CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 24
Dentro de poucos instantes, reuníamo-nos, de novo, ao grupo.
O administrador fez um sinal luminoso, em forma triangular,
e observei que todos os cooperadores se puseram de pé, em atitude
respeitosa.
– É o momento da oração, no Posto de Socorro – disse Alfredo,
gentil, como a prestar-nos esclarecimentos precisos.
O Sol desaparecera no firmamento, mas toda a cúpula celeste
refletia-lhe o disco de ouro, Os tons crepusculares encheram as
vizinhanças de maravilhosos efeitos de luz, muito visíveis agora
ao nosso olhar, porque Alfredo, sem que eu pudesse conhecer o
motivo, mandara apagar todas as luzes artificiais, antes da oração.
No centro dos pavilhões, a sombra se fizera, desse modo, muito
intensa, mas o novo aspecto do firmamento, banhado em tonalidades
sublimes, dava-nos a impressão da permanência em prodigioso
palácio, em virtude do imenso teto azul iluminado a distância.
Fundamente impressionado, procurei convizinhar-me mais do
pequeno grupo de companheiros.
Do quadro de colaboradores do castelo, apenas algumas senhoras
permaneciam junto de nós, como se estivessem fazendo
honrosa companhia à nobre Ismália.
Os demais, homens e mulheres,
mantinham-se nos lugares de serviço que lhes competiam, não
longe das criaturas mumificadas.
Notei que, embora instado, Aniceto esquivou-se à chefia espiritual
da oração, alegando que, por direito, essa posição cabia à
devotada esposa de Alfredo.
Ismália, então, num gesto de indefinível delicadeza, começou
a orar, acompanhada por todos nós, em silêncio, salientando-se,
porém, que lhe seguíamos a rogativa, frase por frase, atendendo a
recomendações do nosso orientador, que aconselhou repetir, em
pensamento, cada expressão, a fim de imprimir o máximo ritmo e
harmonia ao verbo, ao som e à idéia, numa só vibração.
“Senhor! – começou Ismália, comovidamente – dignei-vos
assistir os nossos humildes tutelados, enviando-nos a luz de vossas
bênçãos santificantes.
Aqui estamos, prontos para executar
vossa vontade, sinceramente dispostos a secundar vossos altos
desígnios.
Conosco, Pai, reúnem-se os irmãos que ainda dormem,
anestesiados pela negação espiritual a que se entregaram no mundo.
Despertai-os, Senhor, se é de vossos desígnios sábios e misericordiosos,
despertai-os do sono doloroso e infeliz.
Acordai-os
para a responsabilidade, para a noção dos deveres justos!... Magnânimo
Rei, apiedei-vos de vossos súditos sofredores; Criador
compassivo, levantai as vossas criaturas caídas; Pai Justo, desculpai
vossos filhos desventurados! Permiti caia o orvalho do vosso
amor infinito sobre o nosso modesto Posto de Socorro!... Seja
feita a vossa vontade acima da nossa, mas se é possível, Senhor,
deixai que os nossos doentes recebam um raio vivificante do Sol
da vossa bondade!...”
A voz de Ismália penetrava-me o recesso do coração.
Observando-a, por um momento, reparei que a esposa de Alfredo
se transfigurara. Luzes diamantinas irradiavam de todo o
seu corpo, em particular do tórax, cujo âmago parecia conter
misteriosa lâmpada acesa.
Em vista da ligeira pausa que imprimira à oração, observei a
nós outros, verificando que o mesmo fenômeno se dava conosco,
embora menos intensamente.
Cada qual parecia, ali, apresentar
uma expressão luminosa, gradativa.
As senhoras que acompanhavam
Ismália estavam quase semelhantes a ela, como se trajassem
soberbos costumes radiosos, em que predominava a cor azul.
Depois delas, em brilho, vinha a luz de Aniceto, de um lilás surpreendente.
Em seguida, tínhamos Alfredo, cuja luz era de um
verde suave e sugestivo, sem grande esplendor.
Depois dele,
vinham alguns servidores ostentando na fronte claridades sublimes,
expressas em variadas cores, e, logo após, Vicente e eu,
mostrávamos fraca luminosidade, a qual, porém, nos enchia de
júbilo intenso, considerando que a maioria dos cooperadores em
serviço apresentava o corpo obscuro, como acontece na esfera
carnal.
