CONTINUAÇÃO
Capítulo 2
Repousava Dona Beatriz no leito bem-posto, patenteando enorme cansaço.
A doença, decerto, consumia-lhe a forma física, desde muito, porquanto aos quarenta e sete anos de idade mostrava o rosto singularmente engelhado e o corpo leve.
Refletia, ensimesmada, tristonha... Fácil de se lhe ver a preocupação, ante a crise iminente. Idéias a lhe fluírem, vivas e nobres, indicavam que se habituara à certeza da desencarnação próxima. Notava-se-lhe fixada no pensamento a convicção do
viajante que atingira o término de espinhosa trilha, da qual, por fim, lhe competia sair.
Conquanto tranqüila, inquietava-se pelos vínculos que a prendiam no mundo. Apesar disso, visualizava as portas do Além, plasmando formosos quadros íntimos, como quem sonha à luz da vigília, e recordava Neves, o pai que perdera na infância, qual se visse prestes a recuperá-lo, em definitivo, tal a extensão do amor que os acolchetava um ao outro.
Observávamos, porém, sem dificuldade, que a alma afetuosa da enferma se dividia mais fortemente, na Terra, entre o esposo e o filho, dos quais se reconhecia em gradativo processo de inevitável separação.
No aposento acolhedor, que alguns adereços ataviavam, tudo transparecia limpeza, reconforto, assistência, carinho.
Ante o leito, encontramos sisudo enfermeiro desencarnado que Neves abraçou, demonstrando guardá-lo à conta de imensa estima.
E apresentou-nos:
A doença, decerto, consumia-lhe a forma física, desde muito, porquanto aos quarenta e sete anos de idade mostrava o rosto singularmente engelhado e o corpo leve.
Refletia, ensimesmada, tristonha... Fácil de se lhe ver a preocupação, ante a crise iminente. Idéias a lhe fluírem, vivas e nobres, indicavam que se habituara à certeza da desencarnação próxima. Notava-se-lhe fixada no pensamento a convicção do
viajante que atingira o término de espinhosa trilha, da qual, por fim, lhe competia sair.
Conquanto tranqüila, inquietava-se pelos vínculos que a prendiam no mundo. Apesar disso, visualizava as portas do Além, plasmando formosos quadros íntimos, como quem sonha à luz da vigília, e recordava Neves, o pai que perdera na infância, qual se visse prestes a recuperá-lo, em definitivo, tal a extensão do amor que os acolchetava um ao outro.
Observávamos, porém, sem dificuldade, que a alma afetuosa da enferma se dividia mais fortemente, na Terra, entre o esposo e o filho, dos quais se reconhecia em gradativo processo de inevitável separação.
No aposento acolhedor, que alguns adereços ataviavam, tudo transparecia limpeza, reconforto, assistência, carinho.
Ante o leito, encontramos sisudo enfermeiro desencarnado que Neves abraçou, demonstrando guardá-lo à conta de imensa estima.
E apresentou-nos:
– Amaro, temos aqui André Luiz, amigo e médico que, doravante, nos partilhará os serviços.
Saudamo-nos cordialmente.
Neves inquiriu, atencioso:
– O irmão Félix veio hoje?
– Sim, como sempre.
Informei-me, então, de que o irmão Félix, desde muitos anos, era o superintendente de importante casa socorrista, ligada ao Ministério da Regeneração, em Nosso Lar. Famoso pela bondade e paciência, era conhecido como sendo um apóstolo da abnegação e do bom-senso.
Não dispúnhamos, entretanto, de qualquer tempo para considerações pessoais.
Dona Beatriz experimentava dores agudas e o companheiro mostrou o propósito de aliviá-la, através do passe confortativo, enquanto a senhora se via aparentemente a sós. Em grande prostração física, revelava profunda sensibilidade mediúnica.
Oh! os sublimes pensamentos do leito de dor!... De olhos cerrados, a doente, embora não assinalasse a presença paterna, lembrava a ternura do genitor, que lhe parecia distante e inacessível no tempo. Identificava-se, de novo, com a ingenuidade infantil...
Na acústica da memória, ouvia as canções do lar, voltava, encantada, às horas da meninice... Reconstituindo na imaginação as relíquias do berço, sentia-se no regaço paternal, à maneira da ave de regresso à penugem do ninho!
Dona Beatriz chorava. Lágrimas de enternecimento inexprimível perolavam-lhe a face. E sem que a boca enunciasse o menor movimento, clamava intimamente com toda a alma: “pai, meu pai!...”
Meditai, vós que, no mundo, admitis para os desencarnados a indiferença da cinza! Para lá dos túmulos, amor e saudade muitas vezes se transformam, no vaso do coração, em pranto comburente!
