sexta-feira, 28 de setembro de 2012

SEXO E DESTINO - LIVRO DE CHICO XAVIER


CONTINUAÇÃO

Capítulo 4

Acomodados, de novo, no aposento próximo, buscava soerguer o ânimo de Neves, positivamente desapontado.
Arrojara-se o companheiro ao clima da dignidade ofendida, dando a impressão de que a família encarnada ainda lhe pertencia.
Exprobrava a conduta do genro.
Exalçava os merecimentos da filha. 
Aludia ao passado, quando ele próprio vencera lances difíceis na luta sentimental. 
Desculpava-se.
Ouvia-lhe, condoído, os apontamentos, a refletir, de minha parte, quanto à dificuldade com que somos todos nós defrontados para dissipar a ilusão da posse sobre os outros. 
Não fosse a obrigação de respeitar-lhe os sentimentos e, certo, me exorbitaria, ali mesmo, em comprida tirada filosófica, recomendando o desprendimento: contudo, logrei apenas confortá-lo:
– Não se aflija. Desde muito aprendi que para as pessoas desencarnadas, quase sempre, as portas do lar se fecham no mundo, quando a morte lhes cerra os olhos.
Entretanto, não pude prosseguir.
À guisa de duas crianças enlevadas e jubilosas, Nemésio e Marina penetraram a câmara, fugindo claramente à presença da enferma.
Guardavam no semblante a expressão dos namorados felizes, quando alimentam o clássico “enfim sós”, trancando-se contentes.
Dispus-me, instintivamente, a sair, mas Neves sustou-me o impulso de retirada, convidando-me, aturdido:
– Fique, fique... Não louvo a indiscrição; no entanto, estou, ao lado de minha filha, em sentido direto, simplesmente há alguns dias e devo saber o que ocorre, para ser útil...
A esse tempo, Nemésio enlaçara a enfermeira, qual se voltasse, de improviso, aos arrebatamentos da juventude.
Amimava-lhe as mãos miúdas e os cabelos sedosos, reportando-se ao futuro.
Justificava-se, copiando as preocupações de um adolescente, interessado em vacinar a escolhida contra o ciúme. 
Deveriam ser bons para Beatriz, às portas do fim, e agradecer ao destino que os livrava dos aborrecimentos e percalços de um desquite, mesmo amigável... 
Ouvira o médico, na véspera, informando-se de que a doente não conseguiria viver mais que algumas semanas. 
E sorria, qual menino travesso, explicando que não admitia a sobrevivência da alma; no entanto, a seu ver, se houvesse vida além da morte, não desejava que a esposa partisse, nutrindo por eles ressentimentos quaisquer. 
Apaixonado, procurava convencer-se de que se via correspondido, cravando a atenção nos olhos enigmáticos da companheira, a quem se reconhecia imanizado por intensa atração.
Marina retribuía, como quem se deixava querer bem; no entanto, apresentava o fenômeno singular da emoção jungida a ele e o pensamento voltado ao outro, empenhando-se, por todos os meios, a encontrar nesse outro o incentivo necessário a essa mesma emoção.
Nemésio comentava os próprios empeços, sensibilizado.
Confessava-lhe devoção inexcedível. 
Não a queria de ânimo inquieto. De futuro, abandonaria os negócios. 
Viveriam felizes, na casinha de São Conrado, que transformaria em bangalô confortável, entre o verde do mar e o verde da terra. 
Mandaria aprestar a reconstrução em estilo novo, a fim de que a moradia os recebesse, no momento oportuno. 
Que ela confiasse. 
Aguardaria apenas a modificação do próprio estado social para conferir-lhe o título de esposa, esposa para sempre.
Isso tudo era dito num jogo de manifestações carinhosas em que a sinceridade prevalecia num lado e o cálculo no outro.
Assinalei, porém, estranha ocorrência.
Ele e ela comunicavam-se, entre si, as mais ternas expansões de encantamento recíproco, sem ser dissoluto, e pareciam aderir, automaticamente, às impressões que esboçávamos, de vez que acompanhávamos os mínimos gestos dos dois, com aguçada observação, prejulgando-lhes os desígnios com o fundo de nossas próprias experiências inferiores já superadas.
Semelhantes registros que formulamos, com absoluta imparcialidade, são dignos de nota, porquanto, atento qual me achava ao estudo, vimo-nos obrigados a reconhecer que a nossa expectativa maliciosa, aliada ao espírito de censura, estabelecia correntes mentais estimulantes da turvação psíquica de que ambos se viam acometidos, correntes essas que, partindo de nós na direção deles, como que lhes agravava o apetite sensual.
O marido de Beatriz acentuava, em transportes de felicidade juvenil, embora a voz ciciante, o anseio com que lhe aguardava o carinho permanente no refúgio caseiro.
De inopinado, porém, a jovem prorrompeu em pranto copioso.
O companheiro beijou-lhe a face, aspirando a aliviar-lhe a tensão convulsiva.
De nosso lado, entretanto, reparávamos que Marina se fixava, cada vez mais, no moço cuja figura se lhe engastava à imaginação.
Escabroso, sem dúvida, o conflito de que se verificava possuída,
à vista da sinceridade inequívoca de todas as promessas que lhe eram endereçadas.
Olvidando os compromissos abraçados, perante a esposa, que lhe requisitava, naquela hora, mais amplas evidências de fidelidade e ternura, bandeara-se o chefe da casa, apaixonadamente, para ela, entregando-se-lhe sem reservas. Inteligente bastante para

CONTINUA AMANHÃ

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