CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 49
MÁQUINA DIVINA
Não se passaram muitos minutos e estávamos ao lado do agonizante,
cuja situação preocupava o clínico espiritual.
Era um
cavalheiro de sessenta anos presumíveis, que a leucemia aniquilava
morosamente.
– Há muitos dias se encontra em coma – explicou o facultativo
–, mas temos necessidade de mais forte auxílio magnético,
para facilitar o desprendimento.
No aposento, além de duas senhoras desencarnadas – a mãe
do agonizante e uma parenta próxima –, viam-se familiares encarnados,
dando mostras de grande aflição.
Nosso orientador examinou o enfermo detidamente e sentenciou:
– Nada resta senão a necessidade de concurso para o desligamento
final.
Aniceto, a seguir, recomendou observássemos o moribundo
com atenção.
Concentrando todas as minhas possibilidades, fixei o enfermo
prestes a desencarnar.
Notei, com minúcias, que a alma se retirava
lentamente através de pontos orgânicos insulados.
Assombrado,
verifiquei que, bem no centro do crânio, havia um foco de luz
mortiça, candelabro aceso às ondulações brandas do vento.
Enchia
toda a região encefálica, despertando-me profunda admiração.
– A luz que você observa – disse o instrutor amigo – é a mente,
para cuja definição essencial não temos, por agora, conceituação
humana.
Notando minha estranheza, Aniceto colocou-me a destra na
fronte, transmitindo-me vigoroso influxo magnético, e acentuou:
– Repare a máquina divina do homem, o tabernáculo sagrado
que o Senhor permitiu se formasse na Terra para sublime habitação
temporária do espírito.
Agora, André, não está você diante
duma demonstração anatômica da ciência terrestre, examinando
carne morta e músculos enrijecidos.
Observe agora!
O olho mortal
não poderá contemplar o que se encontra à sua vista neste instante.
O microscópio é ainda pobre, não obstante representar uma
nobre conquista para a limitada visão humana.
A cooperação magnética do querido mentor modificara a cena
e fui compelido a concentrar todas as minhas energias, a fim de
não inutilizar a observação pelo golpe do espanto.
A luz mental, embora fosca, tornara-se mais nítida e o corpo
do moribundo agigantou-se, oferecendo-me espetáculo surpreendente
aos olhos ansiosos.
Parecia-me o corpo, agora, maravilhosa
usina nos mais íntimos detalhes.
O quadro científico era simplesmente
estupefativo.
Identificava, em grandes proporções, os nove
sistemas de órgãos da máquina humana; o arcabouço ósseo, a
musculatura, a circulação sangüínea, o aparelho de purificação do
sangue consubstanciado nos pulmões e nos rins, o sistema linfático,
o maquinismo digestivo, o sistema nervoso, as glândulas
hormonais e os órgãos dos sentidos.
Tal revelação histológica era
diferente de tudo que eu poderia sonhar nos meus trabalhos de
medicina.
A circulação do sangue semelhava-se a movimento de
canais vitalizadores daquele pequeno mundo de ossos, carne, água
e resíduos.
Milhões de organismos microscópicos iam e vinham
na corrente empobrecida de glóbulos vermelhos.
Presenciava a
passagem de formas esquisitas, à maneira de minúsculas embarcações
carregadas de bactérias mortíferas.
Elementos maiores da
flora microbiana transformavam-se em pequeninos barcos hospedando
feras minúsculas, às centenas. Invadiam todos os núcleos
organizados.
Os órgãos, como os pulmões, o fígado e os rins,
estavam sendo assaltados, irremediável-mente, por incalculável
quantidade de sabotadores infinitesimais. E à medida que se consolidavam
os micróbios invasores, em determinadas regiões celulares,
alguma coisa se destacava, lentamente, da zona atacada,
como se um molde sempre novo fosse expulso da forma gasta e
envelhecida, reconhecendo eu, desse modo, que a desencarnação
se operava através de processo parcial, facultando-me ilações
preciosas. Reparei que algumas glândulas faziam desesperado
esforço para enviar aos centros invadidos determinadas porções
de hormônios, que eram incontinenti absorvidos pelos elementos
letais.