Neves cambaleou, agoniado... Enlacei-o, contudo, a pedir-lhe coragem. A ventania da angústia, porém, sobre o ânimo do companheiro atribulado, perdurou apenas alguns momentos. Refeito, a recompor o semblante que o sofrimento transfigurara, espalmou a destra na fronte da filha e orou, suplicando o amparo da Bondade Divina.
Chispas de luz, quais minúsculas flamas azulíneas, evolavamlhe do tórax, a se projetarem naquele corpo fatigado, revestindo-o de energias calmantes.
Emocionado, observei que Dona Beatriz se acomodava a suave torpor. E antes que pudesse enunciar qualquer impressão, uma jovem, figurando-se nas vinte primaveras da experiência física, entrou cautelosamente no quarto. Renteou conosco, sem percebernos, de leve, e tomou o pulso da enferma, verificando-lhe as condições.
A recém-chegada esboçou o gesto de quem reconhecia tudo em ordem. Encaminhou-se, logo após, na direção de pequenino armário próximo e, munindo-se dos recursos necessários, voltou à cabeceira da dona da casa, aplicando-lhe injeção anestesiante. Dona Beatriz não mostrou a mínima reação, continuando a descansar, sem dormir. O concurso magnético de minutos antes insensibilizara-lhe os centros nervosos.
Perfeitamente tranqüila, a moça, na qual observávamos a posição da enfermeira improvisada, retirou-se para um dos ângulos
Saudamo-nos cordialmente.
Neves inquiriu, atencioso:
– O irmão Félix veio hoje?
– Sim, como sempre.
Informei-me, então, de que o irmão Félix, desde muitos anos, era o superintendente de importante casa socorrista, ligada ao Ministério da Regeneração, em Nosso Lar. Famoso pela bondade e paciência, era conhecido como sendo um apóstolo da abnegação e do bom-senso.
Não dispúnhamos, entretanto, de qualquer tempo para considerações pessoais.
Dona Beatriz experimentava dores agudas e o companheiro mostrou o propósito de aliviá-la, através do passe confortativo, enquanto a senhora se via aparentemente a sós. Em grande prostração física, revelava profunda sensibilidade mediúnica.
Oh! os sublimes pensamentos do leito de dor!... De olhos cerrados, a doente, embora não assinalasse a presença paterna, lembrava a ternura do genitor, que lhe parecia distante e inacessível no tempo. Identificava-se, de novo, com a ingenuidade infantil...
Na acústica da memória, ouvia as canções do lar, voltava, encantada, às horas da meninice... Reconstituindo na imaginação as relíquias do berço, sentia-se no regaço paternal, à maneira da ave de regresso à penugem do ninho!
Dona Beatriz chorava. Lágrimas de enternecimento inexprimível perolavam-lhe a face. E sem que a boca enunciasse o menor movimento, clamava intimamente com toda a alma: “pai, meu pai!...”
Meditai, vós que, no mundo, admitis para os desencarnados a indiferença da cinza! Para lá dos túmulos, amor e saudade muitas vezes se transformam, no vaso do coração, em pranto comburente!
Neves cambaleou, agoniado... Enlacei-o, contudo, a pedir-lhe coragem. A ventania da angústia, porém, sobre o ânimo do companheiro atribulado, perdurou apenas alguns momentos. Refeito, a recompor o semblante que o sofrimento transfigurara, espalmou a destra na fronte da filha e orou, suplicando o amparo da Bondade Divina.
Chispas de luz, quais minúsculas flamas azulíneas, evolavamlhe do tórax, a se projetarem naquele corpo fatigado, revestindo-o de energias calmantes.
Emocionado, observei que Dona Beatriz se acomodava a suave torpor. E antes que pudesse enunciar qualquer impressão, uma jovem, figurando-se nas vinte primaveras da experiência física, entrou cautelosamente no quarto. Renteou conosco, sem percebernos, de leve, e tomou o pulso da enferma, verificando-lhe as condições.
A recém-chegada esboçou o gesto de quem reconhecia tudo em ordem. Encaminhou-se, logo após, na direção de pequenino armário próximo e, munindo-se dos recursos necessários, voltou à cabeceira da dona da casa, aplicando-lhe injeção anestesiante. Dona Beatriz não mostrou a mínima reação, continuando a descansar, sem dormir. O concurso magnético de minutos antes insensibilizara-lhe os centros nervosos.
Perfeitamente tranqüila, a moça, na qual observávamos a posição da enfermeira improvisada, retirou-se para um dos ângulos
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