CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 39
TRABALHO INCESSANTE
Ao alvorecer, observei que Aniceto recebia numerosos amigos,
com os quais se entendeu em particular. Informou-nos o
estimado orientador, por espírito de delicadeza, que trazia consigo
incumbências várias, de acordo com as instruções de Telésforo,
das quais era forçado a tratar em caráter privado, não nos ocultando,
todavia, o objetivo essencial, que era, ao que disse, o combate
ativo a uma grande cooperativa de desencarnados ignorantes,
congregados para o mal.
Enquanto ele se mantinha em conversação íntima, ouvíamos,
por nossa vez, outros amigos da faina espiritual.
O dia raiava, agora, com soberano esplendor.
Tínhamos a impressão
de que a chuva da noite varrera as sombras do firmamento.
Pelo número de trabalhadores espirituais que pernoitaram na
casinha humilde, reconheci a importância daquele núcleo de
serviço, tão apagado aos olhos do mundo.
Uma senhora, que se aproximara de nós, exclamava, comovida:
– Que o Senhor recompense a nossa irmã Isabel, concedendolhe
forças para resistir às tentações do caminho. Por haver descansado
neste pouso de amor, pude encontrar minha pobre filha,
desviando-a do suicídio cruel.
Graças à Providência Divina!
Incapaz de sofrear o desejo de aprender, perguntei, curioso:
– Mas como a encontrou, minha irmã?
– Em sonho – respondeu a velhinha bondosa.
Minha Dalva ficou viúva há três anos e, faz onze meses,
deixei-a só, por haver também desencarnado.
A pobrezinha não
tem resistido ao sofrimento quanto devera e deixou-se empolgar
por entidades maléficas, que lhe tramam a ruína.
Embalde me
aproximo dela, durante o dia, mas, com a mente engolfada em
negócios e complicações materiais, não me pôde sentir a influenciação.
Precisava encontrar-me com ela à noite e isso não era
fácil, porque não tenho bastante elevação espiritual para operar
sozinha e o grupo em que sirvo não poderia demorar na Crosta
uma noite inteira por minha causa.
Foi então que uma amiga me
trouxe a este posto de serviço de “Nosso Lar”.
Aqui descansei e
pude agir com os grupos de tarefa permanente, ajudada por infatigáveis
operários do bem.
– E conseguiu seus fins com facilidade? – indagou Vicente,
interessado.
– Graças a Jesus! – respondeu a senhora, evidenciando enorme
satisfação – agora sei que minha filha recebeu meus alvitres
carinhosos de mãe e estou certa de que me atenderá as rogativas.
– Escute, minha amiga – interroguei –, há muitos postos de
“Nosso Lar”, como este?
– Ao que me informaram, há regular número deles, não somente
aqui, mas também noutras cidades do país, além de numerosas
oficinas que representam outras colônias espirituais, entre as
criaturas corporificadas na Terra.
Nesses núcleos, há sempre
possibilidades avançadas, imprescindíveis ao nosso abastecimento
para a luta.
Nesse instante, dois camaradas que nos haviam dirigido a palavra
durante a noite, despertando-nos sincera simpatia, apresentaram-
nos saudações.
– Mas, como? – perguntei – retiram-se tão cedo?
Vamos ao trabalho – respondeu-me um deles –; hoje, à noite,
realizar-se-á o estudo evangélico e devemos auxiliar os irmãos
ignorantes e sofredores que estejam em condições de vir até aqui.
– Há também semelhante tarefa? – indaguei, espantado.
– Como não, meu caro?
O próprio Jesus já dizia, há muitos
séculos, que a seara é grande.
Há trabalho para todos.
E cumprenos
reconhecer que esta oficina de assistência cristã funciona, há
quase vinte anos, de maneira incessante.
– Vocês, no entanto – interroguei –, permanecem aqui desde
os primórdios da fundação?
O interlocutor esclareceu prontamente:
– Não. Muitos, como nós, fazem aqui estágios de serviço.
