CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 38
ATIVIDADE PLENA
No salão acolhedor de Dona Isabel, permanecíamos em plena
atividade.
Lá fora, começara o aguaceiro forte, mas tínhamos a
nítida impressão de grande distância da chuva torrencial.
Logo às primeiras horas da madrugada, o movimento intensificou-
se. Muita gente ia e vinha.
– Numerosos irmãos – explicou o orientador – encontram-se
neste pouso de trabalho espiritual, na esfera a que os encarnados
chamariam sonho.
Não é fácil transmitir mensagens de teor instrutivo,
nessa tarefa, utilizando lugares comuns, contaminados de
matéria mental menos digna. Nas oficinas edificantes, porém,
onde conseguimos acumular maiores quantidades de forças positivas
da espiritualidade superior, é possível prestar grandes benefícios
aos que se encontram encarnados no planeta.
Acentuei minhas observações, verificando que muitas das
pessoas recém-chegadas pareciam convalescentes, titubeantes...
Algumas se mantinham de pé, sob o amparo de braços carinhosos.
Eram os amigos encarnados a se valerem do desprendimento
parcial, pelo sono físico, que se reuniam a nós, aproveitando o
auxílio de entidades generosas e dedicadas. Reconhecia, entretanto,
que a maior parte não entendia, com precisão, o que se lhes
desejava dizer.
Muitos pareciam doentes, incompreensivos.
Sorriam
infantilmente, revelando boa vontade na recepção dos conselhos,
mas grande incapacidade de retenção.
Eu estudava os quadros
ambientes, com justa estranheza.
Sempre cuidadoso, Aniceto
veio ao encontro de nossa perplexidade.
– Os Espíritos encarnados – disse –, tão logo se realize a consolidação
dos laços físicos, ficam submetidos a imperiosas leis
dominantes na Crosta.
Entre eles e nós existe um espesso véu. É a -
muralha das vibrações.
Sem a obliteração temporária da memória,
não se renovaria a oportunidade. Se o nosso campo lhes fora
francamente aberto, olvidariam as obrigações imediatas, estimariam
o parasitismo, prejudicando a própria evolução. Eis porque
raramente estão lúcidos ao nosso lado.
Na maioria dos casos,
junto de nós, permanecem vacilantes, enfraquecidos... Vejam
aquela jovem senhora encarnada, em conversa com a vovozinha
que trabalha conosco, em “Nosso Lar”.
Assim dizendo, Aniceto indicou um grupo mais próximo.
A anciã, de olhos brilhantes e gestos decididos, abraçava-se à
neta, lânguida e palidíssima.
– Nieta – exclamava a velhinha, em tom firme –, não dês tamanha
importância aos obstáculos.
Esquece os que te perseguem,
a ninguém odeies. Conserva tua paz espiritual, acima de tudo.
Tua
mãe não te pode valer agora, mas crê na continuidade de nossa
vida.
A vovó não te esquecerá.
A calúnia, Nieta, é uma serpente
que ameaça o coração; entretanto, se a encararmos de frente,
fortes e tranqüilas, veremos, a breve tempo, que a serpente não
tem vida própria.
É víbora de brinquedo a se quebrar como vidro,
pelo impulso de nossas mãos.
E, vencido o espantalho, em lugar
da serpente, teremos conosco a flor da virtude.
Não temas, querida!
Não percas a sagrada oportunidade de testemunhar a compreensão
de Jesus!...
A jovem senhora não respondia, mas seus olhos semilúcidos
estavam cheios de pranto. Demonstrava no gesto vago uma consolação
divina, recostada ao seio carinhoso da devotada velhinha.
– Esta irmã se lembrará de tudo, ao despertar no corpo físico?
– perguntei, intrigado, ao nosso orientador.
Aniceto sorriu e esclareceu:
– Sendo a avó superior e ela inferior, e, examinando ainda a
condição dos planos de vida em que ambas se encontram, a jovem
encarnada está sob o domínio espiritual da benfeitora.
Entre ambas,
portanto, há uma corrente magnética recíproca, salientandose,
porém, que a vovó amiga detém uma ascendência positiva.
