CONTINUAÇÃO
13 - PONDERAÇÕES DE VICENTE
Não estava farto de lições, mas, para o momento, havia aprendido
bastante. Impressionado com o que me fora dado observar,
não insisti com Vicente para prolongar nossa demora no
Centro de Mensageiros.
Deixando grandes grupos em conversação ativa, reconstituindo
projetos e refazendo esperanças, segui o companheiro que me
convidava a visitar os imensos jardins. Roseirais enormes balsamizavam
a atmosfera leve e límpida.
– Sinto-me fortemente impressionado – murmurei
–. Quem
diria pudessem caber tantas responsabilidades a essas criaturas?
Não conheci pessoalmente nenhum médium ou doutrinador do
Espiritismo, justificando agora minha surpresa.
Vicente sorriu e ponderou:
– Você, meu caro, procede das Câmaras de Retificação, onde
os trabalhos são muito reservados e circunscritos.
Talvez sua
impressão provenha dessa circunstância.
Verá, porém, com o
tempo, que existem aqui locais de conversações dessa natureza,
referentes a todas as oportunidades perdidas.
Já visitou alguma
dependência do Ministério do Esclarecimento?
– Não.
– Localizam-se, ali, os enormes pavilhões das escolas maternais.
São milhares de irmãs que comentam, por lá, as desventuras
da maternidade fracassada, buscando reconstituir energias e caminhos.
Ainda ali, temos os Centros de Preparação à Paternidade.
Grandes massas de irmãos examinam o quadro de tarefas perdidas
e recordam, com lágrimas, o passado de indiferença ao dever.
Nesse mesmo Ministério, temos a Especialização Médica. Nobres
profissionais da Medicina, que perderam santas oportunidades de
elevação, lá discutem seus problemas.
Nesse instante o interrompi, observando:
– Entretanto, somos médicos e não nos achamos lá.
– Sim – explicou Vicente, bondoso –, infelizmente para nós
ambos, caímos em toda a linha.
Não só na qualidade de médicos,
mas muito mais como homens, pois que, se disse a você o que
sofri, ainda não contei o que fiz.
– É verdade – concordei, desapontado, recordando minha
condição de suicida inconsciente.
– Ainda no Esclarecimento – prosseguiu o companheiro –,
temos o Instituto de Administradores, onde os Espíritos cultos
procuram restaurar as forças próprias e corrigir os erros cometidos
na mordomia terrestre.
Nos Campos de Trabalho, do Ministério da
Regeneração, existem milhares de trabalhadores que se renovam
para a recapitulação das grandes tarefas da obediência.
– Somos numerosos – continuou, sorridente – os falidos nas
missões terrestres e note-se que todos os que hajam chegado a
zonas como “Nosso Lar” devem ser levados à conta dos extremamente
felizes.
Temos aqui dois Ministérios Celestiais, como o da
Elevação e o da União Divina, cuja influenciação santificante
eleva o padrão dos nossos pensamentos sem que o percebamos de
maneira direta.
O estágio aqui, André, representa uma bênção do
Senhor e, por muito que trabalhássemos, nunca retribuiríamos a
esta colônia na medida de nosso débito para com ela.
Nossa situação
é a de abrigados em verdadeiro paraíso, pelo ensejo de serviço
edificante que se nos oferece.
Quanto a outros companheiros
nossos...
Fez longo hiato e continuou:
– Quanto a muitos, estão fazendo angustiosas estações de aprendizado
nas regiões mais baixas.
São infelizes prisioneiros uns
dos outros, pela cadeia de remorsos e malignas recordações.
No
que concerne à Medicina, os colegas em bancarrota espiritual são
inúmeros.
A saúde humana é patrimônio divino e o médico é
sacerdote dela.
Os que recebem o titulo profissional, em nosso
quadro de realizações, sem dele se utilizarem a bem dos semelhantes,
pagam caro a indiferença.
