CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 34
OFICINA DE NOSSO LAR
Entre dezoito e dezenove horas, atingimos uma casa singela
de bairro modesto. No longo percurso, através de ruas movimentadas,
surpreendia-me, sobremaneira, por se me depararem quadros
totalmente novos. Identificava, agora, a presença de muitos
desencarnados de ordem inferior, seguindo os passos de transeuntes
vários, ou colados a eles, em abraço singular. Muitos dependuravam-
se a veículos, contemplavam-nos outros, das sacadas distantes.
Alguns, em grupos, vagavam pelas ruas, formando verdadeiras
nuvens escuras que houvessem baixado repentinamente ao
solo.
Assustei-me.
Não havia anotado tais ocorrências nas excursões
anteriores ao círculo carnal.
Aniceto, porém, explicou que
não fora vão o auxílio recebido para intensificação do poder visual.
Estávamos em tarefa de observação ativa, com vistas ao aprendizado.
Não dissimulava, entretanto, minha surpresa.
As sombras sucediam-
se umas às outras e posso assegurar que o número de
entidades inferiores, invisíveis ao homem comum, não era menor,
nas ruas, ao de pessoas encarnadas, em contínuo vaivém.
Não
havia, ali, a serenidade dos ambientes de “Nosso Lar”, nem a
calma relativa do Posto de Socorro de Campo da Paz.
Receios
imprevistos instalavam-se-me n'alma, desagradáveis choques
íntimos assaltavam-me o coração, sem que lhes pudesse localizar
a procedência.
Tinha a impressão nítida de havermos mergulhado
num oceano de vibrações muito diferentes, onde respirávamos
com certa dificuldade.
Nosso instrutor esclarecia que, com o
tempo, seriam dilatados nossos poderes de resistência e que as
penosas sensações experimentadas obedeciam à circunstância de
ser aquela a primeira vez que descíamos ao ambiente da Crosta
em serviço de análise mais intenso.
Recomendava-nos bom ânimo
e, sobretudo, a conservação da fortaleza mental, ante quaisquer
quadros menos estimáveis que nos defrontassem de imprevisto. A
eficiência do auxilio, exclamava ele, necessita educação persistente.
Não seria possível ajudar alguém, prendendo-nos a fraquezas
de qualquer espécie.
Os conselhos de Aniceto acalmavam-nos a alma surpreendida
e inquieta, e eu tudo fazia, no íntimo, para ajustar-me aos alvitres
do bondoso orientador, mesmo porque asseverava ele que diversos
companheiros adiavam nobres realizações, em virtude das
manifestações de injustificável receio.
Aquela residência de aspecto tão humilde, que alcançávamos,
agora, proporcionava-me cariciosa impressão de conforto.
Estava
lindamente iluminada por clarões espirituais, que recordavam
precisamente nossa cidade tão distante.
Fundamente surpreendido,
reparei que o nosso orientador se detivera.
Notando a nossa admiração,
Aniceto indicou a casa pobre, e falou:
– Teremos aqui o nosso refúgio.
É uma oficina que representa
“Nosso Lar”.
Profundo assombro empolgou-me o íntimo, mas não tive ensejo
para indagações. Precisava seguir o instrutor, que tomara a
direção da casa pequenina.
Aproximamo-nos do jardim que rodeava
a construção muito simples e, estupefato, observei que numerosos
companheiros espirituais assomavam à janela, saudando-nos
alegremente.
Que significava tudo aquilo?
De outras vezes, visitara minha
cidade e meu antigo lar, mas nunca vira tal coisa.
Aniceto compreendeu-me a perplexidade e explicou:
– Os irmãos que nos saúdam são trabalhadores espirituais que
se abrigam nesta tenda de amor.
Os
Um cavalheiro muito simpático e acolhedor abriu-nos a porta.
Este pormenor foi outra nota imprevista.
Tal não sucedia
quando voltava à minha velha casa terrena.
As portas cerradas não
me ofereciam obstáculos.
Ali, porém, vigorava um sistema vibratório
de vigilância que eu não conhecia, até então.
Nosso instrutor envolveu o anfitrião num abraço amistoso,
apresentando-nos em seguida.
– Aqui, meu caro Isidoro – disse a indicar-nos, carinhoso –,
são nossos amigos Vicente e André, novos cooperadores de serviço,
em “Nosso Lar”.
– Muito bem! muito bem! – exclamou Isidoro, abraçando-nos
– nossas atividades precisam de trabalhadores operosos.
