CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 30
EM PALESTRA AFETUOSA
Voltávamo-nos em conversação amiga para as belezas de
“Nosso Lar”, quando Aldonina interveio, acrescentando:
– Alguns membros de nossa família visitam a cidade de vocês,
de tempos a tempos.
Nossa irmã Isaura, que se casou em
“Campo da Paz”, há três anos, lá reside em companhia do esposo,
que é funcionário dos Serviços de Investigação do Ministério do
Esclarecimento.
Percebendo-nos a curiosidade, prosseguiu:
– Morava ele conosco, mas, desde muito tempo, foi convocado
a serviços por lá, vindo, mais tarde, buscar a noiva.
Vicente, que se mantinha em atitude expectante, exclamou:
– Tocamos num assunto que muita admiração me tem despertado,
desde que regressei dos círculos terrenos.
Não tinha, no
mundo, a menor idéia de que pudéssemos cogitar de uniões matrimoniais,
depois da morte do corpo.
Quando assisti a festividades
dessa natureza, em “Nosso Lar”, confesso que minha surpresa
raiou pela estupefação.
Cecília, vivaz, acentuou, sorrindo:
– Isto se deu também conosco.
Entretanto, é forçoso reconhecer
que tal estado d'alma resulta do exclusivismo pernicioso a que
nos entregamos no plano carnal, porque, se o casamento humano
é um dos mais belos atos da existência na Terra, porque deixaria
de existir aqui, onde a beleza é sempre mais quintessenciada e
mais pura? E, além do mais, é imprescindível ponderar que não
vivemos à revelia de leis sábias e justas.
E como são felizes os que se casam em nossos planos! – acentuou
o companheiro, denotando aspirações secretas do coração.
Aldonina esboçou um gesto expressivo e considerou:
– Sim, para possuirmos aqui essa ventura, é preciso ter amado
na Terra, movimentando os mais nobres impulsos do espírito.
Para colher os júbilos dessa natureza, é necessário ter amado com
alma.
Os que se consagram exclusivamente aos desejos do corpo,
não sabem amar além da forma, são incapazes de sentir as profundas
vibrações espirituais do amor sem morte.
Desejando, porém, retomar o assunto referente a Isaura, interroguei,
curioso:
– Continuem falando-nos da irmã que se mudou para “Nosso
Lar”.
Estimaria saber como se realizou o consórcio. Se você,
Cecília, está aguardando um prêmio de visita à nossa cidade,
como se casou ela, transferindo-se para lá definitivamente?
Cecília sorriu e retrucou:
– Isto é outro caso.
Isaura não poderia correr atrás do noivo,
porque estava em situação inferior à dele, mas Antônio, como
superior, poderia descer a buscá-la.
Não creiam, porém, que o
matrimônio se tenha verificado sem qualquer preparação ou exigência.
O noivo poderia conduzi-la sem qualquer formalidade,
desde que recebesse o devido consentimento, porquanto obtivera
permissão das autoridades de “Nosso Lar”, mas um dos chefes de
serviço aconselhou a Isaura, nesse sentido, explicando-lhe que,
como administrador de uma colônia em condições de inferioridade,
não podia opor qualquer embargo, mas pedia à noiva prepararse,
por seis anos sucessivos, em “Campo da Paz”, antes da partida
definitiva, acrescentando sensatamente que, num casamento de
almas, é indispensável apurar o enxoval dos sentimentos.
Nossa
irmã, que foi sempre muito prudente, aceitou a solicitação e trabalhou durante todo esse tempo em nossa colônia, adquirindo valores
culturais e aprimorando o campo do pensamento.
Recebia essas delicadas informações, sem disfarçar a enorme
surpresa.
– Já fui visitar o casal, uma vez – disse Aldonina, honrada –,
quando ganhei o prêmio de assiduidade e bom ânimo. Estive em
“Nosso Lar”, durante uma quinzena inesquecível para mim; no
entanto, embora visitasse sublimes instituições como o Bosque
das Águas, o Salão da Arte Divina, o Campo da Prece Augusta,
reconheço ter voltado muito longe de um conhecimento integral
da enorme cidade.
Lá irei, contudo, mais tarde, pois continuo em
meu trabalho e nossos instrutores afirmam sempre que tudo de
bom deve aguardar do destino quem saiba servir ao bem e trabalhar
com esperança.
Admirando a beleza de sentimentos daquelas jovens, indaguei
emocionado:
– Mas não têm vocês, em “Campo da Paz”, instituições semelhantes?
Não existirão, por lá, templos de alegria abertos à juventude?
– Ah! sim – murmurou Cecília como quem não desejava ser
ingrata às Bênçãos do Eterno –, muito nos dá o Senhor, em nossa
colônia; entretanto, permanecemos na vizinhança dos irmãos
encarnados – As tempestades que nos atingem, obrigam-nos a
serviços constantes.
Os quadros interiores que nos cercam são
profundamente dolorosos. Nossa cidade não possui Ministérios da
União Divina, nem da Elevação.
Não podemos receber a influência
superior com muita facilidade.
Nossos trabalhos de comunicação
e auxílio necessitam ainda de muita gente educada no Evangelho,
para funcionar com eficiência.
Além disso, temos os problemas
de finalidade.
Nossa colônia foi instituída para socorro
urgente.
Ao nosso ver, “Campo da Paz” é, mais que tudo, um avançado
centro de enfermagem, rodeado de perigos, porque os irmãos
ignorantes e infelizes nos cercam o esforço por todos os lados.
De
dez em dez quilômetros, nas zonas de nossa vizinhança, há Postos
de Socorro como este, que funcionam como instituições de assistência
fraternal e sentinelas ativas, ao mesmo tempo.
A jovem fez uma pausa mais longa, observando o efeito de
suas palavras, e rematou:
– Nosso governador, quando se agravam os serviços, costuma
asseverar que estamos num Campo de batalha, com a Paz de
Jesus.
Imagem alguma define tão bem o nosso núcleo, como esta.
No exterior, o trabalho é rigoroso e incessante, mas, dentro de
nós, existe uma tranqüilidade que nós mesmos dificilmente podemos
compreender.
– O serviço circunscreve-se à cidade? – perguntei.
– Não – o trabalho é multiforme.
Eu e Aldonina, por exemplo,
temos grandes tarefas de assistência junto dos recémencarnados.
Nossa cidade prepara, em média, quinze a vinte
reencarnações diárias e torna-se imprescindível assistir os companheiros
ou tutelados, pelo menos no período infantil mais tenro,
que compreende os primeiros sete anos de existência carnal.
E talvez porque lesse em nossos olhos a mais viva admiração,
a jovem adiantou-se, explicando:
– Felizmente, porém, temos as faculdades de volitação bastante
adestradas.
Raramente encontramos empecilhos vibratórios e
podemos, por isso mesmo, agir com grande economia de tempo.
Além disso, somente nossos instrutores vão ao serviço sozinhos.
Quanto a nós, não saímos, a não ser em grupos.
Necessitamos
auxílio recíproco, não só no que diz com a eficiência, senão também
no que se refere ao amparo magnético.
E, sorrindo de modo singular, concluiu: No trabalho de assistência aos outros e defesa de nós mesmos,
não podemos dispensar a prática avançada e justa da cooperação
sincera.
CONTINUA AMANHÃ
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