim, papai, entendo as dificuldades que são nossas...
– Nossas! – repetiu ele, ganhando novas energias para chegar à meta –, sim, minha filha, as dificuldades são nossas, mas é preciso que você saiba que nossas também devem ser as esperanças e as alegrias. Anseio pelo instante em que você me veja não exclusivamente por pai...
Atentando no olhar da infortunada menina que se tocara de
imenso espanto, acentuou num supremo esforço por revelar-se:
Nesse ponto, sob o governo do obsessor, a voz de Cláudio entravara-se na garganta.
Alterara-se de todo, comovido na aparência.
Com isso, amolgara-se a jovem, sinceramente compadecida, e, concluindo que atingira o alvo a que se propunha, acrescentou, exaltado:
– Só você, somente você me prende ao lar infeliz. Ainda agora, o Banco me propôs excelente comissão em Mato Grosso; entretanto, pensei em você e desisti... Por você, filha, tolero os insultos de Márcia, as ingratidões de Marina, os dissabores da profissão, os aborrecimentos cotidianos. Conseguirá você compreender-me?
A moça suspirou, diligenciando expulsar de si as vibrações de sensualidade com que a “dupla” lhe envolvia a cabeça, e falou, calma:
– Sim, papai, entendo as dificuldades que são nossas...
– Nossas! – repetiu ele, ganhando novas energias para chegar à meta –, sim, minha filha, as dificuldades são nossas, mas é preciso que você saiba que nossas também devem ser as esperanças e as alegrias. Anseio pelo instante em que você me veja não exclusivamente por pai...
Atentando no olhar da infortunada menina que se tocara de
imenso espanto, acentuou num supremo esforço por revelar-se:
– Marita, pareço um velho, mas você me fará jovem... O coração é seu, seu...
O obsessor, com trejeitos de lascívia, prelibava o lance final.
Marita, no entanto, percebendo a intenção inequívoca do homem apaixonado, que arrojava o rosto maduro e bem tratado sobre o dela, intentou recuar.
– Não, não! – gemeu, suplicante, ao sentir-lhe o hálito.
Cláudio, porém, cujas forças jaziam somadas à valentia do “outro”, enlaçava-lhe o busto, copiando o procedimento de um jovem mal comportado.
Qual se houvéramos combinado previamente a defesa, Neves e eu saltamos na direção dela, ofertando-lhe as mãos, para que pudesse arrancar-se, e a vítima, crendo apoiar-se nos próprios recursos, conseguiu levantar-se num prodígio de ligeireza, estacando, à frente dele, que a fitava, agora, com a expressão desconfiada de um animal repentinamente ferido.
– Papai, não me faça mais infeliz... Poupe-me a humilhação!...
O dono da casa, ao impacto da recusa imprevista, pareceu desligar-se do amigo desencarnado, lembrando a fera que se desvencilhasse, de inopino, do encantamento mantido pelo domador; entretanto, o parceiro trazia uma carga de paixão vigorosa demais para desistir facilmente. Retomou, impetuoso, o próprio
domínio, a ponto de antepor a máscara fisionômica ao semblante de Cláudio. Cerrava os punhos, despedia cólera letal. Estabeleciase pavoroso conflito na mente de cada um. Num deles, o desapontamento e o desespero, no outro, a malignidade e a agressão.
O pai adotivo, carregando o estranho fardo de angústia, mesclada de revolta, incapaz de compreender os sentimentos contraditórios que o faziam avizinhar-se da loucura, passou a clamar, inconsiderado:
O obsessor, com trejeitos de lascívia, prelibava o lance final.
Marita, no entanto, percebendo a intenção inequívoca do homem apaixonado, que arrojava o rosto maduro e bem tratado sobre o dela, intentou recuar.
– Não, não! – gemeu, suplicante, ao sentir-lhe o hálito.
Cláudio, porém, cujas forças jaziam somadas à valentia do “outro”, enlaçava-lhe o busto, copiando o procedimento de um jovem mal comportado.
Qual se houvéramos combinado previamente a defesa, Neves e eu saltamos na direção dela, ofertando-lhe as mãos, para que pudesse arrancar-se, e a vítima, crendo apoiar-se nos próprios recursos, conseguiu levantar-se num prodígio de ligeireza, estacando, à frente dele, que a fitava, agora, com a expressão desconfiada de um animal repentinamente ferido.
– Papai, não me faça mais infeliz... Poupe-me a humilhação!...
O dono da casa, ao impacto da recusa imprevista, pareceu desligar-se do amigo desencarnado, lembrando a fera que se desvencilhasse, de inopino, do encantamento mantido pelo domador; entretanto, o parceiro trazia uma carga de paixão vigorosa demais para desistir facilmente. Retomou, impetuoso, o próprio
domínio, a ponto de antepor a máscara fisionômica ao semblante de Cláudio. Cerrava os punhos, despedia cólera letal. Estabeleciase pavoroso conflito na mente de cada um. Num deles, o desapontamento e o desespero, no outro, a malignidade e a agressão.
O pai adotivo, carregando o estranho fardo de angústia, mesclada de revolta, incapaz de compreender os sentimentos contraditórios que o faziam avizinhar-se da loucura, passou a clamar, inconsiderado:
– Isto é a explosão de muitos sofrimentos acumulados. Fiz tudo para esquecer e não pude... Que fazer com esta inclinação que me arrasta? Sou palha no vento, minha filha! Desde que a vi menina, carrego esta idéia fixa... Se eu fosse religioso, diria que um demônio mora dentro de mim. Um demônio que me atira constantemente sobre você. Em sua presença, quero pensar em você, como sendo minha filha, crescida em meus braços e não posso... Li muitos livros de Ciência para saber o que se passa, mas o enigma continua. Quis procurar um médico; entretanto, senti vergonha de mim próprio... É só você que eu vejo em tudo! Odeio Márcia, desprezo Marina... Tenho acalentado a esperança de uma viuvez que nunca chega, a fim de oferecer-me a você, sem condições...
Tenho ciúmes, ciúmes que me afogam a alma em labaredas...
Detesto esse rapaz leviano, inconsciente...
A voz de Cláudio amaciara-se, adquirindo tom lacrimoso. Identificava-se-lhe o abalo sentimental. O perseguidor duplicou em desprezo tudo o que ele exprimia em emotividade, provocando inesperada reviravolta. O pai enternecido deu lugar ao enamorado violento. Avinagrara-se a ternura, semelhando calda azedada.
Revelando súbito transtorno, deitou à filha adotiva um olhar de escárnio, traumatizando-a de horror, a esbravejar, dementado:
– “Não, não posso humilhar-me assim. Você sabe que não sou nenhum tonto. Há quinze dias, acompanhei vocês dois a Paquetá, sem que me vissem... Segui-lhes o passo descuidado e feliz, como se eu fosse um cão escoiceado pelo destino... Ao cair da noite, vi quando vocês dois se enlaçaram, trocando promessas e falando bobagens, na Ribeira... Arrastei-me no matagal e vi tudo... Desde então, enlouqueci... Pelo jeito, vocês andam acanalhados, há muito tempo... Você! você, que eu supunha intangível, entregue a um menino doido!... Ingênua! Julga que não tenho motivos para expulsá-la! Você imagina que me falta coragem para chamar às contas esse filho de papai rico?”
Tenho ciúmes, ciúmes que me afogam a alma em labaredas...
Detesto esse rapaz leviano, inconsciente...
A voz de Cláudio amaciara-se, adquirindo tom lacrimoso. Identificava-se-lhe o abalo sentimental. O perseguidor duplicou em desprezo tudo o que ele exprimia em emotividade, provocando inesperada reviravolta. O pai enternecido deu lugar ao enamorado violento. Avinagrara-se a ternura, semelhando calda azedada.
Revelando súbito transtorno, deitou à filha adotiva um olhar de escárnio, traumatizando-a de horror, a esbravejar, dementado:
– “Não, não posso humilhar-me assim. Você sabe que não sou nenhum tonto. Há quinze dias, acompanhei vocês dois a Paquetá, sem que me vissem... Segui-lhes o passo descuidado e feliz, como se eu fosse um cão escoiceado pelo destino... Ao cair da noite, vi quando vocês dois se enlaçaram, trocando promessas e falando bobagens, na Ribeira... Arrastei-me no matagal e vi tudo... Desde então, enlouqueci... Pelo jeito, vocês andam acanalhados, há muito tempo... Você! você, que eu supunha intangível, entregue a um menino doido!... Ingênua! Julga que não tenho motivos para expulsá-la! Você imagina que me falta coragem para chamar às contas esse filho de papai rico?”
CONTINUA AMANHÃ
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