sábado, 9 de junho de 2012

OS MENSAGEIROS - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUÇÃO 

CAPÍTULO 50 
A DESENCARNAÇÃO DE FERNANDO 

Quando Aniceto retirou a destra da minha fronte, perdi a possibilidade de prosseguir nas observações do infinitesimal. 
Minha visão abrangia minúcias muito importantes ao interesse comum; entretanto, estava longe daquele poder de apreensão que me transmitira o mentor amigo, ao contacto do seu elevado potencial magnético. 
Centralizando minhas energias visuais, analisava ainda o sistema ósseo, o sangue, os tecidos, os humores, mas aquelas batalhas microscópicas haviam desaparecido como por encanto. 
De qualquer modo, porém, minha surpresa era enorme, porque agora identificava, em mim mesmo, a potencialidade do “raio X.” 
Aniceto, depois de proporcionar a Vicente o mesmo estudo, movimentava providências novas. 
No aposento, conservava-se determinado número de parentes aflitos. 
Um médico encarnado examinava o moribundo, com atenção. 
Foi aí que as duas entidades que se mantinham no quarto, e que apenas nos haviam dispensado a usual saudação, se aproximaram do nosso instrutor, solicitando-lhe uma cooperação mais enérgica. – Por favor, nobre amigo – disse a irmã que havia sido genitora do moribundo –, ajude-nos a retirar meu pobre filho do corpo esgotado. Há muitas horas, estamos à espera de alguém que nos possa auxiliar neste transe. Tenho procurado confortá-lo, mas em vão! – acentuou a nobre senhora em tom lastimoso – ele continua num estado de incompreensão dolorosa e terrível. 
Está absolutamente preso às sensações de sofrimento físico, como esteve ligado, no curso da existência, às satisfações do corpo.  
Aniceto concordou, acrescentando: – Notam-se, de fato, grandes lacunas na expressão mental do moribundo. 
Vê-se que atravessou a vida humana obedecendo mais ao instinto que à razão. 
Observam-se-lhe no mundo celular gestos complexos de indisciplina. 
Poderemos, contudo, ajudá-lo a desvencilhar- se dos laços mais fortes, no que se refere ao círculo carnal. – Será um caridoso obséquio – redargüiu a genitora, aflita. – A irmã está incumbida de encaminhá-lo? – perguntou o instrutor, compreendendo a magnitude da tarefa. – Precisamos ponderar, quanto a isto, porque o desprendimento integral se verificará dentro de poucos minutos. 
Ela esboçou um gesto triste e respondeu: – Desejaria sacrificar-me ainda um pouco por meu desventurado Fernando, mas apenas obtive permissão para socorrê-lo nos seus últimos instantes. 
Meus superiores prometem ajudá-lo, mas aconselharam-me a deixá-lo entregue a si mesmo durante algum tempo. 
Fernando precisa reconsiderar o passado, identificar os valores que, infelizmente, desprezou. 
As lágrimas e os remorsos, na solidão do arrependimento, serão portadores de calma ao seu espírito irrefletido. Grande é o meu desejo de conchegá-lo ao coração, regressando aos dias que já se foram; todavia, não posso prejudicar, com a minha ternura materna, a marcha do serviço divino. Fernando, em verdade, é filho do meu afeto; contudo, tanto ele como eu, temos contas com a Justiça do Eterno e, no que respeita a mim, estou cansada de agravar os meus débitos. 
Não devo contrariar os desígnios de Deus. 
A essa altura do diálogo, interveio o clínico espiritual que nos encaminhara até ali, informando, atencioso: – Nossa amiga tem razão. 
Fernando não poderá acompanhála, mas tão nobre tem sido a intercessão materna que tenho instruções para conduzi-lo a lugar seguro, a uma casa de socorro, onde poderá colher o melhor proveito do sofrimento, porquanto será asilado em zona vibratória inacessível às influências inferiores e criminosas, embora situada em regiões baixas. – Já sei – murmurou Aniceto com grave entono –, trata-se de medida muito acertada. 
Em seguida, acentuou como quem não tinha tempo a perder: – A aflição dos familiares encarnados, aqui presentes, poderá dificultar-nos a ação. Observem como todos eles emitem recursos magnéticos em benefício do moribundo. 
De fato, uma rede de fios cinzentos e fracamente iluminados parecia ligar os parentes ao enfermo quase morto. – Tais socorros – tornou Aniceto – são agora inúteis para devolver- lhe o equilíbrio orgânico. 
