sexta-feira, 11 de maio de 2012

OS MENSAGEIROS - LIVRO DE CHICO XAVIER

CONTINUAÇÃO

 CAPÍTULO 21

     ESPÍRITOS DEMENTADOS 

 Inúmeros servidores acompanhavam-nos ao serviço. Movimentavam- se carregadores sem conta.
 Conduziam grandes botijas d'água, caldeirões de sopa, vasos de substância medicamentosa, em galeotas diversas.
 Mais alguns passos e notei que centenas de entidades se reuniam em vastos albergues, olhos vagueantes e rostos sombrios, parecendo uma assembléia de loucos em manicômio de amplas proporções.
 Alfredo aconselhou umas tantas providências de serviço à maioria dos técnicos do sopro curativo, os quais se desviaram de nós, rumo às edificações situadas em zona diferente.
 Gentilmente nos explicava que os benfeitores de “Campo da Paz” localizavam, ali, grande número de Espíritos enfermos, mais desequilibrados que propriamente perversos.
 Os doentes que tínhamos sob os olhos permaneciam em melhores condições.
 Já se locomoviam e muitos deles já conversavam, apesar do desequilíbrio que lhes assinalava as palavras e pensamentos. Esclarecia-nos sobre as múltiplas obrigações do trabalho de rotina, quando algumas entidades se acercaram, respeitosas: – Senhor Alfredo – disse um velho de barbas muito alvas –, estou aguardando o resultado da minha petição. Em que ficamos, quanto às minhas terras e os escravos? Paguei bom preço ao Carmo Garcia. Sabe o senhor que venho sendo perseguido durante muitos anos, e não posso perder mais tempo.
 Quando volto para casa? Creio esteja o senhor ciente da necessidade de eu voltar ao seio dos meus. Esperam-me a mulher e os filhos.
 Como excelente médico da alma, Alfredo prestou a maior atenção e respondeu, como se estivesse tratando com pessoa de bom senso: – Sim, Malaquias, você reclama com razão, mas sua saúde não permite o regresso apressado. Você sabe que sua esposa, Dona Sinhá, pediu fosse você aqui tratado convenientemente. Creio que ela deve estar muito tranqüila a seu respeito.
 Suas idéias, porém, meu amigo, não estão ainda bem coordenadas.
 Temos alguma coisa mais a fazer. Porque preocupar-se tanto, assim, com as terras e os escravos? Primeiramente a saúde, Malaquias; não esqueça a saúde! O velho sorriu, como o doente apoiado na firmeza e no otimismo do médico. – Reconheço que as suas observações são justas, mas meus filhos não se movem sem mim, são preguiçosos e necessitam da minha presença. Mas, doutrinando sutilmente o pobre velhinho, o administrador objetou: – Entretanto, donde vieram os filhos para os seus braços paternos? Não vieram das mãos de Deus? – Sim, sim... – afirmava o ancião, trêmulo e satisfeito. – Pois é isso, Malaquias, chegam instantes na vida, em que precisamos devolver a Deus o que a Ele pertence.
 Além do mais, seus filhos são também responsáveis e, se forem ociosos, responderão pelos males que criarem em torno de si mesmos.
 Por agora, é indispensável que você se refaça, aclare as idéias e sossegue o coração.
 O velho sorriu, confortado, mas, antes que pudesse falar de novo, um cavalheiro, denotando nobre aprumo, adiantou-se, exclamando: – E a solução do meu processo, senhor Alfredo?
 Sinto-me prejudicado pelos parentes de má fé. Minha parte na herança dos avós é cobiçada pelos primos.
 Segundo já lhe fiz ver, meu quinhão é superior aos demais. Soube, todavia, que o Visconde de Cairu interpôs toda a sua influência contra mim.
 Ninguém ignora tratar-se de um grande velhaco.
 Que não poderá ele fazer com as artimanhas políticas?
 Está mal informado a meu respeito.
 O senhor enviou meu pedido ao Imperador? – Já expedi a mensagem – esclareceu Alfredo com carinho fraternal –, o Imperador certamente levará em conta a solicitação. – Entretanto, a demora é muito grande!... – falou o cavalheiro, impaciente, como se estivesse diante de um subordinado vulgar. – Mas, meu caro Aristarco – respondeu o administrador, muito calmo –, acredito que você está sendo experimentado para conhecer a grandeza da herança divina. Que valem os patrimônios terrestres, ante os patrimônios imperecíveis?