Entrem!
E acrescentou, hospitaleiro:
– A casa pertence a todos os cooperadores fiéis do serviço
cristão.
Era a primeira vez que eu via uma entidade espiritual com tão
segura chefia de uma casa terrestre.
Penetramos o ambiente modesto.
Altamente surpreendido, reparei o interior.
A paisagem material
mostrava alguns móveis singelos, velhos quadros a óleo nas
paredes alvas, velha máquina de costura movimentada por uma
jovem aparentando dezesseis anos, um rapazote de doze anos
presumíveis, atento a cadernetas de exercício escolar, três crianças
de nove, sete e cinco anos, aproximadamente, e, como figura
central do grupo doméstico, uma senhora de quarenta anos, mais
ou menos, tricoteando uma blusa.
Notei, porém, que da fronte, do
tórax, do olhar e das mãos dessa senhora irradiava-se luz incessante
que me não permitia sofrear minhas expressões admirativas.
Aniceto designou-a, respeitoso, e falou: Temos, aqui, a nossa irmã Isabel.
Para os olhos humanos
ela é a viúva de Isidoro, mas para nós é uma servidora leal nas
atividades da fé.
Reparei que Dona Isabel parecia, de algum modo, registrar a
nossa presença, acusando certa surpresa no olhar, mas Aniceto
adiantou-se, esclarecendo:
– Nossa amiga é senhora de grande vidência psíquica, mas os
benfeitores que nos orientam os esforços recomendam não se lhe
permita a visão total do que se passa em torno de suas faculdades
mediúnicas.
O conhecimento exato da paisagem espiritual, em
que vive, talvez lhe prejudicasse a tranqüilidade.
Isabel, portanto,
apenas pode ver, mais ou menos, a vigésima parte dos serviços
espirituais em que colabora, de modo direto...
A essa altura, Isidoro nos indicou pequena sala ao lado, e falou
a Aniceto em particular:
– Desculpem-me se não lhes posso acompanhar no repouso
necessário. Descansem, contudo, à vontade.
Tenho serviços urgentes
na recepção de outros amigos.
Nosso mentor agradeceu, comovidamente, e, acompanhandoo,
alcançamos modesto salão pobremente mobiliado, mas quase
repleto de entidades evolvidas em conversação edificante.
Confortadoras luzes brilhavam em todos os recantos.
Havia
ali um velho relógio, tosca mesa de grandes proporções, uma
dúzia de cadeiras e alguns bancos rústicos.
A claridade espiritual reinante, todavia, era de maravilhoso
efeito. Muita gente esclarecida e generosa do plano invisível aos
humanos aí se reunia.
Aniceto cumprimentou os grupos que lhe
eram mais íntimos, de modo especial, e apresentou-nos com a
bondade de sempre.
Sentindo-nos a admiração, esclareceu, quando nos vimos
mais a sós num canto do salão:
Estamos numa oficina de “Nosso Lar”. Isidoro e Isabel edificaram-
na, num ato de heroísmo e fé, tendo saído de nossa cidade
para essa tarefa, vai para mais de quarenta anos.
Graças a Deus,
ambos têm vencido, galhardamente, árduas provas, e mantêm seus
compromissos corajosamente, em serviço na Crosta.
Há três anos,
voltou ele para nossa esfera, e contudo, graças ao altruísmo da
esposa e aos vínculos de amor espiritual que conservam acima de
todas as expressões físicas, continuam estreitamente unidos, como
no primeiro dia do reencontro na existência material.
Dada esta
circunstância invulgar, as autoridades de “Nosso Lar” concederam-
lhe permissão para continuar nesta casa como esposo amigo,
pai devotado, sentinela vigilante e trabalhador fiel.
E, observando talvez a nossa maior surpresa, Aniceto acrescentou:
– Sim, amigos, o acaso não define responsabilidades nem atende
a construção séria.
A edificação espiritual pede esforço e
dedicação.
Assim como os navios do mundo necessitam de âncoras
firmes para atenderem eficientemente à sua tarefa nos portos,
também nós precisamos de irmãos corajosos e abnegados que
façam o papel de âncoras entre as criaturas encarnadas, a fim de
que, por elas, possam os grandes benfeitores da Espiritualidade
Superior se fazerem sentir entre os homens ainda animalizados,
ignorantes e infelizes.
CONTINUA AMANHÃ
Nenhum comentário:
Postar um comentário