sábado, 31 de dezembro de 2011

REENCONTRO - LIVRO DE CHICO XAVIER - CAPÍTULO 06

CONTINUAÇÃO

PRIMEIRA CARTA

“Aqui, a luta pela vitória do bem é uma batalha sem tréguas”


Querida Diva, e meus queridos filhos, peço a Deus nos abençoe.
Enterneço-me ao rever-nos juntos de novo, qual se houvéssemos trazido conosco o nosso lar da Nunes Machado. Creiam que me preparei tanto, a fim de escrever-lhes e, entretanto, as lágrimas se misturam com as minhas próprias letras.
Diva, agradeço a você por ter vindo. O tempo de nossa união foi curto demais para um amor tão grande e hoje desejava que as horas recuassem para que eu pudesse oferecer ao seu coração as alegrias que não lhe pude dar. E você, com o seu carinho de sempre, me traz o prêmio de toda a minha vida: nossos filhos queridos, os corações amados que Deus permitiu nascessem ou renascessem dos nossos, para que a nossa estrada se fizesse felicidade e luz.
Revejo-os a todos, qual se fossem a nossa garotada de outro tempo. Para os pais os filhos jamais crescem, são sempre nossos meninos, anjos de nosso amor. Ainda estou vacilando para enfileirar nomes que sempre requisitam esforço de memória, mas se me esquecer de algum, me corrija. Temos aqui os nossos queridos Rui, Renato, Rosa Alice, João, Mírian, Rodolfo, Mara, Ricardo, o nosso Lemão genial. E temos em pensamento a nossa Marta e o companheiro, porque o nosso Esem é também um filho que Deus nos enviou pelos caminhos do espírito.
Diva, como sou feliz, tomando a cada um nos próprios braços, qual se fossem pequeninos!
Peço a você, em especial, dizer à nossa Marta que ela está aqui também conosco, aquele mesmo amor de filha a quem devemos tanto.
Penso em todos, revejo a nós ambos em todos eles e peço a Deus que os abençoe.
Você se lembrará de que havia dito no Hospital a minha convicção de que não mais regressaria à nossa casa...
Os tempos últimos haviam sido para mim de muita reflexão. Meditava nas experiências da vida, até que percebi um ponto de dor que se abria em meu peito, à maneira de um aviso discreto de que o tempo na vida terrestre estava a terminar. Comecei atualizando nossas escritas e revisando tudo o que pudesse impor cuidados maiores ao seu coração de esposa e mãe, e, em verdade, acertei...
Não creia, querida, que acontecimentos humanos menos felizes me tivessem abatido o ânimo. A doutrina que se fez a nossa lâmpada clareava todas as situações do caminho... Sempre compreendi que um homem nunca pode pensar em colher flores exclusivamente nas sendas da vida e, por isso, habituei-me a facear as ocorrências do mundo como viessem... E, aliás, nada sucedeu que me pudesse haver marcado com esse ou aquele sofrimento maior.
Tive a melhor esposa que um homem pode receber de Deus e conquistamos da Bondade Divina filhos que somente alegria e paz nos trouxeram aos corações...
Creio que o corpo já carregava por si aquela disposição ao problema circulatório que acabou por separar-me do instrumento físico. E ainda aí, naqueles poucos dias de preparação final, reconheci que tudo estava certo. Doía-me vê-la aguardando o golpe que a situação desferiria sobre nós e agoniava-me com a idéia de ser obrigado a deixá-la sem meus braços de companheiro com os filhos e os netos de que fizemos o nosso querido jardim de amor.
Sabia, no íntimo, que o assunto estava consumado: entretanto, em preces, rogava a Jesus a fortalecesse e nos amparasse os filhos inesquecíveis com a união de todos eles, para que uns amparassem os outros e não sei que tristeza me dominava naqueles momentos preparatórios da grande mudança de que me sentia perto. Digo tristeza incompreensível porque não poderia, de minha parte, receber maiores bênçãos de Deus. Lamentar-me seria ingratidão e, por esse motivo, o conflito imanifesto em que vivi nos dias últimos da vestimenta física foi enorme.