 Não pense no que tem perdido; medite nos bens sublimes que poderá alcançar, diante da Vida Eterna.
 Esqueça os primos ambiciosos e o Visconde que não o compreendeu.
 Terão eles de deixar quanto possuem, no campo transitório, a fim de prestarem contas à Divindade.
 Nunca pensou nisto? Aristarco pareceu perder, por momentos, a inquietação, sorriu francamente e respondeu: – É verdade! Os tratantes morrerão... Uma senhora, mostrando-se aflita, pôs-se à nossa frente e interpelou, altiva: – Senhor Alfredo, peço-lhe não me retenha aqui.
 Meu marido é nosso próprio adversário.
 Prometeu perseguir as filhas, tão logo me ausentasse de casa.
 Aqui permanecendo, estou certa de que ele nos dissipará os bens, desmoralizar-nos-á o nome. Por favor, autorize o meu regresso.
 O coração me diz que as filhinhas estão desesperadas. Convenço-me, cada vez mais, de que minha moléstia teve origem neste estado de coisas... – Já sei, minha irmã – respondeu o nosso amigo com a mesma solicitude –; no entanto, que adiantaria regressar, tão fortemente atormentada?
 Não será melhor curar-se, tranqüilizar o espírito para ajudar as filhinhas com eficiência? – Mas, nem sequer sei onde estou – reclamou a pobre senhora, torcendo as mãos –, creio me tenham trazido ao fim do mundo, para tratamento de uma simples perda de sentidos! – Todavia, ninguém a maltrata – disse o interlocutor, bondosamente – e seu caso não é tão simples como parece.
 Tenha calma. 
 Os laços consangüíneos são edificantes, mas, acima deles, vibra a família universal.
 Há criaturas suportando fardos muito mais pesados que o seu.
 Aprenda, quanto esteja em suas possibilidades, a desfazer-se de aquisições passageiras, para ganhar os eternos bens.
 A infeliz não sorriu como os outros.
 Fechando-se em sombria catadura, afastou-se pesadamente, olhos fulgurantes de cólera, como se a mente estivesse cravada muito longe, incapaz de qualquer compreensão.
 Adiantaram-se outros enfermos, mas o administrador falou em voz alta: – Não posso atender a todos no momento.
 Depois de amanhã, serão recebidos para explicações.
 E, voltando-se para nós, esclareceu a sorrir: – No circulo carnal, seriam todos absolutamente normais; no entanto, aqui, são verdadeiros loucos.
 São desencarnados que, por muito tempo, se agarraram aos problemas inferiores
. Reclamam providências, sem falar no ensejo de iluminação que menosprezaram, acusam os outros, sem relacionarem os próprios erros.
 Procurei ouvi-los para lhes dar uma idéia do nosso trabalho, no setor dos que se desequilibram mentalmente por excesso de centralização em propósitos inferiores.
 Não é crime interessar-se alguém pelas atividades rurais, pela recepção de uma herança, pelo bemestar da família; mas, no fundo, o velhinho que reclama terras e escravos nunca pensou senão em tirania no campo; o cavalheiro, que aguarda a herança, deseja lesar os primos; e a senhora, que se revelou tão interessada pelo ambiente doméstico, desencarnou quando pretendia envenenar o marido, às ocultas.  Conheço-lhes os processos, um a um. Acordaram de longo sono, na inconsciência, e julgam-se ainda encarnados, supondo igualmente que podem dissimular as pretensões criminosas.
 Eu estava assombrado. 
 Expressando minha profunda admiração, perguntei: – Esses doentes demoram-se aqui? Como alcançaram o Posto? Gentil, como sempre, Alfredo respondeu: – Foram recolhidos em pior estado. Já estiveram em pesado sono durante muito tempo e vão readquirindo a memória, gradativamente, até que possam ser encaminhados aos Institutos Magnéticos de “Campo da Paz”, a fim de receberem maiores auxílios e necessários esclarecimentos. 

 CONTINUA AMANHÃ

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