CONTINUAÇÃO
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Preparativos
A noite, Aniceto veio ver-nos, começando por dizer:
– Amanhã deveremos partir os três, a serviço nas esferas da
Crosta.
Telésforo recomendou-me certas atividades de importância,
mas posso atendê-las em particular, proporcionando a ambos
uma estação semanal de experiência e serviço.
Fiquei radiante.
Muita vez regressara ao ninho doméstico,
tornara à cidade em que desenvolvera a tarefa última e, todavia,
não me detivera no exame das possibilidades extensas do concurso
fraternal.
De quando em vez, era defrontado por situações
difíceis, nas quais velhos conterrâneos encaravam problemas de
vulto; entretanto, sentia-me incapaz de auxiliá-los, eficientemente,
na solução desejável.
Faltava-me técnica espiritual para fazê-lo.
Não tinha bastante confiança em mim mesmo.
Deixando perceber que ouvira meus pensamentos profundos,
Aniceto dirigiu-me a palavra de maneira especial, asseverando:
– Você, André, ainda não pôde auxiliar os amigos encarnados
porque ainda não adquiriu a devida capacidade para ver.
É razoável.
Quando na carne, somos muitas vezes inclinados a verificar
tão somente os efeitos, sem ponderar as origens.
No mendigo,
vemos apenas a miséria; no enfermo, somente a ruína física.
Faz-se
indispensável identificar as causas.
Depois de meditar alguns momentos, prosseguiu:
– Procuraremos, contudo, remediar a situação. Amanhã, pela
madrugada, você e Vicente apareçam no Gabinete de Auxílio
Magnético às Percepções, que fica junto ao Centro de Mensageiros.
Darei as providências para que vocês alcancem o necessário
melhoramento da visão.
Peço-lhes, todavia, receberem semelhante
auxílio em prece.
Roguem a Deus lhes permita a dilatação do
poder visual.
Compenetrem-se da grandeza desse dom sublime. E,
sobretudo, enviem à Majestade Eterna um pensamento de consagração
ao seu amor e aos seus serviços divinos.
Não desejo induzi-
los a atitudes de fanatismo sem consciência.
Não podemos
abusar da oração aqui, segundo antigas viciações do sentimento
terrestre.
No círculo carnal, costumamos utilizá-la em obediência
a delituosos caprichos, suplicando facilidades que surgiriam em
detrimento de nossa própria iluminação.
Aqui, todavia, André, a
oração é compromisso da criatura para com Deus, compromisso
de testemunhos, esforço e dedicação aos superiores desígnios.
Toda prece, entre nós, deve significar, acima de tudo, fidelidade
do coração.
Quem ora, em nossa condição espiritual, sintoniza a
mente com as esferas mais altas e novas luzes lhe abrilhantam os
caminhos.
Diante da nobre autoridade de Aniceto, não me atrevi a falar e
cheguei mesmo a recear a externação de qualquer pensamento.
Deixou-nos o generoso instrutor com palavras carinhosas de
amizade e incentivo.
Vicente e eu acalentávamos projetos magníficos.
Fiamos, pela
primeira vez, cooperar a favor dos encarnados em geral.
Nosso
repouso noturno foi brevíssimo.
Aguardávamos, ansiosamente, a
alvorada, a fim de receber o auxílio magnético do Gabinete referido.
Poucas vezes orei com a emoção daquela hora.
Os esclarecidos
técnicos da instituição colocaram-nos, primeiramente, em
relação mental direta com eles e, em seguida, submeteram-nos a
determinadas aplicações espirituais, que ainda não posso compreender
em toda a extensão e transcendência.
Observei, contudo,
que a colaboração magnética não nos retirava o sentido consciencial,
e aproveitei a oportunidade para a oração sincera, que era
mais um compromisso de trabalho que ato de súplica, propriamente
considerado.
Decorrido certo tempo, fomos declarados em liberdade para
sair, quando nos prouvesse.
