Alucinado de lascívia, envolveu-a em longo olhar, inferindo que, não fossem o temor de vê-la fugir em definitivo e o receio de verificar-se por ela própria desonrado, tomar-lhe-ia o colo entre os braços, qual guri destemeroso, buscando desentranhar-lhe a ternura.
Entanto, os derradeiros arrazoados esmaeciam. Esbarrondarase, dentro dele, a última trincheira que lhe cerceava os impulsos.
Sujeitou-se de todo à direção do vampirizador que o comandava.
Colaram-se, fundiram-se, enfim.
Marita ergueu para ele os olhos súplices, imitando as atitudes da ave perseguida, para quem não resta outra alternativa que não seja esperar pela piedade do atirador.
Jungido ao companheiro infeliz, Cláudio adiantou-se, acomodando-se, assumindo ares de protetor, resolvido a ultrapassar os limites da afeição pura e simples.
– Pelo que vejo, esse pilantra do Gilberto vem abusando... – sussurrou, adocicando a voz.
Em seguida, tomou-lhe a destra pequena entre as suas mãos nervosas, mal disfarçando a lubricidade duplicada que o possuía.
A jovem registrou o impacto das forças aviltadas a lhe requisitarem adesão, calando a repulsa. Escutara o apontamento, num misto de estranheza e revolta, mas, reprimindo-se, passou a responder, esforçando-se por desculpar o rapaz e atribuindo a si o desmantelo emotivo; entretanto, à medida que o pai adotivo dilatava a liberdade das atitudes, apagava-se-lhe a energia para a conversação, até que silenciou, como se o interesse, ao redor do problema, houvesse desaparecido de chofre. E, num átimo, realinhou
na mente as impressões amargas dos tempos últimos... Assinalara, havia meses, a reservada mudança do trato paterno. Desconcertava-se ao perceber que Cláudio demorava sobre ela o olhar insistente. Amedrontara-se. Reagira, porém, energicamente, con tra si mesma. Consagrava-lhe o respeitoso amor de filha reconhecida e não lhe cabia conspurcar sentimentos sempre mantidos
imáculos, desde a intimidade da infância. Opusera-se à suspeita. Lutara, não queria aceitar-se visada por ele, sob a inspiração de qualquer propósito menos digno.
Ainda assim, por mais brandisse argumentos contra si própria, inexplicável sensação advertia-lhe o espírito, exortando-a a policiar as maneiras com que Cláudio agora a cercava. Pelos motivos mais fúteis, exagerava cuidados, multiplicando frases de dúbio sentido.
Torturada pela dúvida, afirmava a sua desconfiança e desdizia-se, intimamente.
Naquele instante, porém, o instinto de defesa sentenciava prudência, segredava-lhe vigilância. Pressentindo, em espírito, a presença do “outro”, arregimentou, sem querer, todas as suas forças na posição de alarma.
O contacto de Cláudio comunicava-lhe insegurança.
Batia-lhe o coração desritmado, ao senti-lo ensaiando meios de enlaçar-se a ela, ávido de carinho.
– Não negue, filha – entaramelou-se o pai, um tanto trêmulo –, não desejo contrariá-la, mas venho analisando, analisando...
Você não nasceu para esse meninão caprichoso. Compreendo você... Não sou apenas seu pai pelo coração, sou também seu amigo... Esse rapaz...
Marita cobrou ânimo e, antecipando-se-lhe às ilações reticenciosas, explicou ingenuamente que amava a Gilberto, que lhe hipotecava confiança, que o pai estivesse tranqüilo, e acentuou, sorrindo quase, que as lágrimas daqueles minutos não se reportavam a qualquer desgosto e sim a indisposição orgânica indefinível.
Deduziu, de relance, que seria justo desvelar-lhe mais ampla zona da alma, anulando mal-entendidos no nascedouro, e, intencionalmente, prosseguiu confidenciando, a expor-lhe, com lealdade, a expectativa com que aguardava o anel esponsalício, determinada a medir as reações de Cláudio, a fim de orientar, sem
tergiversações, a própria conduta.
Atrapalhava-se, todavia, ao consignar-lhe a indignação pintada no rosto. Na meia-luz do quarto, podia ver-lhe a face congesta, nos esgares da ira.
Compreendeu que a borrasca naquele espírito voluntarioso se mostrava prestes a estalar; no entanto, continuou apresentando razões para colher reações.
E a explosão do interlocutor não se fez demorar.
Cerrando os punhos, Cláudio cortou-lhe a conversa, exclamando, irritado:
– Percebo, percebo, mas não precisa maçar-me... Estimo, porém, que você me conheça melhor o devotamento.
Avançando na intimidade, qual se aspirasse a enredá-la no próprio hálito, continuou – agindo por si e pelo “outro” – na queixa primorosamente lavrada:
– Filha, é necessário que você me ouça, que me entenda...
E, assaltando-lhe a emotividade para esbater-lhe a resistência:
– Você não desconhece o que sofro. Imagine a tragédia de um homem que morre, a pouco e pouco, desolado, sozinho... de um homem que dá tudo, sem nada receber... Você cresceu, vendo isso... Infelicidade, solidão. É impossível que não se condoa. Esta casa é meu deserto. Chego esfalfado, diariamente, sem achar mão amiga. Márcia, embora quarentona, vive de jogatinas e festas...