Os que dele abusam são, por
sua vez, situados no campo do crime. Jesus não foi somente o
Mestre, foi Médico também.
Deixou no mundo o padrão da cura
para o Reino de Deus.
Ele proporcionava socorro ao corpo e
ministrava fé à alma.
Nós, porém, meu caro André, em muitos
casos terrestres, nem sempre aliviamos o corpo e quase sempre
matamos a fé.
As palavras sensatas do amigo caiam-me n’alma como raios
de luz.
Tudo era a verdade, simples e bela. Ainda não pensara, de
fato, em toda a grandeza do serviço divino de Jesus Médico.
Ele
expulsara febres malignas, curara leprosos e cegos de nascença,
levantara paralíticos, mas nunca ficava apenas nisto.
Reanimava
os doentes, dava-lhes esperanças novas, convidava-os à compreensão
da Vida Eterna.
Engolfara-me em pensamentos grandiosos, quando o companheiro
voltou a falar:
– Tenho um amigo, nosso colega de profissão, que se encontra
nas zonas inferiores, há alguns anos, atormentado por dois
inimigos cruéis.
Acontece que ele muito faliu como homem e
médico.
Era cirurgião exímio, mas, tão logo alcançou renome e
respeito geral, impressionou-se com as aquisições monetárias e
caiu desastradamente.
Nos dias de grandes negócios financeiros,
deslocava a mente das obrigações veneráveis, colocando-a distante,
na esfera dos banqueiros comuns.
Não fosse a proteção espiritual,
essa atitude teria comprometido oportunidades vitais de
muita gente.
A colaboração do pobre amigo tornara-se quase nula,
e alguns desencarnados nas intervenções cirúrgicas que ele praticava, notando-lhe a irresponsabilidade, atribuíram-lhe a causa da
morte física, quando não a esperavam, votando-lhe ódio terrível.
Amigos do operador prestaram esclarecimentos justos a muitos;
entretanto, dois deles, mais ignorantes e maldosos, perseveraram
na estranha atitude e o esperaram no limiar do sepulcro.
– Horrível! – exclamei.
Se ele, porém, não é culpado da desencarnação
desses adversários gratuitos, como pode ser atormentado
desse modo?
Explicou Vicente, em tom mais grave:
– Realmente, não tem a culpa da morte deles. Nada fez para
interromper-lhes a existência física.
Mas é responsável pela inimizade
e incompreensão criadas na mente dessas pobres criaturas,
porque, não estando seguro do seu dever, nem tranqüilo com a
consciência, o nosso amigo julga-se culpado, em razão das outras
falhas a que se entregou imprevidentemente.
Todo erro traz fraqueza
e, assim sendo, o nosso colega, por enquanto, não adquiriu
forças para se desvencilhar dos algozes.
Perante a Justiça Divina,
portanto, ele não resgata crimes inexistentes, mas repara certas
faltas graves e aprende a conhecer-se a si mesmo, a entender as
obrigações nobres e praticá-las, compreendendo, por fim, a felicidade
dos que sabem ser úteis com segurança de fé em Deus e em
si mesmos.
A noção do dever bem cumprido, André, ainda que
todos os homens permaneçam contra nós, é uma luz firme para o
dia e abençoado travesseiro para a noite.
O nosso colega, tendo
abusado da profissão, entrou em dolorosa prova.
–
Ah! sim – exclamei –, agora compreendo.
Onde exista uma
falta, pode haver muitas perturbações; onde apagamos a luz,
podemos cair em qualquer precipício.
– Justamente.
Calou-se o amigo, andando, muito tempo, ao meu lado, como
se estivesse surpreendido, como eu, defrontando as avenidas de
rosas.
Depois de longas meditações, convidou-me fraternalmente:
– Regressemos ao nosso núcleo.
Creio devamos ouvir Aniceto,
ainda hoje, referentemente ao serviço comum.
CONTINUA AMANHÃ
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