domingo, 3 de junho de 2012

OS MENSAGEIROS - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

CAPÍTULO 44 
ASSISTÊNCIA 

A paisagem de sofrimento, desdobrada aos nossos olhos, lembrava-me o ambiente das Câmaras de Retificação. 
Entendeu-se Aniceto com Isidoro e falou, resoluto: – Mãos à obra! Distribuamos alguns passes de reconforto! – Mas – objetei – estarei preparado para trabalho dessa natureza? – Porque não? – indagou o instrutor em voz firme – toda competência e especialização no mundo, nos setores de serviço, constituem o desenvolvimento da boa vontade. 
Bastam o sincero propósito de cooperação e a noção de responsabilidade para que sejamos iniciados, com êxito, em qualquer trabalho novo. 
Semelhantes afirmativas estimularam-me o coração. 
Recordei Narcisa, a dedicada irmã dos infortunados, que permanecia, em “Nosso Lar”, quase sempre sem repouso, como prisioneira do sacrifício. Pareceu-me, ainda, ouvir-lhe a voz fraterna e carinhosa – “André, meu amigo, nunca te negues, quanto possível, a auxiliar os que sofrem. 
Ao pé dos enfermos, não olvides que o melhor remédio é a renovação da esperança; se encontrares os falidos e os derrotados da sorte, fala-lhes do divino ensejo do futuro; se fores procurado, algum dia, pelos espíritos desviados e criminosos, não profiras palavras de maldição. Anima, eleva, educa, desperta, sem ferir os que ainda dormem. 
Deus opera maravilhas por intermédio do trabalho de boa vontade!” Sem mais hesitação, dispus-me ao serviço. 
Aniceto designou-me um grupo de seis enfermos espirituais, acentuando:  Aplique seus recursos, André. Com a nossa colaboração, os amigos em tarefa nesta casa poderão atender a responsabilidades diferentes e também imperiosas. 
Os mais apagados trabalhadores do bem rejubilem-se pela exemplificação nas lutas comuns e edifiquem-se no Senhor Jesus, porque nenhuma de suas manifestações fica perdida no espaço e no tempo. 
Naquele instante em que fora chamado a prestar auxílios reais, eu não recorria aos meus cabedais científicos, não me reportava tão somente à técnica da medicina oficial, a que me filiara no mundo, mas recordava aquela Narcisa humilde e simples, das Câmaras de Retificação, enfermeira devotada e carinhosa, que conseguia muito mais com amor do que com medicações. Aproximei-me duma senhora profundamente abatida, lembrando o exemplo da generosa amiga de “Nosso Lar”, entendendo que não deveria socorrer utilizando apenas a firmeza e a energia, mas também a ternura e a compreensão. – Minha irmã – disse, procurando captar-lhe a confiança –, vamos ao passe reconfortador. – 
Ai! ai! – respondeu a interpelada – nada vejo, nada vejo! Ah! o tracoma! Infeliz que sou! E me falam em morte, em vida diferente... Como recuperar a vista?! Quero ver, quero ver!... – 
Calma – respondi, encorajado –, não confia no Poder de Jesus? Ele continua curando cegos, iluminando-nos o caminho, guiando-nos os passos! Somente mais tarde lembrei que, naquele instante, olvidara a curiosidade doentia, não pensei na impressão deixada pelo tracoma naquele organismo espiritual, nem me preocupei com a expressão propriamente científica do fenômeno, vendo, apenas, à minha frente, uma irmã sofredora e necessitada. 
E, à medida que me dispunha a observar a prática do amor fraternal, uma claridade diferente começou a iluminar e a aquecer-me a fronte. 
Lembrando a influência divina de Jesus, iniciei o passe de alivio sobre os olhos da pobre mulher, reparando que enorme placa de sombra lhe pesava na fronte. 
Pronunciando palavras de animação, às quais ligava a melhor essência de minhas intenções, concentrei minhas possibilidades magnéticas de auxílio nessa zona perturbada. 
Dentro de alguns instantes, a desencarnada desferiu um grito de espanto. – Vejo! Vejo! – exclamou, entre o assombro e a alegria – grande Deus! grande Deus! 
