sábado, 12 de maio de 2012

OS MENSAGEIROS - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

 CAPÍTULO 22

 OS HOMENS QUE DORMEM 

 Seguimos através de longas filas de arvoredo acolhedor, rumo às vastas edificações que obedeciam a linhas arquitetônicas singulares. Sem que eu pudesse explicar o fenômeno, as luzes diminuíam progressivamente. Que teria acontecido? Vicente e eu nos entreolhamos, assustados. 
Alfredo, Aniceto e os demais, todavia, caminhavam sem surpresa. 
A serenidade deles tranqüilizava-me o íntimo, embora o espanto insofreável. 
Mais alguns passos, atingimos os pavilhões diferentes, que se estendiam em área superior a três quilômetros, pelos meus cálculos. 
Lá dentro, contudo, as sombras se fizeram mais densas. 
Conseguia distinguir, vagamente, os quadros interiores, observando que se tratava, a meu ver, de espaçosas enfermarias com teto sólido, mas semi-abertas ao longo das paredes altas, dando livre passagem ao ar. 
Dezenas de operários, devotados e operosos, seguiam-nos em absoluto silêncio. 
Alfredo era o único a falar, notando-se, contudo, que se fizera extremamente discreto nas palavras. 
Tudo isso me dava a impressão de haver penetrado um cemitério escuro, onde os visitantes fossem obrigados a guardar todo o respeito aos mortos. 
Com estranheza, notei que um dos servidores entregara ao chefe do Posto pequenina máquina, que Alfredo nos deu a conhecer gentilmente, explicando: 
– Este é o nosso aparelho de sinalização luminosa. 
Estamos no centro dos pavilhões a que se recolhem irmãos ainda adormecidos. 
Temos aqui, presentemente, quase dois mil. 
Os numerosos cooperadores dirigiam-se em ordem para a zona de serviços que lhes competiam. 
Depois de pequena pausa, falou o administrador com firmeza: – Iniciemos o trabalho de assistência. 
Ao primeiro sinal luminoso de Alfredo, acenderam-se numerosas lâmpadas elétricas e, então, dominando, a custo, a primeira impressão de horror, vi extensas filas de leitos ao rés do chão, ocupados todos por pessoas mergulhadas em profundo sono. 
Muitos tinham o semblante horrendo. 
Eram muito poucos os que traziam as pálpebras cerradas, parecendo tranqüilos. 
Em quase todos, estampavam-se-lhes nos olhos, aparentemente vitrificados, o extremo pavor e o doloroso desespero da morte. 
Cadavérica palidez cobria-lhes a face. Recordando a literatura antiga, pensei nos velhos túmulos egípcios. 
Tínhamos, diante de nós, centenas de múmias perfeitas. 
Raríssimos pareciam dormir um sono natural. 
Aproximando-se de nós outros, Alfredo falou a Aniceto, em particular: 
– Infelizmente, não podemos atender a todos. – Porquê? – indagou nosso orientador, comovido. 
– Estamos aguardando pessoal adestrado. Tenho aqui a colaboração de oitenta auxiliares para este gênero de serviço; entretanto, não pode cada qual atender a mais de cinco doentes de uma só vez. 
A vista disso, dos nossos mil novecentos e oitenta abrigados, separei os quatrocentos mais suscetíveis de próximo despertar, a fim de submetê-los ao tratamento intensivo. – E os demais? 
– Recebem alimento e medicação mais densos uma vez por dia. 
Aniceto calou-se, pensativo. 
Profundamente tocado pelo que via, inclinei-me instintivamente para o abrigado mais próximo, tentando examinar-lhe o estado fisiológico. 
Identifiquei o calor orgânico, a pulsação regular e os movimentos respiratórios, embora verificasse a extrema rigidez dos membros, como que mergulhados em imobilidade cataléptica. 
Indescritível impressão apoderou-se de mim. 
Levantei-me assustado, dirigi-me a Aniceto com a máxima discrição, e interroguei: Explicai-me, por Deus! que vemos aqui? 
Estamos, acaso, na moradia da morte, depois da morte? 
O instrutor sorriu, complacente, e explicou em voz quase imperceptível: 
– Sim, André, este sono é, verdadeiramente, avançada imagem da morte. 
Aqui permanecem, com a bênção do abrigo, alguns milhões dos nossos irmãos que ainda dormem. 
