CONTINUAÇÃO
2 -
ANICETO
Comunicando meus novos propósitos a Tobias, verifiquei a
satisfação que lhe transpareceu do olhar.
– Fique tranqüilo – disse, bondoso –, você possui a quantidade
necessária de horas de trabalho para justificar o pedido. Temos,
por nossa vez, grande número de colegas na Comunicação. Não
será difícil localizá-lo com instrutores amigos. Conhece o nosso
estimado Aniceto?
– Não tenho esse prazer.
– É antigo companheiro de serviço – continuou informando,
amável – e esteve conosco na Regeneração, algum tempo. Em
seguida, devotou-se a tarefas sacrificiais no Ministério do Auxílio
e, hoje, é instrutor competente na Comunicação, onde vem prestando
concurso respeitável. Conversarei, a respeito, com o Ministro
Genésio. Não tenha dúvidas. Seu desejo, André, é muito nobre
aos nossos olhos.
O prestimoso companheiro deixou-me num mar de contentamento
indefinível.
Comecei a compreender o valor do trabalho.
A amizade de
Narcisa e Tobias era tesouro de inapreciável grandeza, que o
espírito de serviço me havia descortinado ao coração.
Novo setor de luta desdobrar-se-ia à minhalma. Não deveria
perder a oportunidade. “Nosso Lar” estava cheio de entidades
ansiosas por aquisições dessa natureza. Não seria justo entregar-me,
de boa vontade, ao novo aprendizado? Além disso, certo da
minha volta à carne, em futuro talvez não distante, a providência
constituiria realização de profundo interesse ao meu aproveitamento
geral.
Misteriosa alegria dominava-me todo, sublimada esperança
iluminava-me os sentimentos. Aquele desejo ardente de colaborar
em benefício dos outros, que Narcisa me acendera no íntimo,
parecia encher, agora, a taça vazia do meu coração.
Trabalharia, sim. Conheceria a satisfação dos cooperadores
anônimos da felicidade alheia. Procuraria a prodigiosa luz da
fraternidade, através do serviço às criaturas.
À noite, fui procurado por Tobias, sempre generoso, trazendo-
me a confortadora aquiescência do Ministro Genésio.
Com sorrisos afetuosos, convidou-me a acompanhá-lo. Conduzir-
me-ia à presença de Aniceto, para conversarmos relativamente
ao assunto.
Emocionadíssimo, segui para a residência da nova personagem
que se ligaria fundamente à minha vida espiritual.
Aniceto, ao contrário de Tobias, não se consorciara em “Nosso
Lar”.
Vivia ao lado de cinco amigos que lhe foram discípulos
na Terra, em edifício confortável, encravado entre árvores frondosas
e tranqüilas, que pareciam postas ali para protegerem extenso
e maravilhoso roseiral.
Recebeu-nos com extrema gentileza, o que me causou excelente
impressão. Aparentava ele a calma refletida do homem que
chegou à idade madura, sem fantasias da mocidade inexperiente.
Embora lhe transparecesse muita energia no rosto, revelava o
otimismo sadio do coração cheio de ideais sacrossantos. Muito
sereno, recebeu todas as alegações do meu benfeitor, dirigindome,
de quando em vez, olhares amistosos e indagadores.
Tobias falou longamente, comentando minha posição de exmédico
no plano terráqueo, agora em reajustamento de valores no
plano espiritual.
Depois de examinar-me com atenção, o orientador aduziu:
Francisco Cândido Xavier - Os Mensageiros - pelo Espírito André Luiz 15
– Não há o que embargar, meu prezado Tobias. No entanto, é
preciso reconhecer que a solução depende do candidato. Sabe
você que estamos aqui na Instituição do Homem Novo.
– André está pronto e disposto – adiantou o amigo, carinhosamente.
Aniceto fixou em mim o olhar penetrante e advertiu:
– Nosso serviço é variado e rigoroso. O departamento de trabalho,
afeto à nossa responsabilidade, aceita somente os cooperadores
interessados na descoberta da felicidade de servir. Comprometemo-
nos, mutuamente, a calar toda espécie de reclamação.
Ninguém exige expressão nominal nas obras úteis realizadas e
todos respondem por qualquer erro cometido. Achamo-nos, aqui,
num curso de extinção das velhas vaidades pessoais, trazidas do
mundo carnal. Dentro do mecanismo hierárquico de nossas obrigações,
interessamo-nos tão somente pelo bem divino. Consideramos
que toda possibilidade construtiva vem de nosso Pai e esta
convicção nos auxilia a esquecer as exigências descabidas de
nossa personalidade inferior.
Identificando-me a surpresa, Aniceto esboçou um gesto significativo
e continuou:
– Nos trabalhos de emergência, destinados à preparação de
colaboradores ativos, tenho um quadro suplementar de auxiliares,
constante de cinqüenta lugares para aprendizes. No momento,
disponho de três vagas. Há intensa atividade de instrução, necessária
a servidores que cooperarão em socorros urgentes, na Terra.
Orientadores há que se fazem acompanhar, nos serviços da crosta,
por todo o pessoal em aprendizado, mas eu adoto processo diferente.
Costumo dividir a classe em grupos especializados, de
acordo com a profissão familiar aos estudantes, para melhor aproveitamento
no preparo e na prática. Tenho, presentemente, um
sacerdote católico-romano, um médico, seis engenheiros, quatro
professores, quatro enfermeiras, dois pintores, onze irmãs especializadas em trabalhos domésticos e dezoito operários diversos.
Em
“Nosso Lar”, a ação que nos compete é desdobrada de maneira
coletiva; mas, nos dias de aplicação na crosta terrestre, não me
faço seguido de todos. Naturalmente, não se negará ao engenheiro,
ou ao operário, o ensejo de aquisição de conhecimentos outros,
que transcendem a paisagem de realizações que lhes cabem; mas,
tais manifestações devem constar do quadro de esforços espontâneos,
no tempo vasto que cada qual aufere para descanso e entretenimento.
Considerando, pois, o serviço atual, temos interesse
em aproveitar as horas no limite máximo, não só em beneficio dos
que necessitam de nosso concurso fraternal, como também a favor
de nós mesmos, no que toca à eficiência.
Ponderei, admirado, o curioso processo, enquanto o orientador
fazia longa pausa.
Após mergulhar toda a atenção em mim, como se desejasse
perceber o efeito de suas palavras, Aniceto continuou:
– Este método não visa apenas a criar obrigações para os outros.
Aqui, como na Terra, quem alcança a melhor porção, nas
aulas e demonstrações, não é propriamente o discípulo e sim o
instrutor, que enriquece observações e intensifica experiências.
Quando o Ministro Espiridião me chamou a exercer o cargo,
aceitei-o sob a condição de não perder tempo na melhoria e educação
de mim mesmo. Desse modo, não preciso alongar-me noutras
considerações. Creio haver dito o bastante. Se está, portanto,
disposto, não posso recusar-me a aceitá-lo.
– Compreendo seus nobres programas – respondi, comovido
–, será honra para mim a possibilidade de acompanhá-lo e receber
suas determinações de serviço.
Aniceto esboçou a expressão fisionômica de quem atinge a
solução desejada, e concluiu:
– Pois bem; poderá começar amanhã.
E, dirigindo-se a Tobias, acrescentou:
– Encaminhe o nosso amigo, amanhã cedo, ao Centro de
Mensageiros. Lá estaremos em estudo ativo e providenciarei para
que André seja bonificado pelas tabelas da Comunicação.
Agradecemos, satisfeitos, e, logo em seguida a Tobias, despedi-me, alimentando novas esperanças.
CONTINUA AMANHÃ
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