Você está moça, inexperiente, mas deve saber. Desculpe-me o desabafo, mas os próprios amigos me lastimam o drama... Estará você em condições de avaliar os conflitos de um pobre diabo algemado a companheira de vida irregular? Ela, porém, não me
Entanto, os derradeiros arrazoados esmaeciam. Esbarrondarase, dentro dele, a última trincheira que lhe cerceava os impulsos.
Sujeitou-se de todo à direção do vampirizador que o comandava.
Colaram-se, fundiram-se, enfim.
Marita ergueu para ele os olhos súplices, imitando as atitudes da ave perseguida, para quem não resta outra alternativa que não seja esperar pela piedade do atirador.
Jungido ao companheiro infeliz, Cláudio adiantou-se, acomodando-se, assumindo ares de protetor, resolvido a ultrapassar os limites da afeição pura e simples.
– Pelo que vejo, esse pilantra do Gilberto vem abusando... – sussurrou, adocicando a voz.
Em seguida, tomou-lhe a destra pequena entre as suas mãos nervosas, mal disfarçando a lubricidade duplicada que o possuía.
A jovem registrou o impacto das forças aviltadas a lhe requisitarem adesão, calando a repulsa. Escutara o apontamento, num misto de estranheza e revolta, mas, reprimindo-se, passou a responder, esforçando-se por desculpar o rapaz e atribuindo a si o desmantelo emotivo; entretanto, à medida que o pai adotivo dilatava a liberdade das atitudes, apagava-se-lhe a energia para a conversação, até que silenciou, como se o interesse, ao redor do problema, houvesse desaparecido de chofre. E, num átimo, realinhou
na mente as impressões amargas dos tempos últimos... Assinalara, havia meses, a reservada mudança do trato paterno. Desconcertava-se ao perceber que Cláudio demorava sobre ela o olhar insistente. Amedrontara-se. Reagira, porém, energicamente, con tra si mesma. Consagrava-lhe o respeitoso amor de filha reconhecida e não lhe cabia conspurcar sentimentos sempre mantidos
imáculos, desde a intimidade da infância. Opusera-se à suspeita. Lutara, não queria aceitar-se visada por ele, sob a inspiração de qualquer propósito menos digno.
Ainda assim, por mais brandisse argumentos contra si própria, inexplicável sensação advertia-lhe o espírito, exortando-a a policiar as maneiras com que Cláudio agora a cercava. Pelos motivos mais fúteis, exagerava cuidados, multiplicando frases de dúbio sentido.
Torturada pela dúvida, afirmava a sua desconfiança e desdizia-se, intimamente.
Naquele instante, porém, o instinto de defesa sentenciava prudência, segredava-lhe vigilância. Pressentindo, em espírito, a presença do “outro”, arregimentou, sem querer, todas as suas forças na posição de alarma.
O contacto de Cláudio comunicava-lhe insegurança.
Batia-lhe o coração desritmado, ao senti-lo ensaiando meios de enlaçar-se a ela, ávido de carinho.
– Não negue, filha – entaramelou-se o pai, um tanto trêmulo –, não desejo contrariá-la, mas venho analisando, analisando...
Você não nasceu para esse meninão caprichoso. Compreendo você... Não sou apenas seu pai pelo coração, sou também seu amigo... Esse rapaz...
Marita cobrou ânimo e, antecipando-se-lhe às ilações reticenciosas, explicou ingenuamente que amava a Gilberto, que lhe hipotecava confiança, que o pai estivesse tranqüilo, e acentuou, sorrindo quase, que as lágrimas daqueles minutos não se reportavam a qualquer desgosto e sim a indisposição orgânica indefinível.
Deduziu, de relance, que seria justo desvelar-lhe mais ampla zona da alma, anulando mal-entendidos no nascedouro, e, intencionalmente, prosseguiu confidenciando, a expor-lhe, com lealdade, a expectativa com que aguardava o anel esponsalício, determinada a medir as reações de Cláudio, a fim de orientar, sem
tergiversações, a própria conduta.
Atrapalhava-se, todavia, ao consignar-lhe a indignação pintada no rosto. Na meia-luz do quarto, podia ver-lhe a face congesta, nos esgares da ira.
Compreendeu que a borrasca naquele espírito voluntarioso se mostrava prestes a estalar; no entanto, continuou apresentando razões para colher reações.
E a explosão do interlocutor não se fez demorar.
Cerrando os punhos, Cláudio cortou-lhe a conversa, exclamando, irritado:
– Percebo, percebo, mas não precisa maçar-me... Estimo, porém, que você me conheça melhor o devotamento.
Avançando na intimidade, qual se aspirasse a enredá-la no próprio hálito, continuou – agindo por si e pelo “outro” – na queixa primorosamente lavrada:
– Filha, é necessário que você me ouça, que me entenda...
E, assaltando-lhe a emotividade para esbater-lhe a resistência:
– Você não desconhece o que sofro. Imagine a tragédia de um homem que morre, a pouco e pouco, desolado, sozinho... de um homem que dá tudo, sem nada receber... Você cresceu, vendo isso... Infelicidade, solidão. É impossível que não se condoa. Esta casa é meu deserto. Chego esfalfado, diariamente, sem achar mão amiga. Márcia, embora quarentona, vive de jogatinas e festas...
Você está moça, inexperiente, mas deve saber. Desculpe-me o desabafo, mas os próprios amigos me lastimam o drama... Estará você em condições de avaliar os conflitos de um pobre diabo algemado a companheira de vida irregular? Ela, porém, não me
CONTINUA AMANHÃ
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