A principio, nada notei de extraordinário, embora sentisse,
dentro do coração, nova coragem e alegria diferente.
Experimentava
bom ânimo, até então desconhecido.
Meus sentidos da visão
e da audição pareciam mais límpidos.
Aniceto, que se mostrava muito satisfeito, esperava-nos no
Centro, marcando a partida para o meio-dia.
Ansioso, aguardei o instante aprazado.
Não nos ausentamos de “Nosso Lar” como os viajores terrestres,
geralmente carregados de matalotagens e volumes diversos.
– Aqui – disse Aniceto jocosamente –, toda a nossa bagagem
é a do coração.
Na Terra, malas, bolsas, embrulhos; mas, agora,
devemos conduzir propósitos, energias, conhecimentos e, acima
de tudo, disposição sincera de servir.
Alguns companheiros presentes riram-se com gosto.
Nesse instante, nosso orientador fez algumas recomendações.
Designou colegas para a chefia de turmas de aprendizado, estabeleceu
programas de serviço e notificou que voltaria à colônia,
diariamente, por algumas horas, deixando-nos, Vicente e eu, nos
serviços da Crosta, em trabalhos e observações que deveriam
prolongar-se por toda a semana.
Despedimo-nos dos camaradas de luta, repletos de esperança.
Era a nossa primeira excursão de aprendizado e cooperação aos
semelhantes.
Quando nos puséramos a caminho, nosso Instrutor observou:
– Creio que a viagem para vocês será diferente. Certo, estão
habituados à passagem livre, mantida por ordem superior para as
atividades normais de nossos trabalhos e trânsito dos irmãos
esclarecidos, em vésperas de reencarnação.
– Como assim? – perguntou Vicente, admirado.
– Pois não sabia?
As regiões inferiores, entre “Nosso Lar” e
os círculos da carne, são tão grandes que exigem uma estrada
ampla e bem cuidada, requerendo também conservação, como as
importantes rotas terrestres.
Por lá, obstáculos físicos; por cá,
obstáculos espirituais. As vias de comunicação normais destinam-se
a intercâmbio indispensável.
Os que se encontram nas tarefas
da nossa rotina sagrada precisam livre trânsito e os que se dirigem
da. esfera superior à reencarnação devem seguir com a harmonia
possível, sem contacto direto com as expressões dos círculos mais
baixos.
A absorção de elementos inferiores determinaria sérios
desequilíbrios no renascimento deles. Há que evitar semelhantes
distúrbios.
Nós, porém, seguimos numa expedição de aprendizado
e experiência.
Não devemos, por isso, preferir os caminhos mais
fáceis.
Identificando-nos a perplexidade, Aniceto concluiu:
– Imaginemos um rio de imensas proporções. separando duas
regiões diferentes.
Existe o vau que oferece transporte rápido e há
passagens diversas através de fundos precipícios.
Pela expressão do bondoso instrutor, concluí que ele poderia
voltar à colônia quando quisesse, que não encontraria obstáculos
de qualquer ordem, em parte alguma, em razão do poder espiritual
de que se achava revestido, mas fazia-se peregrino, como nós, por
devotamento à missão de ensinar.
Vicente e eu não dispúnhamos
de expressão vibratória adequada aos grandes feitos.
Éramos
vulgares, quanto o era a maioria dos habitantes da nossa cidade
espiritual. Possuíamos apenas alguns princípios de volitação;
contudo, permanecíamos muito distantes do verdadeiro poder.
Nunca vira, pois, a energia e a humildade em tão belo consórcio.
Aniceto dirigia-nos, firmemente, como orientador de pulso, vigo
roso e sábio, mas não vacilava em se fazer igual a nós, a fim de
servir como devotado companheiro.
Meditando sobre a lição sublime, em pleno impulso volitante,
contemplei as torres de “Nosso Lar”, que iam ficando a distância.
CONTINUA AMANHÃ
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