CONTINUAÇÃO
CAPÍTULO 26
OUVINDO SERVIDORES
Notei que o trabalho no Posto se desenvolvia em ambiente da
mais bela camaradagem, não obstante o respeito natural às noções
de hierarquia.
Enquanto palestrávamos animadamente, Ismália recebia servidoras
numerosas, em atitude verdadeiramente maternal, embora
muitas mostrassem o rosto envelhecido, parecendo avós da esposa
do administrador.
Aniceto nos ministrava lições de vulto, extraídas
de circunstâncias aparentemente inexpressivas, e Alfredo
recebia os colaboradores de todas as condições, não só com espírito
de solidariedade, mas também de imenso afeto.
Ria-se carinhosamente
ou fornecia pareceres, sem o mínimo gesto de impaciência
ou irritação.
Aquele clima de concórdia fazia-me enorme bem.
Tudo respirava
ordem e compreensão, bondade e harmonia.
A atitude paterna
do administrador do Posto de Socorro, expressa em energia e
amizade, organização e entendimento, atraía-me com força.
Pedi permissão ao nosso orientador para ouvir os esclarecimentos
prestados àqueles numerosos cooperadores.
Aproximei-me, impressionado.
Nesse momento, um colaborador de maneiras simpáticas dirigia-lhe a palavra, com grande interesse.
Tratava-se de um velhinho
de humilde expressão, que lhe falava com mostras de justo
respeito.
– E o senhor recebeu as noticias?
– Sim, Alonso – atendia o chefe, sem afetação –, nossos mensageiros
cientificaram-me dos detalhes mínimos.
Sua viúva continua muitíssimo acabrunhada, os filhinhos gozam saúde, mas
permanecem na mesma ansiedade por motivo de sua ausência.
O velho, que parecia muito bondoso, esboçou um gesto de
confirmação e acrescentou:
– Tenho sentido tanta falta deles!
Nos olhos transparecia a tristeza resignada, de quem deseja
alguma coisa, medindo a extensão dos obstáculos.
– Você, porém, Alonso – continuou Alfredo, comovido –, não
deve angustiar-se. Sei que está trabalhando agora pelo futuro da
família.
Na Terra, na qualidade de pais, conseguimos movimentar
muitas providências a favor dos filhos; entretanto, aqui, podemos
realizar certas medidas em benefício deles, com maior segurança.
Nem sempre agimos no mundo com a necessária visão; mas aqui
é possível sentir, de mais perto, os interesses imperecíveis daqueles
que amamos.
O sentimento elevado é sempre um caminho reto
para nossa alma; todavia, não podemos dizer o mesmo, a respeito
do sentimentalismo cultivado no círculo da Crosta.
É preciso que
você tenha muito cuidado em não desorganizar a mente.
A saudade
que fere, impedindo-nos atender à Vontade Divina, não é
louvável nem útil.
É enfermidade do coração, precipitando-nos
em abismos insondáveis do pensamento.
Alonso deixou de sorrir, mostrou os olhos rasos d'água e falou
em voz súplice:
– Reconheço, senhor Alfredo, a oportunidade de suas observações.
Graças a Jesus, venho melhorando minha vida mental, nos
deveres novos que me concedeu e, de fato, sinto-me renovado
espiritualmente.
Sei que sua palavra não me advertiria sem razão,
mas, ousaria pedir licença para visitar a esposa e os filhos.
A
noite, quando me concentro nas preces habituais, sinto, em torno
de mim, os seus pensamentos.
Esses pensamentos me penetram
fundo, atraindo-me toda a atenção para a Terra.
Às vezes, consigo
repousar um pouco, mas com muita dificuldade.
Sei que a esposa
e os filhos estão chamando, dolorosamente, por mim.
Esta certeza
me perturba de algum modo.
Não tenho sentido a mesma firmeza
para o trabalho diário e desejaria remediar a situação.
Reconheço
que minhas obrigações, presentemente, são outras e que devo
estar conformado; no entanto, confesso que minha luta espiritual
tem sido bem grande.
Estou certo de que me perdoará a fraqueza.
