CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 46
APRENDENDO SEMPRE
Segundo informações de Aniceto, faltava mais de uma hora
para o início da preleção evangélica, sob a responsabilidade do
senhor Bentes, na esfera dos freqüentadores encarnados, mas o
movimento de serviço espiritual tornara-se intensíssimo.
Reuniam-se ali, para olhos humanos, trinta e cinco individualidades
terrestres e, no entanto, em nosso círculo, o número de
necessitados excedia de duas centenas, porquanto, agora, a assembléia
estava acrescida de muitas entidades que formavam o
séquito perturbador da maioria dos aprendizes ali congregados.
Para elas, organizou-se uma divisão especial, que me pareceu
constituída por elementos de maior vigilância, visto chegarem,
quase obrigatoriamente, acompanhando os que buscavam o socorro
espiritual, sem a indicação dos orientadores em serviço nas vias
públicas.
A movimentação era enorme e o tempo era escasso para
qualquer observação, sem movimento ativo.
Todos os servidores
da casa se mantinham a postos, desenvolvendo a melhor atenção.
Reparei que num ângulo da grande mesa havia numerosas indicações
de receituário e assistência.
Os mais variados nomes ali
se enfileiravam. Muitas pessoas pediam conselhos médicos, orientação,
assistência e passes.
Quatro facultativos espirituais se moviam
diligentes e, secundando-lhes o esforço humanitário, quarenta
cooperadores diretos iam e vinham, recolhendo informações e
enriquecendo pormenores.
Aproximamo-nos do grande número de papéis nominados e,
enquanto curiosamente buscava examiná-los, Aniceto explicou:
Os Temos aqui a indicação das pessoas que se afirmam necessitadas
de amparo e socorro imediato.
– Mas recebem elas tudo quanto pedem? – indagou Vicente,
curioso.
Nosso mentor sorriu e respondeu:
– Recebem o que precisam.
Muitos solicitam a cura do corpo,
mas somos forçados a estudar até que ponto lhes podemos ser
úteis, no particularismo dos seus desejos; outros reclamam orientações
várias, obrigando-nos a equilibrar nossa cooperação, de
modo a lhes não tolher a liberdade individual.
A existência terrestre
é um curso ativo de preparação espiritual e, quase sempre, não
faltam na escola os alunos ociosos, que perdem o tempo ao invés
de aproveitá-lo, ansiosos pelas realizações mentirosas do menor
esforço.
Desse modo, no capítulo das orientações, a maior parte
dos pedidos são desassisados.
A solicitação de terapêutica para a
manutenção da saúde física, pelos que de fato se interessem pelo
concurso espiritual, é sempre justa; todavia, no que concerne a
conselhos para a vida normal, é imprescindível muita cautela de
nossa parte, diante das requisições daqueles que se negam voluntariamente
aos testemunhos de conduta cristã.
O Evangelho está
cheio de sagrados roteiros espirituais e o discípulo, pelo menos
diante da própria consciência, deve considerar-se obrigado a
conhecê-los.
O instrutor amigo fez pequena pausa, mudou a inflexão de
voz, como para acentuar fortemente as palavras, e considerou:
– Possivelmente, vocês objetarão que toda pergunta exige
resposta e todo pedido merece solução; entretanto, nesse caso de
esclarecer determinadas solicitações dos companheiros encarnados,
devemos recorrer, muitas vezes, ao silêncio.
Como recomendar
humildade àqueles que a pregam para os outros; como ensinar
a paciência aos que a aconselham aos semelhantes, e como indicar
o bálsamo do trabalho aos que já sabem condenar a ociosidade
alheia? Não seria contra-senso? Ler os regulamentos da vida para
os cegos e para os ignorantes é obra meritória, mas, repeti-los aos
que já se encontram plenamente informados, não será menosprezo
ao valor do tempo? Alma alguma, nas diversas confissões religiosas
do Cristianismo, recebe noticias de Jesus, sem razão de ser.
Ora, se toda condição de trabalho edificante traduz compromisso
da criatura, todo conhecimento do Cristo traduz responsabilidade.
Cada aprendiz do Mestre, portanto, está no dever de observar a
consciência, conferindo-lhe os alvitres profundos com as disposições
evangélicas.
Vicente, que escutava com grande interesse, aventou:
– No entanto, ousaria lembrar os que formulam semelhantes
pedidos levianamente...
– Sim – elucidou Aniceto, sorrindo –, mas nós não poderemos
copiar-lhes o impulso.
Os desencarnados e os encarnados, que
ainda abusam das possibilidades do intercâmbio entre as esferas
visíveis e invisíveis ao homem comum, pagarão alto preço pela
invigilância.
– Neste caso – perguntei, respeitoso –, como corresponder
aos pedidos de orientação?
– Alguns, raros – esclareceu nosso orientador –, merecem o
concurso da nossa elucidação verbal, na hipótese de se referirem
aos interesses eternos do espírito, quando isso nos seja possível;
entretanto, quase sempre é indispensável nada responder de maneira
direta, auxiliando os interessados na pauta de nossos recursos,
em silêncio, mesmo porque, não temos grande tempo para
relembrar a irmãos encarnados certas obrigações que lhes não
deviam escapar da memória, para felicidade de si mesmos.
Calou-se por momentos o bondoso instrutor, considerando em
seguida, interessado em nos subtrair quaisquer dúvidas:
Muitas entidades desencarnadas estimam o fornecimento de
palpites para as diversas situações e dificuldades terrestres, mas
esses pobres amigos estacionam desastradamente em questões
subalternas, incapazes de uma visão mais alta, em face dos horizontes
infinitos da vida eterna, convertendo-se em meros escravos
de mentalidades inferiores, encarnadas na Terra.
Esquecem que o
nosso interesse imediato, agora, deve ser, acima de todos, aquele
que se refira à espiritualidade superior. Nossos irmãos inquietos,
que forneçam palpites a preguiçosas mentes encarnadas, sobre
assuntos referentes à responsabilidade justa e necessária do homem,
devem fazê-lo de própria conta.
– Que acontece, então? – perguntou Vicente, curioso.
Nosso mentor, contudo, respondeu com outra pergunta:
– Que acontece ao homem de responsabilidade que se põe a
brincar?
Nesse instante, um dos clínicos espirituais, aproximando-se,
foi gentilmente saudado por Aniceto, que lhe disse, depois de
apresentar-nos:
– Disponha da nossa colaboração humilde.
Aqui estamos na
qualidade de médicos itinerantes, prontos ao concurso ativo.
– Vêm de “Nosso Lar”? – indagou o novo companheiro, respeitosamente.
– Sim – respondeu Aniceto, prestativo.
– Pois bem – considerou ele – se possível, estimarei receberlhes
o auxílio, após a reunião, para dois casos urgentes.
Trata-se
de uma jovem desencarnada hoje e de um agonizante, meu amigo.
– Sem dúvida – acentuou nosso orientador, solícito –, aguardaremos
suas indicações.
CONTINUA AMANHÃ
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