Precisamos neutralizar essas forças, emitidas pela inquietação, proporcionando, antes de tudo, a possível serenidade à família. E, aproximando-se ainda mais do agonizante, tomou a atitude do magnetizador, exclamando: – Modifiquemos o quadro do coma. 
Após alguns minutos em que nosso mentor operava, secundado pelo nosso respeitoso silêncio, ouvimos o médico encarnado anunciar aos parentes do moribundo: – Melhoram os prognósticos. 
A pulsação, inexplicavelmente, está quase normal. 
A respiração tende a calmar-se. 
Três senhoras suspiraram aliviadas. – Dona Amanda – dirigiu-se o assistente à esposa do moribundo –, convém que vá repousar, levando as suas cunhadas. 
O senhor Fernando está muito tranqüilo e a situação é francamente favorável. Ficaremos velando, o senhor Januário e eu.  
As senhoras e mais dois cavalheiros, que se prontificavam a retirar, agradeceram satisfeitos e comovidos. 
Permaneceram no aposento somente o médico e um irmão do agonizante. 
A melhora súbita tranqüilizara a todos. 
E, aos poucos, os fios cinzentos que se ligavam ao enfermo desapareceram sem deixar vestígios. – Abramos a janela – disse o médico satisfeito –, o ar talvez acelere as melhoras do nosso amigo. O senhor Januário atendeu, abrindo a ampla vidraça. 
Fundamente espantado, reparei que três rostos horríveis pela expressão diabólica surgiram, de repente, no peitoril, e interrogaram em voz alta: – Como é? 
Fernando vem ou não vem? 
Ninguém respondeu. 
Notei, porém, que Aniceto lhes dirigiu significativo olhar, compelindo-os, tão só com essa medida, a desaparecer. 
Meia hora passou, dentro da qual o médico e o senhor Januário, quase despreocupados do agonizante, pelas melhoras havidas, encetaram uma conversação animada, relativamente a problemas do mundo. 
Aproveitou Aniceto a serenidade ambiente e começou a retirar o corpo espiritual de Fernando, desligando-o dos despojos, reparando eu que iniciara a operação pelos calcanhares, terminando na cabeça, à qual, por fim, parecia estar preso o moribundo por extenso cordão, tal como se dá com os nascituros terrenos. Aniceto cortou-o com esforço. 
O corpo de Fernando deu um estremeção, chamando o médico humano ao novo quadro. 
A operação não fora curta e fácil. 
Demorara-se longos minutos, durante os quais vi o nosso Instrutor empregar todo o cabedal de sua atenção e talvez de suas energias magnéticas. 
A família do morto, informada pelo senhor Januário, aflita penetrou no quarto, ruidosamente. 
A genitora do desencarnado,  porém, auxiliada por Aniceto e pelo facultativo espiritual que nos levara até ali, prestou ao filho os socorros necessários. 
Daí a instantes, enquanto a família terrena se debruçava em pranto sobre o cadáver, a pequena expedição constituída por três entidades, as duas senhoras e o clínico, saía conduzindo o desencarnado ao instituto de assistência, reparando eu, contudo, que não saíam utilizando a volitação, mas caminhando como simples mortais. 
Sentia-me fortemente impressionado. 
Intrigava-me, sobretudo, o aparecimento daqueles rostos satânicos quando se abrira a janela. 
Porque semelhante menosprezo a um agonizante? 
Retirando-nos da residência, o Instrutor me fitou atento e, antes que formulasse qualquer pergunta, esclareceu: – Não se preocupe tanto, André, com os vagabundos que esperavam nosso irmão infeliz – Só não penetraram na câmara de dor porque a nobre presença maternal impedia tal assédio. E, depois de calar-se por momentos, acrescentou: – Cada criatura, na vida, cultiva as afeições que prefere. 
Fernando estimava os companheiros desregrados. 
Não é, pois, estranhável, que tenham vindo esperá-lo na estação de volta à existência real. 
Paulo de Tarso, no capitulo 12 da Epístola aos Hebreus, afirma que o homem está cercado de uma grande “nuvem de testemunhas”. 
Ora, essa informação foi endereçada ao espírito humano há quase vinte séculos. 
Cada um, pois, tem o séquito invisível a que se devota na Terra. 
Mais tarde, quando a coletividade apreender a grandeza das lições evangélicas, todo homem terá cuidado na escolha de suas testemunhas. 

CONTINUA AMANHÃ

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