Chegada a hora, revi tudo, tudo o que fora a nossa vida em família, as horas de felicidade que foram sempre uniformes, porquanto em meu coração de esposo e pai só encontrava razões para ser agradecido.
A dor, a princípio, foi perceptível por mim... Depois, tudo me pareceu um desmaio de que não conseguia fugir, embora pudesse todo o meu esforço de homem na resistência para ficar... Ficar ainda em sua companhia e trabalhar pela felicidade de trabalhar sempre mais; no entanto, um torpor que não sei definir começou a paralisar-me... Em seguida, foi o sono de que possuía prévio conhecimento em tantas descrições de companheiros desencarnados.
A compaixão dos Céus, pelo menos em meu caso, não nos deixa ver os quadros que remanescem da morte, porque nada mais vi senão que despertava em outro ambiente. Era, a meu ver, um outro hospital, em cujo ambiente percebi, de imediato, que já não mais vivia em estrutura da Terra. A luz muito clara no aposento, o ar leve que me alimentava os pulmões e aqueles rostos que me cercavam, estendendo-me auxílio, não me deixavam dúvida.
Nenhuma face de Araras, nenhum semblante que pudesse identificar... Confesso a você e aos meus filhos que chorei muito... Era então aquilo a morte. Uma transferência irreversível sem apelo a qualquer regresso em moldes físicos para a retaguarda...
Pensei em você, em nossos meninos e em nossos netos, nos amigos, nas tarefas que ficavam para trás... Senti, por intuição, que os seus pensamentos me cercavam de saudade e de amor, que a imagem dos filhos me visitava no espelho da memória; no entanto, chorava ignorando se a alegria do dever cumprido ou a dor da separação compulsória se faziam motivos para aquelas emoções a se repetirem por dentro de mim.
Ah! mas os homens mais fortes se transformam em crianças, quando encontram a possibilidade de reencontrarem as mães que lhes deram a vida... Quando mais forte se fazia a minha noção de perda, vi que nossa mãe Joaninha entrou para ver-me.
- “Então, meu filho, quem disse a você que as mães esquecem? Descanse. Você está regressando ao lar... Diva e os meninos estão amparados... Deus vela por todos...”
Não sei descrever a surpresa que me tomou de assalto. Vi-me novamente menino para rezar com aquela a quem devemos tanto amor.
Logo após, outros amigos vieram ver-me... O Bertolini, O Giacomini, o Zurita, o Denardi e tantos companheiros do ideal de trabalho se achavam ali que, muito embora sem apagar a sua presença e a presença da família no livro do coração, passei a sentir-me menos só para o recomeço... Agora, tudo se reajusta.
Noto-a, porém, algo abatida e fatigada. Peço-lhe que se refaça. Recorde Mara e nosso Lemão precisando de seus cuidados, e nossa Marta com a família que começou a organizar é uma plantação de carinho que não podemos esquecer.
Se posso pedir alguma cousa, rogo-lhe fortalecer-se e apresentar o mesmo porte de alegria e discreto comando de nosso mundo familiar. Os filhos reclamam isso.
Não estou assim distante. Habitue-se a mentalizar-me ao seu lado e você me observará consigo, mais do que imagina.
Lembre-se do orgulho sadio de seu marido ao vê-la forte e feliz e capacite-se de que o nosso amor não apresenta mudança.
Conto em que os filhos saberão auxiliar-me nesse sentido, no sentido de lhe reconhecermos a restauração. O nosso companheirismo não sofreu qualquer pausa.
Nossa tia Maria Álvares Leite veio assistir esse reencontro em ritmo de perto-longe.
A realidade, no entanto, é a de que nos achamos sempre mais juntos.
Desejava escrever mais, sabendo embora que já escrevi demasiadamente, mas devo encerrar estas minhas notícias.
