domingo, 18 de setembro de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 77

CONTINUAÇÃO 

os bons ofícios. Que o rapaz esquecesse os agravos e aceitasse em Nemésio um enfermo da alma.
Gilberto rememorou os segredos de Dona Márcia, condoeu-se do interlocutor e entrou em lágrimas. Aquele homem, muito mais ofendido que ele mesmo pelo pai prepotente, aquele homem espoliado no coração, impetrava benevolência para o seu próprio verdugo.
Marina, que sazonara o entendimento da vida, exortava também à concórdia e ao olvido. E tanto se adestrava em renovação que, após o curativo nos lábios de Gilberto, sugeriu ao pai fosse o rapaz conduzido sem delonga ao gerente. Não se devia perder a oportunidade, nada de lamentar sobre o inevitável. Ensaiou apontamentos de bom-humor, emprestou comicidade ao drama que lhes cabia viver, endereçando o pensamento ao futuro, e inventou notas alegres para a dificuldade, qual se dependurasse guirlandas numa sala encrespada de espinhos, conseguindo que Torres filho, chorando e rindo, trincasse alguns pastéis, antes de sair.
O diretor de Nogueira acolheu o candidato com simpatia; no entanto, não relacionava meios para colocá-lo em regime de urgência.
Aguardasse um mês. Não se admitiam aspirantes ao serviço, sem provas de habilitação, previamente ordenadas, mas prometia entender-se com os chefes. Acreditava na possibilidade de aproveitar-lhe o concurso, em caráter de interinidade.
Gilberto agradeceu.
A sós com o protetor, referiu-se com humildade ao problema de moradia.
Afinal, sabia-se expulso de casa a pontapés.
Cláudio tranqüilizou-o.
Certo, não calhava, por enquanto, a presença dele no lar do Flamengo, embora julgasse a medida irrepreensível. Competialhes, porém, imunizar Nemésio contra qualquer novo ataque de (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 299) fúria. Conhecia pensão de estudantes corretos e pediu-lhe para que não lhe recusasse as garantias. Entre moços respeitáveis, esperaria a convocação. Depois, resgataria os pequenos débitos que viesse a contrair. Que não se vexasse. Acariciou a cabeça do jovem e salientou que se achavam na condição de pai e filho e que, em razão disso, o dinheiro entre ambos deveria ser gasto em condomínio.
O rapaz, não obstante constrangido, aquiesceu.
Daí a algumas horas, ciente de que o genitor se ocupava em serviço, contratou caminhão e colheu da residência os pertences que julgou indispensáveis, sossegando a dedicada governante com a informação de que se ausentava para trabalhar, durante algum tempo, com o pai de Marina, a fim de tentar a sorte.
O comunicado surtiu efeitos imediatos.
Dispensando a possível assistência ao ânimo inquieto de Nogueira, vimos, no dia seguinte, quando Nemésio entrou no banco, às duas da tarde, a esbaforir-se. Enraivado, no centro de vasto grupo de Espíritos galhofeiros, solicitou a presença de Nogueira em recinto particular. Um funcionário acenou para o companheiro e Cláudio veio; mas, pressentindo que seria intimado a rigoroso testemunho de tolerância, preferiu atender no vestíbulo, rente ao público.
O visitante começou dizendo que lhe exigia contas do filho, acentuando que não lhe permitiria influenciá-lo. Cláudio mobilizou todas as reservas de humildade e rogou licença para informar que o moço tão-somente o tratava por amigo, sem, no entanto, abdicar do livre-arbítrio; que não se via autorizado a responder por ele; que... O genro de Neves, todavia, interceptou-lhe a palavra e rugiu: – Cale-se, besta!... joão-ninguém! paspalhão! Tome lá, seu
espírita de meia-tigela!... (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 300)
O punho do negociante batia no rosto de Cláudio, arremessando-lhe pescoções violentos, enquanto a vítima procurava defender-se, debalde, escondendo a cabeça entre as mãos.
A agressão fora rápida.
Antes que os circunstantes se refizessem do choque, o bancário jazia no pavimento e somente a cooperação de intercessores anônimos impediu que o esmurrador asselvajado lhe pisasse o corpo em decúbito. Contido à força, berrava insultos, assessorado por Espíritos infelizes.
O injuriado ergueu-se disposto a revidar. Irado, contundido.
Referviam-lhe no peito as dores acumuladas. Tomaria desforra. O comerciante audacioso conhecer-lhe-ia o desagravo. Massacrá-lo-ia naquele mesmo instante como se achata um verme. Num átimo, contudo, ao levantar a destra para medir punhos com o adversário, sentiu o reflexo de Marita. Aquela mão pequena e fria que se elevara da morte, a fim de abençoá-lo, estava na dele. A menina atropelada surgia-lhe na memória, como a perguntar-lhe pelos votos de melhoria. Prometera-lhe renovar-se, ser outro homem...
Impossível quebrar o compromisso. Recordou-a padecente, o corpo recoberto de escaras dolorosas. Não tinha sido ele o culpado? não fora a Divina Providência suficientemente compassiva, deixando que a falta de que se acusava passasse despercebida, à frente dos homens? não recebera, acaso, o perdão da filha que amava? que diria ela, do Além, se também não perdoasse ao carrasco que lhe seduzira a primogênita e lhe furtara a mulher?
Abraçara princípios que lhe preceituavam clareza de raciocínio, a fim de que aprendesse a conjugar bondade e discernimento, justiça e caridade... Cabia-lhe ver, nos inimigos gratuitos, enfermos exigindo socorro e benevolência. De que modo condenar alguém naquilo em que se inculpava? Não trazia, porventura, o espírito endividado, em meio de falhas e tentações? (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 301)
Afrouxou-se-lhe o braço antes reteso e, escutando os sarcasmos de Nemésio que se retirava, truculento, constrangido por pessoas que clamavam em alta voz pela intervenção da rádio patrulha, o marido de Dona Márcia, encostado à parede, sob os olhares de simpatia de todo o auditório, não se acanhava de libertar o pranto amargo e espesso a pingar-lhe do queixo escanhoado.
O gerente assomou à cena, quando o autor das bofetadas ganhava o meio-fio, e indagou pela causa do tumulto.
Um funcionário emocionado apontou para o colega ofendido, falou no espancamento e aduziu: – Decerto, não reagiu porque ele hoje é religioso, é espírita...
O chefe comoveu-se. Desejando desfazer o clima geral de indignação, inquiriu, à porta: – Quem é esse brutamontes de jaula?
Velhinha que esperava atendimento, de caderneta à mão, informou:
– Conheço. É Nemésio Torres, proprietário de lotes e mais lotes... – Tubarão! – comentou o recém-chegado com inflexão de menosprezo –, onde pensa que estamos?
E relanceando o olhar pelos clientes embasbacados, protestou: – Gente, nós estamos no Rio!... no Rio!... Como é que vocês soltam um criminoso desses? um caso assim, é polícia, corda, cavalaria, cadeia...
Esbarrou, porém, com Cláudio imóvel e, recompondo-se, abraçou-o para acabar conduzindo-o a saleta distante. Aí, ouviu do subordinado a história da filha e do rapaz que lhe fora apresentado na véspera. Entre revoltado e condoído, autorizou o ingresso do

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: