quinta-feira, 11 de outubro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Docilmente, retomou as elucidações interrompidas, relacionando os primeiros dias de atividade na profissão de comerciária aque se afizera.
As rememorações externaram-se em jorro.
Entremostrou-nos o movimentado estabelecimento comercial em que Cláudio lhe obtivera a função de balconista.
Pequeno leves, roupas feitas.
No dia imediato àquele em que o pai adotivo lhe trouxera da rua um bolo enfeitado com dezessete rosas pequenas, para comemorar-lhe o aniversário, entrara em serviço.
De começo, tudo hesitação e novidade.
Vira-se, depois, atirada aos embates do sentimento.
Ligaçõesnovas, idéias renovadas.
Aliciara relações confortadoras, expandiram-se-lhe os interesses, permutava confidências, conquistava simpatias.
A imaginação agora se lhe excitava em descontrole, sugerindo-lhe adornar-se com esmero, de modo a se destacar diante do herói que lhe viria, decerto, governar o império emotivo, oferecendo-lhe um lar, pedaço de paraíso em que pudesse anestesiar o
coração, desoprimir-se e achar a felicidade.
Menina bisonha, circunscrevia, até então, todos os conhecimentos, em matéria de amor, aos romances em que cinderelas anônimas acabavam em deslumbramento, nos braços de príncipes que as arrancavam da obscuridade para a glória.
Entusiasmava-se com novelas e filmes que terminassem pelo altruísmo coroado ou
pelas supremas aspirações humanas, convenientemente atendidas.
O destino, entretanto, escarnecera-lhe da inocência.
Comparava o contacto da vida prática a podão implacável que lhe talara todas as flores do jardim de sonhos juvenis.
A princípio, a desilusão conturbara-lhe o ânimo, através de um colega que a obsequiava, repetidamente, com entradas de cinema.
Conhecia-lhe a noiva, professora jovem e distinta que se lhe afeiçoara ao convívio.
Que mal em se verem juntos para uma fita simpática, de vez em vez?
Iniciaram-se os momentinhos de encontro fraterno.
Intimidade dos minutos propícios.
Copacabana, aqui e ali.
Um cafezinho de bar, nas horas de vento frio, um sorvete na praia, quando o calor vinha forte. Mera camaradagem. Amiguinho, fazendo o papel do irmão que não tivera.
Veio, porém, a noite em que ele se apresentou, transtornado.
Chegara sem a noiva, que se dirigira a Petrópolis.
Acontecimento natural, conquanto raro. Nada prenunciava sucessos desagradáveis,
nenhum motivo de inquietação.
Conversaram, pacificamente, nas areias do Leme.
A Lua nascera, plena, inspirando-lhes pensamentos mansos e alegres, enquanto
se expunham ao sopro refrigerante do mar.
O trabalho na loja fora banho de suor copioso, no dia cálido.
Falavam acerca de freguesas apressadas, mencionando clientes ásperos.
Riam-se, despreocupados, ao jeito de colegiais, no intervalo das lições.
Ele, no entanto, começou o inesperado, reportando-se a medidas.
A fita métrica, a seu parecer, não satisfazia, de todo, em casos determinados de atendimento. Necessária a adoção de recursos psicológicos para tranqüilizar compradores inquietos, quando se interessassem simplesmente por fragmentos de rendas
ou passamanes.
Nisso, pediu-lhe a mão pequena para confrontá-la com a dele e, respondendo, espalmara a destra sem qualquer prevenção.
Assustou-se, ao sentir-lhe a mão hirsuta e máscula, comprimindo-lhe os dedos.
Intentou desvencilhar-se. O rapaz, contudo, fez-se claro nos propósitos infelizes. Puxou-a, num gesto brusco, de encontro ao peito, gaguejando declarações.
Na vertigem da pessoa atingida pelos efeitos de um raio, em momento de céu aparentemente azul, quis gritar, reclamar socorro, mas o sangue turbilhonava-lhe na cabeça.
Impetuosamente submetida àqueles lábios que se colavam aos dela, desfaleceu por segundos.
O hálito sedutor do primeiro homem que a retinha, submissa, destilava o magnetismo da serpente, quando hipnotiza o pássaro confiante.
O desmaio, no entanto, durara um instante só.
A profunda e invencível reação da feminilidade unida à consciência surdiu, rápida.
A noção de responsabilidade relampagueou-lhe no raciocínio.
Bastou isso e o impulso sexual esmoreceu, neutralizado.
Ideou a imagem da amiga ausente, compreendeu todo o perigo a
que se expunha.
Aspirava, sim, a ser mulher de um homem, companheira de alguém que lhe fosse companheiro.
Compenetrava-se, com humildade, da sua condição de criatura humana, moça sequiosa de
afeto, prelibando emoções da maternidade, mas não concordaria com o próprio aviltamento em deslealdade ou devassidão.
Apelou para todas as energias de que se reconhecia capaz e, tocada de súbita resistência, arrojou longe o perseguidor que lhe pressionava o busto tremente.
Desembaraçada, o pranto explodiu-lhe quente e doloroso.
Interpelações da alma sincera estouraram, contundentes e francas.
Onde os compromissos do noivado? que fazia da jovem correta
que lhe empenhara o destino? trazia, assim, o coração rolando

CONTINUA AMANHÃ

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