CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 36
MÃE E FILHOS
No comentário evangélico, eu recolhia observações interessantes.
Tal como no caso de Ismália, quando lhe ouvíamos a
sublime melodia, a interpretação de Fábio estava cheia de maravilhas
espirituais que transcendiam à capacidade receptiva de Dona
Isabel.
A viúva de Isidoro parecia deter tão somente uma parte.
Desse modo, as crianças recebiam a lição de acordo com as
possibilidades mediúnicas da palavra materna, enquanto que a nós
outros se propiciava o ensinamento com maravilhoso conteúdo de
beleza.
Sempre solícito, o instrutor esclareceu:
– Não se admirem do fenômeno! cada qual receberá a luz espiritual
conforme a própria capacidade. Há muitos companheiros
nossos, aqui reunidos, que registram o comentário de Fábio com
mais dificuldade que as próprias crianças. Experimentam, ainda,
grandes limitações.
Havia grande respeito em todos os desencarnados presentes.
Fábio Aleto sentou-se em plano superior, ao passo que Isidoro
se acomodava junto da esposa, no impulso afetivo do pai que
se aproxima, solícito, para a conversação carinhosa com os filhos
bem-amados.
Nesse instante, a pequenina Marieta, que parecia haver atingido
os sete anos, aproveitando o momento de palavra livre, perguntou
à mãezinha, em tom comovedor:
– Mamãe, se Jesus é tão bom, porque estamos comendo só
uma vez por dia, aqui em casa? Na casa de Dona Fausta, eles
fazem duas refeições, almoçam e jantam.
Neli me contou que no
tempo de papai também fazíamos assim, mas agora... Porque
será?
A viúva esboçou um sorriso algo triste e falou:
– Ora, Marieta, você vive muito impressionada com essa
questão. Não devemos, filhinha, subordinar todos os pensamentos
às necessidades do estômago. Há quanto tempo estamos tomando
nossa refeição diária e gozando boa saúde?
Quanto benefício
estaremos colhendo com esta frugalidade de alimentação?
Joaninha interveio, acrescentando:
– Mamãe tem toda a razão. Tenho visto muita gente adoecer
por abuso da mesa.
– Além disso – acentuou Dona Isabel, confortada –, vocês
devem estar certos de que Jesus abençoa o pão e a água de todas
as criaturas que sabem agradecer as dádivas divinas. É verdade
que Isidoro partiu antes de nós, mas nunca nos faltou o necessário.
Temos nossa casinha, nossa união espiritual, nossos bons
amigos.
Convençam-se de que o papai está trabalhando ainda por
nós.
Nessa altura da palestra, dada a nossa comoção, Isidoro enxugou
os olhos úmidos.
Noemi, a caçula pequenina, falou em voz infantil:
– É mesmo, é verdade! eu vi papai ajudando a segurar o bolo
que Dona Cora nos trouxe domingo.
– Também vi, Noemi – disse Dona Isabel, de olhos vivamente
brilhantes –, papai continua auxiliando-nos.
E voltando-se para todos, acentuou:
– Quando sabemos amar e esperar, meus filhos, não nos separamos
dos entes queridos que morrem para a vida física. Tenhamos
certeza na proteção de Jesus!...
Marieta, parecendo agora absolutamente tranqüila, assentiu:
Quando a senhora fala, mamãe, eu sinto que tudo é verdade!
Como Jesus é bom! E se nós não tivéssemos a senhora?
Tenho
visto os pequenos mendigos abandonados.
Talvez não comam
coisa alguma, talvez não tenham amigos como os nossos! Ah!
como devemos ser agradecidos ao Céu!...
A viúva, que se confortava visivelmente, ouvindo aquelas palavras,
exclamou com profunda emoção:
– Muito bem, minha filha! Nunca deveremos reclamar e sim
louvar sempre. E possivelmente não saberia você compreender a
situação, se estivéssemos em mesas lautas.
Observei, porém, que o menino não compartilhava aquele dilúvio
de bênçãos.
Entre Dona Isabel e as quatro filhinhas havia
permuta constante de vibrações luminosas, como se estivessem
identificadas no mesmo ideal e unidas numa só posição; mas o
rapazote permanecia espiritualmente distante, fechado num círculo
de sombras.
De quando em quando, sorria irônico, insensível à
significação do momento.
Valendo-se da pausa mais longa, ele
perguntou à genitora, menos respeitosamente:
– Mamãe, que entende a senhora por pobreza?
Dona Isabel respondeu, muito serena:
– Creio, meu filho, que a pobreza é uma das melhores oportunidades
de elevação, ao nosso alcance.
Estou convencida de que
os homens afortunados têm uma grande tarefa a cumprir, na Terra,
mas admito que os pobres, além da missão que lhes cabe no
mundo, são mais livres e mais felizes.
Na pobreza, é mais fácil
encontrar a amizade sincera, a visão da assistência de Deus, os
tesouros da natureza, a riqueza das alegrias simples e puras.
É
claro que não me refiro aos ociosos e ingratos dos caminhos terrenos.
Refiro-me aos pobres que trabalham e guardam a fé.
O
homem de grandes possibilidades financeiras muito dificilmente
saberá discernir entre a afeição e o interesse mesquinho; crente de que tudo pode, nem sempre consegue entender a divina proteção;
pelo conforto viciado a que se entrega, as mais das vezes se afasta
das bênçãos da Natureza; e em vista de muito satisfazer aos próprios
caprichos, restringe a capacidade de alegrar-se e confiar no
mundo.
Apesar da beleza profunda daquela opinião, o rapazola permaneceu
impassível, respondendo algo contrariado:
– Infelizmente, não posso concordar com a senhora.
Até os
garotos do jardim de infância pensam de modo contrário.
Dona Isabel mudou a expressão fisionômica, assumiu a atitude
de quem instrui com a noção de responsabilidade, e acentuou:
– Não estamos aqui num jardim de infância, meu filho.
Estamos
no jardim do lar, competindo-nos saber que as flores são
sempre belas, mas que a vida não pode prosseguir sem a bênção
dos frutos. Por onde andarmos no mundo, receberemos muitos
alvitres da mentira venenosa.
É preciso vigiar o coração, Joãozinho,
valorizando as bênçãos que Jesus nos envia.
O rapazinho, entretanto, demonstrando enorme rebeldia íntima,
tornou:
– A senhora não considera razoável alugar este salão a fim de
termos algum dinheiro a mais?
Estive conversando, ontem, com o
“seu” Maciel, quando vim da escola.
Ele nos pagaria bem, para ter
aqui um depósito de móveis.
Dona Isabel, de ânimo decidido, respondeu com energia, sem
irritação:
– Você deve saber, meu filho, que enquanto respeitarmos a
memória de seu pai, este salão será consagrado às nossas atividades
evangélicas.
Já lhes contei a história do nosso culto doméstico
e não desejo que vocês sejam cegos às bênçãos do Cristo.
Mais
tarde, Joãozinho, quando você entrar diretamente na luta material,
se for agradável ao seu temperamento, construa casas para alugar;
Os
mas agora, meu filho, é indispensável que você considere este
recanto como algo de sagrado para sua mamãe.
– E se eu insistir? – perguntou, mal humorado, o pequeno orgulhoso.
A viúva, muito calma, esclareceu firme:
– Se você insistir, será punido, porque eu não sou mãe para
criar ilusões perigosas ao coração dos filhinhos que Deus me
confiou.
Se muito amo a vocês, precisarei incliná-los ao caminho
reto.
O pequeno quis retrucar, mas a luz emitida pelo tórax de Dona
Isabel, ao que me pareceu, confundiu-lhe o espírito rebelde e
vi-o calar-se, a contragosto, amuado e enraivecido.
Admirei,
então, profundamente, aquela bondosa mulher, que se dirigia à
filha mais velha como amiga, às filhinhas mais novas como mãe,
e ao filho orgulhoso como instrutora sensata e ponderada.
Aniceto, que também se mostrava satisfeito, disse-nos em
tom significativo:
– O Evangelho dá equilíbrio ao coração.
A pequena Neli, amedrontada, pediu, humilde:
– Mamãe, não deixe Joãozinho alugar a sala!
A viúva sorriu, acariciou o rostinho da filha e asseverou:
– Joãozinho não fará isso, saberá compreender a mamãe.
Não
falemos mais neste assunto, Neli.
E fixando o relógio, dirigiu-se à primogênita:
– Joaninha, minha filha, ore agradecendo, em nosso nome.
Nosso horário está findo.
A jovem, com expressão nobre e carinhosa, agradeceu ao Senhor,
tocando-nos os corações.
CONTINUA AMANHÃ
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