Amigos da Maçonaria e da Doutrina me auxiliaram a expressar o que sinto.
A letra não é a mesma. Devo submeter-me a uma orientação de urgência a que não me acostumei; entretanto preferi arriscar-me à manifestação com insegurança a perder a oportunidade.
Peço aos filhos dizerem de minha parte ao Arceu, ao Salvador, ao Pizarro, ao Hércio e a outros irmãos de atividade espiritual que tudo o que fizermos pela divulgação de nossos princípios é muito pouco, diante do que se tem a fazer. Aqui, a luta pela vitória do bem e pela sustentação da luz é uma batalha sem tréguas, na qual o Cristo é e será sempre o Grande Vencedor.
Mas isso é outro assunto que transcende os meus propósitos.
Queria unicamente dizer a você e aos nossos rapazes, às nossas filhas, incluindo o genro e as noras, igualmente filhos de coração, que continuo vivendo e amando a família cada vez mais.
Diva, querida esposa, com os nossos filhos queridos, incluindo todos os que se reuniram a nós dois nos caminhos da vida e os netos que nos continuam a existência, receba todo o coração reconhecido do companheiro de sempre, sempre o seu
Ítalo
Notas e Identificações
1 – Carta recebida em reunião pública do Grupo Espírita da Prece, na cidade de Uberaba, Minas, pelo médium Francisco Cândido Xavier, na noite de 14/7/1979.
2 – Diva – D. Diva Álvares Leite Scanavini, esposa.
3 – Nunes Machado – Nome da rua, na cidade de Araras, SP, onde reside sua família.
4 – Rui, Renato, João, Rodolfo, Mara e Ricardo – Filhos, presentes à reunião.
5 – Rosa Alice e Mírian – Rosa Alice Ruegger Bueno Scanavini e Mírian Elizabeth Severino Finardi Scanavini, noras, presentes à reunião.
6 – Marta e o companheiro, porque o nosso Esem é também um filho – Marta Elisa, filha, casada com Esem Pereira Cerqueira.
7 – Lemão – Apelido familiar do filho Ricardo.
8 – Naqueles poucos dias de preparação final – Refere-se ao período em que ficou hospitalizado, de 2 a 8 de março de 1979.
9 – Mãe Joaninha – Sua progenitora era chamada, na intimidade, de Joaninha.
10 – Bertolini – Augusto Bertolini nasceu em Luca, Itália, a 2/11/1878, e faleceu em São Paulo, Capital, a 28/8/1961. Nas últimas décadas de sua vida residiu em Limeira, SP, exercendo a profissão de viajante. Colaborou ativamente nas campanhas pró-construção do Sanatório Antônio Luiz Sayão, de Araras, inclusive participando de longas viagens pelo país. Quando da organização da primeira diretoria deste hospital, assumiu o cargo de vice-presidente, e sua esposa, D. Alice, integrou o Conselho Consultivo.
11 – Giacomini – João Giacomini Sobrinho (1909-1974), companheiro e amigo de Ítalo, foi um dos fundadores do Instituto de Difusão Espírita. Ver sua biografia em Anuário Espírita 1975.
12 – Zurita – Ignácio Zurita Júnior, antigo comerciante e político influente em Araras. Ex-Prefeito Municipal da cidade, faleceu em 29/11/1944.
13 – Denardi – Vitório Denardi, desencarnado em 22/9/1933, foi padrinho de batismo de Ítalo.
14 – Tia Maria Álvares Leite – Tia paterna de D. Diva, faleceu em Limeira, SP, a 8/12/1970.
15 – A letra não é a mesma – Um dos seus filhos, presentes à reunião pública, estando de pé, próximo à cabeceira da mesa, onde se assentava Chico Xavier, pôde acompanhar o trabalho psicográfico do médium, identificando, assim, a carta de seu pai desde as primeiras páginas. No decorrer do recebimento da mesma, pensou, sem dizer a ninguém, da possibilidade de seu progenitor encerrar aquela carta com assinatura igual à que tinha quando em vida material.
16 – Arceu, Salvador, Pizarro e Hércio – Arceu Scanavini (irmão), Salvador Gentile , José Pizzaro Garcia e Hércio Marcos C. Arantes, companheiros de ideal espírita.

CONTINUA AMANHÃ

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