Com voz pausada e comovedora, Ismália prosseguiu:
“Temos, ao nosso lado, Senhor, infortunadas mães que não
souberam descobrir o sentido sublime da fé, resvalando, imprudentemente,
nos despenhadeiros da indiferença criminosa; pais
que não conseguiram ultrapassar a materialidade no curso da
existência humana, incapazes de ver a formosa missão que lhes
confiastes; cônjuges desventurados pela incompreensão de vossas
leis augustas e generosas; jovens que se entregaram, de corpo e
alma, aos alvitres da ilusão!... Muitos deles, atolaram-se no pantanal
do crime, agravando débitos dolorosos! Agora dormem, Pai,
à espera de vossos desígnios santos.
Sabemos, contudo, Senhor,
que este sono não traduz repouso do pensamento... Quase todos os
nossos asilados são vitimas de terríveis pesadelos, por terem
olvidado, no mundo material, os vossos mandamentos de amor e
sabedoria.
Sob a imobilidade aparente, movimenta-se-lhes o
Espírito, entre aflições angustiosas que, por vezes, não podemos
sondar.
São eles, Pai, vossos filhos transviados e nossos companheiros
de luta, necessitados de vossa mão paternal para o caminho!
Quase todos se desviaram da senda reta, pelas sugestões da
ignorância que, como aranha gigantesca dos círculos carnais, tece
os fios da miséria, enredando destinos e corações! Deprecando
vossa misericórdia para eles, rogamos, igualmente para nós, a
verdadeira noção da fraternidade universal!
Ensinai-nos a transpor
as fronteiras de separação para que vejamos em cada infeliz o
irmão necessitado do nosso entendimento!
Ajudai-nos a compreensão,
a fim de que venhamos a perder todo impulso de acusação
nas estradas da vida!
Ensinai-nos a amar como Jesus nos amou!
Também nós, Senhor, que aqui vos rogamos, fomos leprosos
espirituais, cegos do entendimento, paralíticos da vontade, filhos
pródigos do vosso amor!...
Também nós já dormimos, em tempos
idos, nos Postos de Socorro da vossa misericórdia!... Somos simples
devedores, ansiosos de resgatar imensos débitos!
Sabemos
que vossa bondade nunca falha e esperamos confiantes a bênção
de vida e luz!...”
Fizera Ismália nova pausa, agora mais longa. Enxuguei os olhos
umedecidos de pranto.
Suave calor, todavia, apossava-se-me
da alma. E tão intensa era essa nova sensação de conforto, que
interrompi a concentração em mim mesmo, a fim de olhar em
torno.
Fixando instintivamente o alto, enxerguei, maravilhado,
grande quantidade de flocos esbranquiçados, de tamanhos variadíssimos,
a caírem copiosamente sobre nós que orávamos, exceto
sobre os que dormiam.
Tive a impressão de que eram derramados
do céu sobre nossa fronte, caindo com a mesma abundância sobre
todos, desde Ismália ao último dos servidores.
Não cabia em mim
de admiração, quando novo fenômeno me surpreendeu.
Os flocos
leves desapareciam ao tocar-nos, começando, porém, a sair de
nossa fronte e do peito grandes bolhas luminosas, com a coloração
da claridade de que estávamos revestidos, elevando-se no ar e
atingindo as múmias numerosas.
Ainda aí, reparava o problema da
gradação espiritual. As luzes emitidas por Ismália eram mais
brilhantes, intensas e rápidas, alcançando muitos enfermos de uma
só vez.
Em seguida, vinham as fornecidas pelas senhoras do seu
círculo pessoal.
Depois, tínhamos as de Aniceto, de Alfredo e dos
demais.
Os servos de corpo obscuro emitiam vibrações fracas,
mas visivelmente luminosas.
Cada qual, naquele instante de contacto com o plano superior, revelava o valor próprio na cooperação
que podia prestar.
Observando-me o assombro, Aniceto falou-me aos ouvidos:
– Na prece encontramos a produção avançada de elementosforça.
Eles chegam da Providência em quantidade igual para todos
os que se dêem ao trabalho divino da intercessão, mas cada Espírito
tem uma capacidade diferente para receber.
Essa capacidade é a conquista individual para o mais alto. E
como Deus socorre o homem pelo homem e atende a alma pela
alma, cada, um de nós somente poderá auxiliar os semelhantes e
colaborar com o Senhor, com as qualidades de elevação já conquistadas
na vida.
CONTINUA AMANHÃ
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