domingo, 30 de setembro de 2012

SEXO E DESTINO -LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

Capítulo 5

Imperfeitamente refeitos do assombro que semelhante atitude nos causava, passamos a colaborar com o irmão Félix, na aplicação de recursos, a beneficio do amigo que, embora nos desconhecesse a presença, se mantinha agora em aturada reflexão.
Ao contacto das mãos do benfeitor que mobilizava, proficiente, a energia magnética, Nemésio expunha as deficiências do campo circulatório.
O coração, consideravelmente aumentado, denotava falhas ameaçadoras com endurecimento das artérias.
O examinando, rebuçado por fora, era enfermo grave por dentro.
Entretanto, a característica mais constrangedora que apresentava surgia na arteriosclerose cerebral, cujo desenvolvimento conseguíamos claramente positivar, manejando diminutos aparelhos de auscultação.
Comprovando longa experiência médica, o irmão Félix apontou-nos determinada região, em que notei a circulação do sangue reduzida, e informou:
– Nosso amigo permanece sob o perigo de coágulos bloqueadores e, além disso, é de temer-se a ruptura de algum vaso em qualquer acidente mais importante da hipertensão.
Como se nos percebesse a movimentação e nos registrasse os apontamentos, o genro de Neves, na cadeira estofada a que se recolhera, instintivamente respondia ao inquérito afetuoso a que lhe submetíamos a memória, elucidando-nos todas as dúvidas, através de reações mentais específicas. 
Acreditava-se afundado na imaginação, ignorando que se nos revelava, por inteiro, na feição de um doente voltado para os esclarecimentos da anamnese. 
Rememorou as tonturas ligeiras que vinha experimentando amiúde.
Vasculhava a lembrança, atendendo-nos às perguntas. 
Alinhava acontecimentos passados, fixava pormenores. 
Reconstituiu, quanto possível, as fases do desconforto a que se vira atirado, subitamente, com a perda dos sentidos que sofrera, no escritório, dias antes. 
Sentira-se desamparado, de chofre. Ausente. 
O pensamento esvaíra-se-lhe da cabeça, como se expulso por martelada interior.
Pavoroso delíquio que se lhe representara infindável, quando perdurara simplesmente por segundos. 
Retomara a noção de si mesmo, atarantado, abatido. 
Curtira apreensões, ensimesmado, por muitos dias.
Para desafrontar-se, expusera a ocorrência perante velho amigo, na antevéspera, já que não sabia como destrinçar o fenômeno.
A tela rearticulada por ele, na imaginação, salientava-se tão nítida que lográvamos contemplá-los juntos, Nemésio e o companheiro que lhe tomara confidências, como se estivessem filmados.
O marido de Beatriz, inconscientemente, configurava informes precisos, acerca do desmaio experimentado, das inquietações conseqüentes, da entrevista que provocara com o colega de negócios e do entendimento cordial havido entre ambos.
Consignamos os avisos que o interlocutor lhe transmitira.
Não lhe cabia adiar providências. Devia procurar um médico, analisar as próprias condições, definir os sintomas. 
Traçou advertências.
Verificava-se-lhe facilmente a fadiga. 
No Rio, obteria melhoras em alguma clínica de repouso. 
Umas férias não lhe fariam mal. 
Qualquer síncope, a seu ver, equivalia a puxão de campainha, no apartamento da vida. 
Sério vaticínio, enfermidade à porta.
Nemésio, calado, sem perceber que se comunicava conosco, repetia espiritualmente as alegações que formulara.
Difícil a consulta. 
Responsabilidades em penca, o tempo escasso.
Acompanhava a esposa, na travessia das horas derradeiras, em doloroso término de existência e não encontrava meios de cuidar de si. 
Não discutia a oportunidade das admoestações, mas admitia-se obrigado a transferir o tratamento para quando pudesse.
No entanto, no âmago do pensamento, por noticiário vivo secretamente arquivado no cofre da alma, desvelava, para nós, motivos outros que não tivera coragem de expender.
Enternecido ao toque de amor fraterno do benfeitor que o auscultava, liberou, em silêncio, as mais fundas preocupações.
Semelhava-se a menino peralta, quando espontâneo e obediente no clima dos pais.
Aclarou, positivo, a razão da fuga a qualquer assunto relacionado com a provável submissão a preceitos médicos. 
Receava conhecer o próprio estado orgânico. Amava, novamente, crendose de regresso às primaveras do corpo físico. 
Identificava-se espiritualmente jovem, feliz. Qualificava a afeição de Marina como sendo o reencontro da mocidade que ficara para trás.
Alinhavando recordações e meditações, exibia, diante de nós, a trama dos acontecimentos que lhe sedimentavam as noções precárias da vida, possibilitando-nos retratar-lhe a realidade psicológica.
Beatriz, a companheira em vésperas de desencarnação, erigiase-lhe, agora, no ânimo, em forma de relíquia que situaria, reverentemente, em breve, no museu das lembranças mais caras.
Imperturbavelmente correta e simples, transformara-lhe a volúpia em admiração e a chama juvenil em calor de amizade serena.
Estranho ao benefício da rotina construtiva, colocara a esposa no lugar da genitora que a morte levara. 
Disputava-lhe, por instinto, o sorriso benevolente e a bênção da aprovação. 
Queria-lhe a presença, como quem se acostuma ao serviço de um traste precioso.
Harmonizava-se consigo próprio, ao chegar, suarento, em casa, descansando a cabeça fatigada em seu olhar.

CONTINUA AMANHÃ

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