A
neta não vê o ambiente com precisão, nem ouve as palavras integralmente.
Não esqueçamos que o desprendimento no sono físico
vulgar é fragmentário e que a visão e a audição, peculiares ao
encarnado, se encontram nele também restritas, O fenômeno, pois,
é mais de união espiritual que de percepções sensoriais, propriamente
ditas.
A jovem está recebendo consolações positivas, de
Espírito a Espírito. Não se recordará, despertando nos véus materiais
mais grosseiros, de todas as minúcias deste venturoso encontro
que acabamos de presenciar.
Acordará, porém, encorajada e
bem disposta, sem poder identificar a causa da restauração do
bom ânimo.
Dirá que sonhou com a avó num lugar onde havia
muita gente, sem recordar as minudências do fato, acrescentando
que viu, no sonho, uma cobra ameaçadora, que logo se transformou
em serpente de vidro, quebrando-se ao impulso de suas
mãos, para transformar-se em perfumosa flor, da qual ainda conserva
a lembrança agradável do aroma.
Afirmará que soberano
conforto lhe invadiu a alma e, no fundo, compreenderá a mensagem
consoladora que lhe foi concedida.
– Não se lembrará, contudo, das palavras ouvidas? – indagou
Vicente, curioso.
– Precisaria ter adquirido profunda lucidez no campo da existência
física – prosseguiu Aniceto, explicando – e devo esclarecer
que recordará as imagens simbólicas da víbora e da flor, porque
está em relação magnética com a veneranda avozinha, recebendolhe
a emissão de pensamentos positivos.
A benfeitora não fala
apenas.
Está pensando fortemente também. A neta, todavia, não
está ouvindo ou vendo pelo processo comum, mas está percebendo
claramente a criação mental da anciã amiga e dará notícia
exata dos símbolos entrevistos e arquivados na memória real e
profunda.
Desse modo, não terá dificuldade para informar-se
quanto à essência do que a bondosa avó deseja transmitir-lhe ao
coração sofredor, compreendendo que a calúnia, quando fere uma
consciência tranqüila não passa de serpente mentirosa, a transformar-
se em flor de virtude nova, quando enfrentada com o valor
duma coragem serena e cristã.
A lição fora profundamente significativa para mim.
Começava
a adquirir amplas noções do intercâmbio entre as duas esferas.
Pensei no longo esforço dos que indagam o mundo dos sonhos.
Quanta riqueza psíquica, suscetível de conquista, se os pesquisadores
conseguissem deslocar o centro de estudo, das ocorrências
fisiológicas para o campo das verdades espirituais!
Lembrei a
psicanálise, a tese freudiana, as manifestações instintivas, inferiores.
Percebendo-me as elucubrações, o devotado mentor dirigiume
a palavra de maneira especial:
– Freud – asseverou Aniceto – foi um grande missionário da
Ciência; no entanto, manteve-se, como qualquer Espírito encarnado,
sob certas limitações.
Fez muito, mas não tudo, na esfera da
indagação psíquica.
Pela pausa do nosso instrutor, percebi que ele não desejava
entrar em minucioso exame da teoria famosa.
Lembrando, porém,
a extraordinária importância atribuída pelo grande cientista às
tendências inferiores, indaguei, um tanto tímido:
– Haverá, porém, centros de reunião para os espíritos desequilibrados
no mal, como acontece, aqui, aos amigos interessados
no bem?
O generoso mentor sorriu, benévolo, e falou:
– Não haja dúvidas quanto a isto.
Através das correntes magnéticas
suscetíveis de movimentação, quando se efetua o sono dos
encarnados, são mantidas obsessões inferiores, perseguições
permanentes, explorações psíquicas de baixa classe, vampirismo
destruidor, tentações diversas.
Ainda são poucos, relativamente,
os irmãos encarnados que sabem dormir para o bem...
E, fazendo um gesto por demais expressivo, concluiu:
– Livre-nos o Senhor de cair novamente...
CONTINUA AMANHÃ
Nenhum comentário:
Postar um comentário