Somente alguns cooperadores de Isidoro e Isabel aqui estacionam
desde o início da instituição.
Nós outros, contudo, não nos demoramos
em trabalho por mais de dois anos consecutivos. Um posto,
como este, é sempre uma escola ativa e santa, e os que se encontrem
no clima da boa vontade não devem perder ensejo de aprender.
–
Desculpem-me tantas interrogativas – tornei –, mas estimaria
saber se vocês são os únicos com as atribuições de recrutar os
que ignoram e sofrem, para a instrução e o consolo.
–
Não. Hildegardo e eu somos auxiliares apenas de alguns
quarteirões no centro urbano.
Nesse ramo de socorro, os colaboradores
são numerosos.
A essa altura, um dos irmãos, que me parecia integrar o corpo
de orientação da casa, aproximou-se e falou ao nosso interlocutor,
de maneira especial:
– Vieira, recomendo a você e ao Hildegardo a melhor observância
do nosso critério doutrinário.
Será inútil trazerem até aqui
entidades vagabundas ou de má fé, obedecendo aos alvitres da
simpatia pessoal.
Não podemos perder tempo com Espíritos escarninhos
e ociosos, nem com aqueles que se aproximam de nossa
tenda alimentando certas intenções de natureza inferior.
Não
faltarão providências de Jesus para essa gente, em outra parte.
Lembrem-se disso.
Não é falta de caridade, é compreensão do
dever.
Temos um programa de trabalho muito sério, no capitulo
da evangelização e do socorro, não podemos abusar da concessão
de nossos maiores da Espiritualidade Superior.
Quem aceita um
compromisso não vive sem contas. Por muito que vocês amem a
alguma entidade ociosa ou irônica, não facilitem os abusos dela.
Ajudem-na de maneira individual, quando disponham de tempo e
possibilidades para isso.
Não arrastem o grupo a dificuldades.
Não se esqueçam de que existem determinados núcleos de tarefa
para os surdos e cegos voluntários.
Vieira e o colega fizeram-se palidíssimos, não respondendo
palavra.
Quando o orientador se afastou, sereno e ativo, Vieira explicou,
desapontado:
– Recebemos uma admoestação justa.
E porque visse nosso desejo de aprender, prosseguiu, atencioso:
– Infelizmente, Hildegardo e eu temos alguns parentes desencarnados
em dolorosas condições espirituais.
Na reunião passada,
trouxemos meu tio Hilário e o primo Carlos, embora soubéssemos
que ambos não se encontram preparados para reflexões sérias,
pelo desrespeito às leis divinas em que se movimentam, nos ambientes
inferiores. Manifestaram-se ambos, porém, tão desejosos
de renovação, que ouvimos, acima de tudo, a simpatia pessoal,
esquecendo a necessidade de preparação conveniente.
Vieram
conosco, sentaram-se entre os ouvintes numerosos.
Mas, em meio
dos estudos evangélicos, tentaram assaltar as faculdades mediúnicas
da irmã Isabel, para transmissão de uma mensagem de teor menos edificante.
Sentindo-nos a vigilância e surpreendidos pelos
cooperadores desta santificada oficina, revoltaram-se, estabelecendo
grande distúrbio.
Não fossem as barreiras magnéticas do
serviço de guarda, teriam causado males muito sérios.
Assim, a
reunião foi menos frutuosa, pela grande perda de tempo.
Ora,
naturalmente, fomos responsabilizados...
– Meu Deus! – exclamou Vicente, admirado – quanta lição
nova!
– Ah! sim, meu amigo – tornou Vieira, resignado –, aqui não
devemos abusar tanto do amor, como no circulo carnal!
Ninguém
está impedido de ajudar, querer bem, interceder; todos podemos
auxiliar os que amamos, com os recursos que nos sejam próprios,
mas a palavra “dever” tem aqui uma significação positiva para
quem deseje caminhar sinceramente para Deus.
CONTINUA AMANHÃ
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