São as criaturas que nunca se entregaram ao bem ativo e renovador, em torno de si, e mormente os que acreditaram convictamente na morte, como sendo o nada, o fim de tudo, o sono eterno. 
A crença na vida superior é atividade incessante da alma. 
A ferrugem ataca a enxada ociosa. O entorpecimento invade o Espírito vazio de ideal criador. 
Os que, nos círculos carnais, homens e mulheres, crêem na vida eterna, ainda que não sejam fundamentalmente cristãos, estão desenvolvendo faculdades de movimentação espiritual e podem penetrar as esferas extraterrenas em estado animador, pelo menos quanto à locomoção e juízo mais ou menos exato. 
No entanto, as criaturas que perseveram em negação deliberada e absoluta, não obstante, por vezes, filiadas a cultos externos de atividade religiosa, que nada vêem além da carne nem desejam qualquer conhecimento espiritual, são verdadeiramente infelizes. Muitos penetram nossas regiões de serviço, como embriões de vida, na câmara da Natureza sempre divina. 
Um amigo nosso costuma designá-los por fetos da espiritualidade; entretanto, a meu ver, seriam felizes se estivessem nessa condição inicial. 
Temos a certeza, porém, de que muitos se negaram ao contacto da fé, absolutamente por indiferença criminosa aos desígnios do Eterno Pai.
 Dormem, porque estão magnetizados pelas próprias concepções negativistas; permanecem paralíticos, porque preferiram a rigidez ao entendimento; mas dia virá em que deverão levantar-se e pagar os débitos contraídos. 
Eis porque os considero sofredores. 
Primeiramente, demoram no sono em que acreditaram, mais tarde acordam; porém, a maioria não pode fugir à enfermidade e à perturbação, como acontece aos irmãos dementados, que vimos inda há pouco. 
Grande o meu assombro. Como Vicente se aproximasse, também, para ouvi-lo, falou Aniceto, esclarecendo a nós ambos: 
– A fé sincera é ginástica do Espírito. Quem não a exercitar de algum modo, na Terra, preferindo deliberadamente a negação injustificável, encontrar-se-á mais tarde sem movimento. Semelhantes criaturas necessitam de sono, de profundo repouso, até que despertem para o exame das responsabilidades que a vida traduz. Observando que o nosso orientador se esquivava a comentários longos, para que pudéssemos seguir, de mais perto, os trabalhos de assistência, calei as muitas indagações que me escaldavam a mente. Com exceção de algumas senhoras que permaneciam junto de Ismália, todo. os servidores se mantinham em posição de vigilância, ao pé dos grupos mumificados. 
A luz artificial iluminava os leitos, que se perdiam de vista, mas observei que nenhum dos albergados reagia à intensa claridade que se fizera. 
Continuavam rígidos, cadavéricos, prostrados. Notei, então, que Alfredo começou a mover o aparelho de sinalização, para emitir as ordens de serviço. Cada sinal determinava operação diferente. 
Vi os servidores do Posto distribuírem pequenas porções de alimento líquido e medicação bucal, em profundo silêncio. 
Em seguida, forneceram reduzidas quantidades de água efluviada aos infelizes, com exceção, porém, de muitos que pareciam preparados a receber, tão somente, caldo e remédio. 
Dois terços dos quatrocentos abrigados em tratamento receberam passes magnéticos. 
Alguns poucos receberam aplicações do sopro curador. 
Todos os movimentos do trabalho eram transmitidos pela sinalização luminosa, partida das mãos do administrador, que parecia interessado na manutenção do máximo silêncio. 
Impressionado com o que via, perguntei ao orientador, em voz baixa, a razão de alguns enfermos não terem sido beneficiados com a água e com o socorro de forças novas, através do passe e do sopro vivificante. 
Aniceto, todo bondade, inclinou-se aos meus ouvidos, com a ternura de um pai ansioso por tranqüilizar o filhinho inquieto, e falou: 
– Cada um na vida, meu caro André, tem a necessidade que lhe é peculiar. Aqui, compreendemos com amplitude esse imperativo da Natureza. 

 CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: