segunda-feira, 26 de setembro de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 85

CONTINUAÇÃO

A moça, expectante, não assinalou a advertência com os sentidos físicos, mas, sem que pudesse explicar a si mesma a razão disso, rememorou a solicitação paterna de última hora... Nemésio, sim... – concluiu mentalmente. Ela e o esposo tinham recebido notícias ao telefone, principalmente da parte de Olímpia. O médico da família procurara Gilberto no banco. As informações eram alarmantes; entretanto, hesitavam... Ela, sobretudo, angustiava-se ao imaginar-se no reencontro. Comentava-se, porém, que o sogro jazia enfermo, em estado grave... Rearticulou, na memória, a rogativa de Cláudio, ao partir, e decidiu-se em espírito. Olvidaria o passado e ajudaria o doente no que lhe fosse possível. Inclinaria Gilberto à reconciliação. Não adiariam por mais tempo a visita.
Os compromissos caseiros, no entanto, povoavam-lhe a mente e afastou-se, conservando, todavia, na forma de intenção consolidada, o pedido que Nogueira lhe insuflara.
Ao café, sugeriu ao esposo as primeiras medidas atinentes ao caso. Cláudio que observava, atento, entrou, direto, em serviço.
Alimentou as disposições favoráveis do casal. Que não recuassem.
Atendessem. Nemésio era também pai. Marina propunha, Gilberto ponderava. Por fim, o marido concordou. Telefonaria do banco, sondando o médico. Se a doença fosse mesmo grave, embora os constrangimentos da companheira, na gravidez avançada,
tomariam táxi à noite, para vê-lo.
Deixando Percília, Cláudio e Moreira entregues à atividade, busquei a vivenda dos Torres, no encalço de Nemésio, que eu não mais vira, desde o trágico instante do carro em disparada.
Entrei.
Silêncio vazio nas peças principais.
Espantado, procurei-lhe o quarto, o quarto espaçoso em que lhe conhecera a esposa doente. Junto dele, hemiplégico e afásico (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 330) no leito, apenas Amaro, o fiel amigo espiritual que velara por Dona Beatriz.
Mobilizei compreensão e resistência para não sensibilizar-me em demasia, prejudicando, ao invés de auxiliar.
Perplexo, ouvi do enfermeiro o resumo da tragédia em que se envolvera aquele homem, dantes tão bajulado e tão rico.
Cedendo à paixão que lhe empolgava os sentidos e excitado pelos obsessores que o abandonaram tão logo lhe viram o corpo arruinado e inútil, Torres pai se decidira a exterminar Marina e suicidar-se em seguida. Ao praticar o crime, porém, verificou que atropelara Nogueira e não a filha, entrando em desespero e esse desespero lhe cresceu tanto no espírito que o corpo doente não resistira. Sobreviera o derrame. Ele, Amaro, avisado por amigos, fora encontrá-lo semiparalítico e sem fala, no automóvel, parado longe do local em que se desenrolara o delito. Parecia prestes a desencarnar, mas Félix aparecera de improviso e requisitara o apoio de todos os órgãos espirituais de assistência, situados nas imediações, acumulando fatores de intervenção em favor dele.
Orara, suplicando aos Poderes Divinos não lhe permitissem a saída do plano físico sem aproveitar o benefício da enfermidade no veículo carnal, que se desarranjara sem probabilidades de conserto. O diretor do “Almas Irmãs” advogara para ele as vantagens da dor, que reputava santas, e o processo desencarnatório tinha sido imediatamente sustado. Quem era ele, Amaro, para censurar as decisões do irmão Félix – alegava o amigo, confidencioso –; no entanto, indagava a si mesmo se valia continuar um homem ativo e inteligente, qual Nemésio, atado a um corpo desajustado assim... Desde a intercessão de Félix, o velho Torres era aquilo que eu via, um farrapo de gente, largado à cama A casa fora devassada pelos credores e empregados desonestos haviam fugido carregando copioso fruto de saque. Baixelas, pratarias, cristais, porcelanas, roupas, telas, pequenos tesouros dos ascendentes (FranciscoCândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 331) das famílias Neves e Torres e até mesmo o piano e as jóias de Dona Beatriz jaziam perdidos na voragem. Apenas Olímpia, antiga companheira, vinha até ali duas vezes por dia, a fim de prestar ligeira assistência ao enfermo, que, embora perfeitamente lúcido, não conseguia articular palavra, em vista das alterações nos centros nervosos. E isso tudo – rematava o informante, desencantado – há menos de uma semana... Condoído, ali aguardei a noite.
Vi quando Gilberto e Marina atravessaram o vestíbulo, seguidos de Percília, Moreira e Cláudio, tomados de surpresa dolorosa.
Imaginando-se sozinhos, o jovem bancário e a esposa não conseguiam dominar as exclamações de assombro, até que à frente do leito, cuja solidão o lustre feérico parecia exagerar, se prosternaram em lágrimas. Nemésio reconheceu-os. Debalde intentou soerguer a carcaça dorida. Quis falar, mas não pôde, apesar do supremo esforço despendido. – Pois é o senhor que encontramos assim, papai? – arfou Gilberto em desconsolo. Cabeça trêmula, o interpelado apenas engrolava: – Ah, ah, ah, ah, ah!... Nós, porém, que lhe registrávamos os pensamentos, notamos, comovidos, que ele, reacomodado ao equilíbrio próprio, implorava aos filhos benevolência, compaixão... Contemplou a nora pelo véu de pranto e lastimou na linguagem inarticulada do cérebro: – “Marina!... Marina!... sou um infeliz.... Perdão, pelo amor de Deus!... Perdão pelas cartas afrontosas, perdão pelo meu crime!... Eu estava louco, no momento em que arrojei o automóvel no corpo de seu pai!... Diga, diga se ele morreu... Perdão, perdão!...” A boca franzida, no entanto, somente repetia: (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 332) – Ah, ah, ah, ah, ah!... Para os dois circunstantes, a terrível confissão paterna era simplesmente longa série de interjeições sem sentido.
Vimos então que Nogueira avançava realmente para o bem que se comprometera a dignificar. Somente naquela hora vinha a saber quem fora o autor do atentado que lhe impusera a morte... Longe, porém, de pedir-nos orientações ou conselhos, recordou, instintivamente, outra noite, além daquela em que perdera a existência... A noite na pensão de Crescina, cujas sombras lhe haviam acobertado os ultrajes à filha, compelindo-a ao desastre fatal... Viu Marina, ajoelhada e, obedecendo aos ditames da própria alma, caiu genuflexo, abraçando-se a ela e, qual se ocupasse o íntimo da jovem senhora, atenazada de sofrimento moral, fê-la buscar a destra de Nemésio para beijá-la com a reverência que os filhos devem aos pais.
O enfermo, tocado no coração por semelhante gesto de respeitosa ternura, tartameleava sons ininteligíveis, implorando mentalmente: – “Perdão!... perdão!...” Cláudio, testemunhando corajosa humildade, levantou-se, de súbito, e, erguendo os olhos para o alto, clamou em pranto: – Deus de Imensa Bondade, perdão para mim também!... Naquela mesma noite, uma ambulância atendia à hospitalização de Nemésio que, após alguns dias de tratamento, sempre custodiado pelos filhos, subia, em cadeira de rodas, no prédio do Flamengo, onde passou a habitar, mudo e inerme, sob os desvelos da nora e incessantemente amparado por Nogueira, no aposento que pertencera àquele que perseguira por rival e que se lhe erigia agora por denodado guardião.
Os êxitos morais de Cláudio, comentados com admiração por alguns amigos no “Almas Irmãs”, estabeleceram para o irmão Félix um problema grave, embora sem qualquer importância na

CONTINUA AMANHÃ

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