CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 47
NO TRABALHO ATIVO
A interpretação de Bentes, obedecendo à inspiração de um
emissário de nobre posição, presente à assembléia, era recebida
com respeito geral, no circulo das entidades desencarnadas.
Na esfera dos encarnados, porém, não se notava o mesmo traço
de harmonia.
Observava-se apreciável instabilidade de pensamento.
A expectativa ansiosa dos presentes perturbava a corrente
vibratória.
De quando em quando, surpreendíamos determinados
desequilíbrios, que afetavam, particularmente, a organização
mediúnica de Dona Isabel e a posição receptiva do comentarista,
que parecia perder “o fio das idéias”, tal qual se diria na linguagem
comum. Colaboradores ativos restabeleciam o ritmo, quanto
possível.
Reparamos que alguns irmãos encarnados se mantinham
irrequietos, em demasia.
Mormente os mais novos em conhecimentos
doutrinários exibiam enorme irresponsabilidade.
A mente
lhes vagava muito longe dos comentários edificantes.
Viam-selhes,
distintamente, as imagens mentais.
Alguns se prendiam aos
quefazeres domésticos, outros se impacientavam por não lograrem
a realização imediata dos propósitos que os haviam levado até ali.
Aniceto, que não perdia ocasião de prestar-nos esclarecimentos
novos, considerou, discreto:
– Muitos estudiosos do Espiritismo se preocupam com o problema
da concentração, em trabalhos de natureza espiritual.
Não
são poucos os que estabelecem padrão ao aspecto exterior da
pessoa concentrada, os que exigem determinada atitude corporal e
os que esperam resultados rápidos nas atividades dessa ordem.
Entretanto, quem diz concentrar, forçosamente se refere ao ato de
congregar alguma coisa. Ora, se os amigos encarnados não tomam
a sério as responsabilidades que lhes dizem respeito, fora dos recintos de prática espiritista, se, porventura, são cultores da
leviandade, da indiferença, do erro deliberado e incessante, da
teimosia, da inobservância interna dos conselhos de perfeição
cedidos a outrem, que poderão concentrar nos momentos fugazes
de serviço espiritual?
Boa concentração exige vida reta. Para que
os nossos pensamentos se congreguem uns aos outros, fornecendo
o potencial de nobre união para o bem, é indispensável o trabalho
preparatório de atividades mentais na meditação de ordem superior.
A atitude íntima de relaxamento, ante as lições evangélicas
recebidas, não pode conferir ao crente, ou ao cooperador, a concentração
de forças espirituais no serviço de elevação, tão só
porque estes se entreguem, apenas por alguns minutos na semana,
a pensamentos compulsórios de amor cristão. Como vêem, o
assunto é complexo e demanda longas considerações e ensinamentos.
Reparei com mais atenção os circunstantes encarnados.
Não
fosse o devotamento dos colaboradores do nosso plano, tornar-seia
impossível qualquer proveito concreto.
Isidoro e outros amigos devotados trabalhavam com ardor,
despertando alguns dorminhocos e reajustando o pensamento dos
invigilantes, para neutralizar determinadas influências nocivas.
Eu reconhecia que os benefícios imediatos da doutrinação de
Bentos eram muito mais visíveis entre os desencarnados.
No
grupo destes, não havia um só que não recebesse consolações
diretas e sublime conforto.
Finda a interpretação, pouco antes de se entregar Dona Isabel
ao trabalho do receituário, observei que uma senhora desencarnada
se aproximara de Isidoro, pedindo, emocionada:
– Ser-lhe-á possível, meu irmão, entender-se por mim com os
nossos orientadores quanto à possibilidade de me comunicar
diretamente com a minha filha, presente à reunião?
Estou certa de
que, com a permissão devida, nossa Isabel me atenderá a angústia
materna.
O interpelado mostrou sincero desejo de ser útil, mas, depois
de trocar algumas palavras com o instrutor mais graduado da
reunião, que se colocara entre a médium e o doutrinador, veio
trazer a resposta, algo constrangido, com grande surpresa para
mim:
– Minha irmã – disse ele –, o nosso nobre Anselmo não julga
viável o seu pedido.