E ajoelhando-se, num movimento instintivo para render graças, dirigia-me a palavra, comovidamente: – Quem sois vós, emissário do bem? Dominava-me profunda emoção, que não conseguia sofrear. 
Confundia-me a bondade do Eterno. 
Quem era eu para curar alguém? 
Mas a alegria daquela entidade, libertada das trevas, afirmava a ocorrência, na qual não queria acreditar. 
A luz daquela dádiva como que mostrava mais fortemente o fundo escuro de minhas imperfeições individuais e o pranto inundou-me as faces, sem que pudesse retê-lo nos recônditos mananciais do coração. 
Enquanto a enferma espiritual se desfazia em lágrimas de louvor, também eu me absorvia numa onda de pensamentos novos. 
O acontecimento surpreendia-me. 
Desejava socorrer o doente próximo e, contudo, estava enlaçado em singular deslumbramento intimo. Aniceto, porém, aproximou-se delicadamente e falou em voz baixa: – André, a excessiva contemplação dos resultados pode prejudicar o trabalhador. 
Em ocasiões como esta, a vaidade costuma acordar dentro de nós, fazendo-nos esquecer o Senhor. 
Não olvides que todo o bem procede d'Ele, que é a luz de nossos corações. 
Somos seus instrumentos nas tarefas de amor. 
O servo fiel não é aquele que se inquieta pelos resultados, nem o que permanece  enlevado na contemplação deles, mas justamente o que cumpre a vontade divina do Senhor e passa adiante. 
Aquelas palavras não poderiam ser mais significativas, O generoso mentor voltou ao serviço a que se entregara, junto de outros irmãos, e, valendo-me do amoroso aviso, dirigi-me à reconhecida senhora, acentuando: – Minha amiga, agradeça a Jesus e não a mim, que sou apenas obscuro servidor. 
Quanto ao mais, não se impressione em demasia com a visão dos aspectos exteriores; volte o poder visual para dentro de si mesma, para que possa consagrar ao Senhor da Vida os sublimes dons da visão. 
Notei que a ouvinte se surpreendia com as minhas palavras, que lhe pareceram, talvez, inoportunas e transcendentes, mas, novamente firme na compreensão do dever, acerquei-me do enfermo próximo. 
Tratava-se dum infeliz irmão que falecera na Gamboa, vitimado pelo, câncer. 
Toda a região facial apresentavase com horrífico aspecto. 
Apliquei os passes dê reconforto, ministrando pensamentos e palavras de bom ânimo, e reparei que o pobrezinho se sentia tomado de considerável melhora. Prometilhe interesse amigo, a fim de internar-se em alguma casa espiritual de tratamento, recomendando que preparasse a vida mental para colher semelhante benefício, oportunamente. 
Em seguida, atendi a dois ex-tuberculosos do Encantado, a uma senhora que desencarnara em Piedade, em conseqüência de um tumor maligno, e a um rapaz de Olaria, que se desprendera num choque operatório. 
Nenhum destes quatro últimos, contudo, manifestou qualquer alivio. 
Persistiam as mesmas indisposições orgânicas, os mesmos fenômenos psíquicos de sofrimento. Terminada a tarefa que me fora cometida, reuni-me ao nosso instrutor e Vicente, que me esperavam a um canto da sala. – As atividades de assistência – exclamou Aniceto, cuidadoso – se processam conforme observam aqui. 
Alguns se sentem cura dos, outros acusam melhoras e a maioria parece continuar impermeável ao serviço de auxílio. 
O que nos deve interessar, todavia, é a semeadura do bem. 
A germinação, o desenvolvimento, a flor e o fruto pertencem ao Senhor. 
Vicente, que se mostrava fortemente impressionado, observou:
O número de entidades perturbadas espanta. Vemo-las, em diversos graus de desequilíbrio, desde “Nosso Lar” até a Crosta. 
Aniceto sorriu e falou em tom grave: 
Devemos esmagadora percentagem desses padecimentos à falta de educação religiosa. 
Não me refiro, porém, àquela que vem do sacerdócio ou que parte da boca de uma criatura para os ouvidos de outra. Refiro-me à educação religiosa, íntima e profunda, que o homem nega sistematicamente a si mesmo.

CONTINUA AMANHÃ

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