O plasma sanguíneo figurava-se líquido estranho e gangrenoso.
Pela excessiva movimentação da onda mental, observei que o
moribundo tentava readquirir a direção dos fenômenos orgânicos,
mas em vão. Todos os complexos celulares atritavam entre si e as
bactérias pareciam gozar o direito de multiplicação crescente e
festiva.
– Está vendo a máquina divina, formada pelo molde espiritual
preexistente? – perguntou Aniceto, compreendendo-me a profunda
admiração.
O corpo do homem encarnado é um tabernáculo e
uma bênção.
Nesta hecatombe angustiosa de uma existência, pode
você reparar que todos os movimentos do corpo estão subordinados
à administração da mente.
O organismo vivo, André, representa
uma conquista laboriosa da Humanidade terrestre, no quadro
de concessões do Eterno Pai.
Pode você, agora, identificar os
movimentos da matéria viva.
Cada órgão é um departamento
autônomo na esfera celular, subordinado ao pensamento do homem.
Cada glândula é um centro de serviços ativos. Há muita
afinidade entre o corpo físico e a máquina moderna.
São ambos
impulsionados pela carga de combustível, com a diferença de que
no homem a combustão química obedece ao senso espiritual que
dirige a vida organizada.
É na mente que temos o governo dessa
usina maravilhosa.
Não possuímos, aí, tão somente o caráter, a
razão, a memória, a direção, o equilíbrio, o entendimento; mas,
também, o controle de todos os fenômenos da expressão corpórea.
Na sede mental e, conseqüentemente, no cérebro, temos todos os
registros de distribuição dos princípios vitais aos núcleos celulares,
inclusive a água e o açúcar.
Os centros metabólicos são grandes
oficinas de trabalho incessante.
A mente humana, ainda que
indefinível pela conceituação científica limitada, na Terra, é o
centro de toda manifestação vital no planeta. Cada órgão, cada
glândula, meu amigo, integra o quadro de serviço da máquina
sublime, construída no molde sutil do corpo espiritual preexistente
e, por isso mesmo, chegará o tempo em que a ciência reconhecerá
qualquer abuso do homem como ofensa causada a si mesmo.
A usina humana é repositório de forças elétricas de alto teor construtivo
ou destrutivo.
Cada célula é minúsculo motor, trabalhando
ao impulso mental.
Aniceto calou-se por momentos e, enquanto eu via, aterrado,
os mais estranhos fenômenos microbianos no corpo do moribundo,
volveu ele à palavra educativa:
– Vemos aqui um irmão no momento da retirada.
Repare a
incapacidade dele para governar as células em conflito.
A corrente
sangüínea transformou-se em veículo de invasores mortíferos, que
não encontraram qualquer fortificação na defensiva. Observe e
identificará milhões de unidades da tuberculose, da lepra, da
difteria, do câncer, que até agora estavam contidos nos porões da
atividade fisiológica, pela defesa organizada, e que se multiplicam
assustadoramente, de par com outros micróbios tão prolíferos
quão terríveis.
A nutrição foi interrompida. Não há possibilidade
de novos suprimentos hormonais. O agonizante retrai-se aos
poucos e ainda não abandonou totalmente a carne, por falta de
educação mental.
Vê-se pelo excesso de intemperança das células,
sobre as quais não exerce nem mesmo um controle parcial, que
este homem viveu bem distante da disciplina de si mesmo.
Seus
elementos fisiológicos são demasiadamente impulsivos, atendendo
muito mais ao instinto que ao movimento da razão concentrada.
A falar verdade, este nosso amigo não se está desencarnando,
está sendo expulso da divina máquina, onde, pelo que vemos, não
parece ter prezado bastante os sublimes dons de Deus.
CONTINUA AMANHÃ
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