Asseverou que sua filhinha ainda não está em
condições de receber essa bênção.
Ela tem necessidade de testemunhar,
agora, o que aprendeu do seu exemplo, no mundo, e
precisa permanecer no campo da oportunidade, sem repousar
indevidamente nos seus braços.
E como a senhora. denotasse tristeza, Isidoro continuou em
tom fraternal:
– Não somente por isso, minha amiga, nosso instrutor se vê
forçado a desatender.
A medida traria inconveniente grave para o
seu sentimento maternal. No estado evolutivo em que se encontra,
e considerando o velho hábito adquirido, a filhinha se agarraria
excessivamente ao seu auxílio.
Prender-se-ia à mãezinha afetuosa
e sensível, e talvez a irmã se visse perturbada em sua nova carreira
espiritual.
Ela precisa estar mais livre para testemunhar, enquanto
o seu coração deve permanecer em liberdade, por nobre
merecimento conquistado ao preço do seu suor e lágrimas, quando
na Terra. Considerando, embora, o caráter sagrado do amor em
sua feição maternal, nossos orientadores não podem conceder à
sua filha o direito de perturbá-la. Compreende?
Não se atormente
com esta impossibilidade transitória.
Lembre-se de que todos
somos filhos de Deus.
O Senhor terá recursos para atender à
jovem, em seu lugar.
Quanto ao mais, alegremo-nos em nossos
serviços.
Recorde que o auxílio não se verificará pelo processo
direto, mas podemos recorrer ao método indireto.
Quem sabe?
Amanhã, possivelmente, poderá encontrar-se com sua filha, em
sonho.
A interpelada sorriu, confortada, e obtemperou:
– É verdade. Devo compreender a nova situação.
Nesse instante, acercou-se de Isidoro uma entidade amiga,
que solicitou:
– Meu caro, estimaria suas providências junto dos receitistas,
para que forneçam novas indicações ao Amaro.
Meu sobrinho
necessita de amparo à saúde física.
O esposo espiritual de Isabel tomou uma expressão significativa
e respondeu:
– Não posso, meu amigo, não posso.
Se Amaro pedir e os receitistas
cederem, tudo estará muito bem; mas você não ignora
que o nosso doente é muito rebelde.
Já lhe providenciei a obtenção
de conselhos médicos do nosso plano, por cinco vezes, sem
que ele correspondesse aos nossos esforços.
Não se resolve a
adquirir os remédios indicados, e quando os obtém, por obséquio
de amigos, despreza os horários e julga-se superior ao método.
Critica mordazmente as indicações obtidas e serve-se delas com
desprezo.
Naturalmente não estou agastado com isso, como adulto
que se não aborrece com as brincadeiras de uma criança; mas
você compreende que estamos lidando com um material muito
sagrado e não há tempo para conviver com os que estimam a
brincadeira. Além disso, não será caridade o ato de dar aos que
não querem receber.
Isidoro falava com uma inflexão de bondade fraternal, que afastava
todos os característicos da franqueza contundente.
Compreendi
que, para atender a tanta gente e movimentar-se entre
tantos propósitos heterogêneos, não seria possível tratar os assuntos
de outro modo.
O serviço prosseguia com enorme demonstração educativa
para Vicente e para mim.
O esforço dos clínicos espirituais, aliado
à abnegação da intermediária, comovia-me o coração.
Era necessário,
de fato, grande renúncia para atender ao trabalho compacto
e numeroso, no setor de assistência aos encarnados, porque poucos
freqüentadores do grupo pareciam manter atitude correspondente
à sublime dedicação fraternal em nome do Mestre.
Aniceto, porém, adivinhando meus pensamentos, falou com
bondade:
– Um dia, André, você compreenderá, com Jesus, que melhor
é servir que ser servido; mais belo é dar que receber.
CONTINUA AMANHÃ
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