Que chefe de família não se sentiria atormentado, ouvindo angustiosos
apelos do lar, sem meios de atender, como se faz indispensável?
E, revelando o enorme anseio d'alma, enxugou os olhos e
prosseguiu:
– Quisera rogar aos meus calma e coragem, esclarecendo que
meu coração inda é frágil e necessita do amparo deles; estimaria
pedir-lhes esse auxílio para que eu possa atender às atuais obrigações,
sem desfalecimentos.
Quem sabe me concederá, agora, a
permissão precisa? Temos bem perto de nossa casa um grupo de
amigos espíritas... talvez não me fosse difícil transmitir algumas
palavras, breves que fossem, tentando tranqüilizar a esposa e os
filhos!...
Alfredo, imperturbável, não respondeu negativamente.
Parecia
compreender toda a inquietação do servidor simpático e humilde.
Observei-lhe no olhar, muito lúcido, o desejo sincero de
atender e, com extrema simpatia por sua conduta generosa, ouvi-o
ponderar:
– Não será impossível satisfazê-lo, meu caro Alonso! Nossos
emissários poderão conduzi-lo, nas viagens comuns; entretanto,
creia que, como amigo, ficaria preocupado com você, pela manutenção
de sua paz.
Não posso abusar da autoridade e sei que cada
um tem a experiência que lhe cabe, mas creio seja de seu vital
interesse o fortalecimento do coração. É imprescindível conformarmo-nos com os desígnios do Eterno.
Você e sua mulher não
ficariam separados se não necessitassem de experiências novas.
As dificuldades que ela vem amargando com a sua ausência sofreas
também você com a separação dela.
Tenho a impressão, Alonso,
de que Deus nos deixa sozinhos, por vezes, a fim de refazermos
o aprendizado, melhorando o coração. A soledade, porém,
quando aproveitada pela, alma, precede o sublime reencontro.
Além disso, você não deve ignorar que os filhos pertencem a
Deus, que cada um deles precisa definir responsabilidades e cogitar
da própria realização. Por enquanto, vivem chorosos, desalentados.
A revolta lhes visita a alma invigilante.
Estabeleceu-se a
desordem doméstica, depois da sua vinda. Entretanto, que fazer
senão pedir para eles e para nós a bênção do Eterno?
Precisam
eles da conformação com a realidade justa e você, que já lhes deu
o que era razoável, necessita, igualmente, evolver e aperfeiçoar-se
na senda nova a que fomos chamados.
Em que ficaria, meu caro,
se permitisse a invasão total do sentimentalismo doentio em seus
pensamentos? Tão dedicado é você à família do sangue, que, por
agora, não o sinto com bastante preparo a tudo ver no antigo lar,
sem sofrer desastrosamente.
Há tempos, autorizei a visita de dois
colegas nossos à esfera da Crosta, a fim de reverem as viúvas e
abraçarem de novo os filhinhos; mas foram tão violentamente
surpreendidos pela situação, que não puderam voltar aos seus
deveres aqui, lá ficando agarrados ao ninho que haviam abandonado.
Não vigiaram o coração, convenientemente.
Ouviram, em
demasia, o pranto dos familiares terrestres, envolveram-se nos
pesados fluidos do clima doméstico e, passada a semana de licença,
não conseguiram erguer-se para o regresso. Estavam como
pássaros aprisionados pelo visgo das tentações.
Os encarregados
do noticiário particular voltaram ao Posto sem eles, com grande
surpresa para mim.
E, francamente, não sei quando poderão reassumir
as funções que lhes cabem.
O prejuízo de ambos é muito
grande.
Depois de pequena pausa, Alfredo rematou:
– Os vôos de grande altura pedem asas fortes.
Alonso, que ouvia de olhos arregalados, considerou resignado:
– Desisto do pedido.
O senhor tem razão.
O administrador abraçou-o e murmurou:
– Deus ilumine o seu entendimento.
Admiradíssimo, reparei que outros colaboradores se aproximavam,
rogando esclarecimentos, pareceres, edificando-me no
exemplo do administrador amigo, que respondia em voz firme e
afetuosa, demonstrando interesse de irmão.
CONTINUAÇÃO
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